Não é a primeira derrota de Uber no cantão de Genebra,
mas a decisão do governo local de obrigá-la a reconhecer os direitos
trabalhistas dos seus empregados pode ser um grande desafio para o gigante das
caronas. Um precedente ou o fim do aplicativo na Suíça?
Os
milhares de diplomatas, homens de negócios e turistas que chegam no aeroporto
de Genebra todos os dias provavelmente terão que voltar a utilizar os táxis
locais ou utilizar o trem para ir ao centro da cidade. Mas se clicarem no
aplicativo Uber para encontrar um motorista, terão dificuldades.
Na
semana passada, as autoridades de Genebra determinaram que os motoristas da
Uber têm direitos trabalhistas. É o que determina a lei que regula o
funcionamento de táxis e transporte no cantão. Isso significa que a empresa
americana está obrigada a oferecer todos os benefícios sociais como férias
pagas, auxílio-doença e contribuições para previdência social aos seus
colaboradores.
Para
Roman Künzler, da federação de sindicatos UniaLink externo, a decisão é o fim
de uma longa jornada de lutas. "Esperamos melhoras nas condições de
trabalho dos motoristas e que a Uber cumpra, enfim, nossas leis", declarou.
Luta contra um gigante
A
Uber enfrenta uma longa batalha legal à medida que diferentes governos
municipais começam a aplicar leis para regulamentar o setor e garantir direitos
trabalhistas aos motoristas autônomos. Em alguns casos, como ocorrido em
Londres, a empresa reconheceu algumas normas. Em outros, desistiu por completo
de operar em uma cidade.
Na
Suíça a empresa sofreu um forte revés na parte francófona do país, desde que
começou suas operações no país há cinco anos. Em 2015, a Uber foi proibida
temporariamente de oferecer seus serviços em Genebra por violar a Lei dos
taxistas. Um ano depois, motoristas e companhias de táxis protestaram nas ruas,
acusando a empresa de concorrência desleal e de estar pagando baixos salários.
No ano passado, as autoridades de Lausanne consideraram a Uber como um
"serviço de call center" e obrigaram os condutores a terem uma
licença profissional de taxista.
Até
hoje a empresa conseguiu resolver as disputas legais e está mais forte do que
nunca. Só na Suíça ela cresceu 30% no ano passado, chegando a atingir 400 mil
usuários ativos e ocupar 3200 condutores em quatro cidades suíças (Zurique,
Genebra, Basileia e Lausanne).
Porém,
apesar do sucesso comercial, a empresa insiste em não assumir responsabilidades
trabalhistas. Como argumentos para justificar suas posições, alega que os
condutores trabalham de forma autônoma e que a empresa se limita a oferecer uma
plataforma tecnológica que combina oferta e demanda por transporte.
A
medida que a Uber cresceu, esse argumento foi se tornando menos convincente
para muitos governos municipais, dentre eles o de São Francisco (EUA), onde a
empresa nasceu. Hoje ela combate um decreto de lei conhecido como Assembly Bill
5, aprovado na Califórnia e que determina que os motoristas sejam contratados
pelas empresas dos aplicativos e não ser considerados trabalhadores com vínculo
precário. Batalhas semelhantes já estão sendo travadas em outros estados
americanos e países da União Europeia.
Em
alguns mercados a empresa teve sucessos. No Brasil e na França, juízes
decidiram na direção contrária: eles aceitaram os argumentos da Uber de que
seus motoristas não são empregados diretos da empresa.
Precedentes
Para
Künzler a decisão legal em Genebra foi um passo importante para os
trabalhadores da chamada "gig economy", um meio onde
trabalhadores vivem de contratos temporários, microempregos ou vivem como
autônomos, um fenômeno encontrado em todo o globo. "A decisão atinge
diretamente o modelo de negócios da Uber que é transportar pessoas em qualquer
parte do mundo sem assumir responsabilidades pelos empregados."
A
Uber estima que seus motoristas na Suíça ganham aproximadamente 26,81 francos
por hora de trabalho (o que equivale a 27 dólares). Aproximadamente 30% dos
condutores utilizam o aplicativo pelo menos 40 horas por semana. Os motoristas
utilizam em média o aplicativo por 33 semanas ao ano, de acordo com dados
fornecidos pela empresa.
No
entanto, Künzler questiona os números, retrucando nunca ter encontrado um
motorista que ganhasse esse valor. Entrevistas realizadas pela Unia com
diversos condutores mostram que os custos – dos quais se incluem a compra do
veículo, manutenção e seguro – já estão computados no salário-hora. Para o
sindicalista, o condutor ganha, de fato, apenas entre 10 e 15 francos a hora.
"A
Uber economiza 60% dos seus custos ao não empregar os motoristas. As
autoridades permitiram que os trabalhadores fossem enganados durante anos e
enviaram um sinal a outras plataformas de que esse modelo é aceitável",
critica Künzler.
Mas
há opiniões diversas. Em algumas cidades os motoristas do Uber consideram que
ser empregado comprometeria sua flexibilidade e independência. A Uber cita um
estudo de 2018, segundo o qual 75% dos motoristas preferem ser independentes do
que estar vinculados à empresa por um contrato de trabalho.
Para
Thomas Geiser, professor de direito da Universidade de St. Gallen, a solução ao
problema não iria beneficiar completamente os funcionários, pois a empresa
teria de recolher encargos sociais. "Esse modelo de negócio poderia
funcionar se a empresa aceitasse as regras habituais, o que significa: a Uber
teria de manter uma parte maior da tarifa em si e só poderia pagar uma parte
menor aos motoristas".
O
pior cenário seria a Uber desistir de Genebra. Um porta-voz da empresa declarou
à swissinfo.ch: "Se formos classificados como empresa de transporte, não
será mais possível continuar a operar em Genebra". Se isso acontecer,
Künzler diz, "a empresa enfrentará demissões massivas de motoristas. Vamos
lutar para garantir que os trabalhadores sejam protegidos nesse caso".
Em
comunicado enviado por e-mail, uma porta-voz da Uber disse que a empresa
planeja recorrer da decisão. E que enquanto os tribunais não decidirem (em
poucos meses), seus veículos continuam a circular em Genebra.
Como opera
A
Uber difere das empresas de táxis tradicionais. Ela não dispõe de uma frota
própria de veículos e não contrata os condutores, mas apenas oferece a
plataforma online para unir motoristas e passageiros.
A
Uber oferece transporte nas tarifas "UberX" e "UberBlack",
mas foi obrigada a cessar o UberPop, um serviço que podia ser prestado por
motoristas não profissionais e sem licença. As autoridades consideravam que a
prestação não cumpria as leis locais.
A
empresa planejava expandir seus serviços a outras cidades, mas se limitou a
operar em Zurique, Genebra, Basileia e Lausanne.
Diversos
sindicatos suíços acusam a empresa de concorrência desleal por oferecer tarifas
abaixo das regulamentadas pelo setor e por não empregar motoristas
qualificados, além de não controlar o padrão de serviço e qualidade aplicados
às empresas de taxi na Suíça. Jessica Plüss – Suíça in “Swissinfo”
Sem comentários:
Enviar um comentário