O antigo assessor de Kofi Annan nas Nações Unidas e
actualmente professor na África do Sul acredita que o país “tem condições para
ser viável”, assim queiram os políticos guineenses. “A instabilidade privou a
Guiné-Bissau de receitas fiscais, atracção de investimento e ajudas prometidas”
O
antigo conselheiro político de Kofi Annan, que encerrou a sua carreira na ONU
em 2016 e hoje dá aulas na The Nelson Mandel School of Public Governance
da Universidade da Cidade do Cabo, reflecte nesta entrevista sobre a situação
económica actual da Guiné-Bissau.
Como está a economia da Guiné-Bissau e que impacto teve a
instabilidade política dos últimos anos?
Em
África quase todos países crescem por duas razões principais: por um lado o
aumento da população activa um mínimo de consumo e, por isso mesmo, com níveis
de renda baixa, existe uma certa escala e, por outro, existe uma protecção da
zona monetária que controla a inflação e disponibiliza um certo nível
creditício à economia. Daí se justifica que a Guiné-Bissau apesar da
instabilidade cresça a 5% ao ano. O que importa é que 85% vive abaixo do limiar
da pobreza e o país no seu todo tenha um PIB pífio de menos de 2 mil milhões de
dólares para uma população de 1,4 milhões de pessoas, ou seja, menos de uma
semana do PIB da Nigéria, ou, se quisermos, menos de metade do PIB dos Açores
que tem apenas 248 mil almas. A instabilidade privou a Guiné-Bissau de receitas
fiscais sustentáveis, atracção ao investimento, ajudas prometidas ao programa
Terra Ranka, que ajudei a elaborar no início do actual ciclo político em 2014,
de 1,5 mil milhões de dólares. Na altura, era quase o PIB do país por um ano. A
Guiné-Bissau tem condições para ser um país viável, e até próspero, se tiver
não só estabilidade mas também boa governação.
O preço da castanha-de-caju baixou este ano, que impacto
teve isso na economia e há alguma possibilidade de isso servir para o Governo
pensar em diversificar a economia?
Os
países africanos que vivem de grande dependência de um produto não transformado
estão condenados às vicissitudes do mercado das commodities que tem
ciclos de procura voláteis. Neste momento, em geral, as commodities
estão com preços em queda, reflexo do ambiente depressivo da economia mundial.
Todo este conjunto de características não ajuda a castanha-de-caju, que
representa mais de 80% em valor das exportações do país. É um paradoxo que se
exporte castanha para o Vietname e Índia para ser descascada e empacotada.
Mesmo assim, como se trata de uma actividade complementar a outras, se bem
enquadrada, muitos países africanos estão rendidos a esse negócio e a
Guiné-Bissau já perdeu o seu lugar privilegiado de grande fornecedor.
Na entrevista que deu ao Público em Agosto disse que “a
castanha-de-caju é um terror, destrói o meio ambiente. É contraproducente para
o país e transformou-se numa tábua de salvação porque é colecta. Fomos para o
estádio primário da actividade económica”, essa ideia é partilhada pelos
decisores políticos na Guiné-Bissau?
A
concorrência é grande e, claro, os preços baixam. No futuro será pior, o que
deixa condescendente os que ouvem alguns candidatos prometer preços ainda
maiores ao produtor. Um absurdo.
Em Maio, o FMI mostrava a sua inquietude pelo facto de as
despesas do Estado serem demasiado elevadas, pondo em causa a previsão do
défice. Houve mudanças ou as coisas continuaram na mesma? E porquê?
Essas
análises do FMI são previsíveis e, de um certo ponto de vista, risíveis até.
Não porque o que digam está errado ou não seja importante, mas porque falta uma
visão da transformação no seu todo, fazendo dos indicadores macroeconómicas uma
espécie de tábua de salvação de uma realidade que é muito mais exigente e
complexa. A questão que nos devemos colocar é outra: o que seria da
Guiné-Bissau se tivesse todas as suas contas certinhas e satisfizesse os
critérios que o FMI recomenda neste momento? Provavelmente a mesma lástima,
pois satisfazia obrigações internacionais, mas não faria nenhuma transformação
necessária para se suster economicamente. Países como a Guiné-Bissau não têm
acesso ao crédito a taxas de juro dos países europeus. Estão fora das agências
de notação. Não têm condições para atrair investimento estrangeiro. O que podem
fazer? Criar as condições para uma formalização da sua economia, o que
permitirá receitas fiscais mais equilibradas (neste momento têm taxas de
pressão fiscal muito baixas, das mais baixas do mundo), valorizar os seus
recursos naturais com um mínimo de valor acrescentado e maximizar alguma
vantagem comparativa. A Guiné-Bissau têm-nas, por exemplo, na sua
biodiversidade única. O arquipélago dos Bijagós, com as suas 87 ilhas, é uma
pérola, umas Seychelles do Atlântico a apenas quatro horas de voo dos pontos de
partida de massas de turistas europeus. Mas há mais: é o país com maior
percentagem de parques e reservas de biodiversidade da África Ocidental, o
único com centros de reprodução de cinco das sete espécies mundiais de tartarugas
marinhas, com os únicos hipopótamos de água salgada do mundo, a maior zona de
mangal preservado da costa africana, maior concentração de reprodução
haliêutica do Atlântico médio e muito mais. Mas tudo isso não serve para grande
coisa sem estabilidade e boa governação.
A Guiné-Bissau foi o único país de língua oficial
portuguesa a subir no ranking do Banco Mundial sobre a facilidade de fazer
negócios. É relevante? O que melhorou?
É
piada. Esse índice tem peso para os primeiros 100 países pois mede as formas
regulatórias que podem facilitar os negócios. Por exemplo, quantos dias se
demora a registar uma empresa ou o número de documentos a apresentar para um
despacho alfandegário. Há países que fazem esforços significativos para reduzir
o seu gap em relação aos níveis de eficácia dos competidores. Países
como o Ruanda, Togo, Djibuti ou Maurícia fizeram políticas específicas para
subir nos índices e conseguiram melhorias significativas. Para a maioria dos
que ficam abaixo dos primeiros 100 torna-se completamente aleatório. A ausência
de leis laborais restritivas ou inexistência de salário mínimo pode ser notado
como bom para os negócios. O índice já foi muito criticado pela sua
parcialidade e até manipulação política. O que levou o economista-chefe do
Banco Mundial Paul Rommer a demitir-se desse cargo em protesto, em 2018, antes
de receber o famoso prémio. António Rodrigues – Portugal in Jornal "Público"
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