I
Cronista em tempo integral,
colaborador de vários diários e revistas culturais de Minas Gerais, Rio de
Janeiro e Brasília, Danilo Gomes acaba de lançar um livro de crônicas cujo
título reúne os nomes de três ilustres personagens que, por coincidência, foram
também amigos até o fim da vida: Augusto
Frederico Schmidt, Juscelino Kubitschek e Odilon Behrens (Brasília, Gráfica
e Editora Ideal, 2017).
Dessa “tríade de ouro”, na
definição do cronista, o menos conhecido a nível nacional é Odilon Behrens
(1901-1959), médico, hoje nome de um hospital e de uma escola estadual em Belo
Horizonte, colega de sala de aula de Kubitschek e do memorialista Pedro Nava
(1903-1984) no curso de Medicina da antiga Universidade de Minas Gerais (UMG), que
seria federalizada em 1949. Formado em 1927, ao lado da carreira como médico,
foi secretário da Educação e, depois, de Finanças em Minas Gerais e ministro e
presidente do Tribunal de Contas do Estado, entre outros cargos.
Como do mineiro Behrens,
nascido na pequena Muriaé, não há muito a acrescentar, além dos cargos mais
importantes que desempenhou em sua trajetória como médico e homem público, o mineiro
Juscelino Kubitschek (1902-1976), nascido em Diamantina, e o carioca Augusto
Frederico Schmidt (1906-1965) ocupam quase a totalidade de um livro constituído
por uma centena de páginas.
Igualmente formado médico em
1927, com especialização em urologia em Paris em 1930, Kubitschek, segundo
Danilo Gomes, escrevia bem e deixou livros, mas, vivendo vida vertiginosa, não deve
ter tido muito tempo para apurar a escrita. Antes de chegar à presidência da
República (1956-1961), foi chefe de gabinete do interventor Benedito Valadares (1892-1973)
em 1933, na sequência do golpe de Estado de 1930, e, depois, eleito deputado
federal em 1934, teve o seu mandato cassado pelo golpe do Estado Novo aplicado
por Getúlio Vargas (1882-1954) em 1937.
Nomeado prefeito de Belo
Horizonte por Benedito Valadares em 1940, permaneceu no cargo até 1945. Eleito
governador de Minas Gerais em 1951, lançou-se candidato a presidente da
República em 1955, tendo sido eleito com 35,6% dos votos contra Juarez Távora
(1898-1975), que teve 30,2%. Senador por Goiás em 1962, teve seu mandato
cassado em 1964 pelo regime militar (1964-1985).
Morreu a 22 de agosto de 1975,
num acidente automobilístico na Via Dutra, em circunstâncias até hoje vistas
como suspeitas. Apontado como um visionário empreendedor, deu início à
modernização do País e passou para a História principalmente com a construção
de Brasília, a nova capital federal. Apostou na expansão da indústria
automobilística, a partir da atração ao capital estrangeiro, investindo na
construção da infraestrutura para o transporte rodoviário, permitindo, porém, o
início do sucateamento da malha ferroviária.
II
Literato, e de respeito,
porém, só o foi Schmidt, poeta da segunda geração do Modernismo brasileiro, a
quem Danilo Gomes dedica a maior parte de sua obra. Além de memorialista,
Schmidt foi editor e empresário bem como político, como os demais homenageados.
De Behrens, foi colega no Instituto O´Granbery, de Juiz de Fora-MG, dirigido
por metodistas norte-americanos. Voltou ao Rio de Janeiro em 1922 e, em 1940,
trabalhou num escritório em Nova York. Industrial e comerciante, Schmidt introduziu
no Brasil a cadeia de supermercados Disco, a uma época em que predominavam no
País os pequenos armazéns de secos e molhados.
Tornou-se conhecido como
homem público, assessorando Kubitschek. Representou o Brasil na Operação
Pan-Americana (Opa), embrião da famosa Aliança para o Progresso, chegando a
embaixador na Organização das Nações Unidas (ONU). Homem de confiança de
Kubitschek, era o redator dos seus discursos presidenciais.
Jornalista e prosador de mão
cheia, foi também colaborador dos jornais Correio
da Manhã e O Globo, no Rio de
Janeiro. Destacou-se, porém, como poeta, publicando livros antológicos como Estrela Solitária, Canto da Noite, Babilônia
e Saudades de Mim Mesmo, entre
outros. Publicou ainda As Florestas, O Galo Branco e Paisagens e Seres, livros de memórias.
Um dos poemas mais inspirados
da Língua Portuguesa é aquele que leva por título exatamente a palavra “Poema” em
que Schmidt, casado, mas sem filhos, resgata o dilema deixado por Machado de
Assis (1839-1908), que em Memórias
Póstumas de Brás Cubas (1881) faz seu personagem principal lamentar, ao
final do livro, o fato de não deixar “a nenhuma criatura o legado de nossa
miséria”. E que vale a pena ser repetido aqui para deixar explícita a grandeza
da poesia de Schmidt:
Meu coração paterno
está vazio./ Ninguém o virá habitar!/ A ninguém transmitirei esse amor/ Puro e
perfeito, que nada exige ou reclama./ A ninguém poderei dar o meu carinho
paterno./ E a minha experiência de criança voltará comigo/ Para a grande noite
próxima/ Os meus pobres traços não os herdará ninguém./ E desaparecerei contigo
– ó tu que não vieste jamais? E que sinto misterioso e vivo, ao afagar cabelos
que não cresceram/ E mãos que não chegaram a se modelar.
De acordo com Danilo Gomes,
Schmidt “deixou uma legião de admiradores e amigos, além de um pelotão de
invejosos patrulheiros ideológicos, pregoeiros da vanguarda do atraso”. Segundo
o cronista, esse foi o preço que Schmidt pagou “pelo seu grande talento
literário, sua aguda visão geopolítica e seu empreendedorismo empresarial”. Diz
ainda o cronista que Schmidt, ao longo da vida, “sempre foi um melancólico, um
nostálgico, um autor de cantos elegíacos, um siderado pela morte, que o ceifou
cedo”.
III
Como observou o escritor
Fabio de Sousa Coutinho, presidente da Associação Nacional de Escritores (ANE),
na apresentação que escreveu para este livro, Danilo Gomes assume-se como discípulo
do Schmidt cronista e memorialista, gêneros em que este “também foi um dos
expoentes na literatura de língua portuguesa”. Para Coutinho, Gomes alcança
neste livro “o elevado patamar de seu paradigma, tornando-se um dos cronistas
mais respeitados dos dias que correm”.
Enfim, o que se destaca, além
da vida fabulosa das três personagens, é o estilo do cronista Danilo Gomes, que,
como diz Coutinho, nada fica a dever a mestres dessa nobre arte, como o próprio
Schmidt, o recifense Nelson Rodrigues (1912-1980), o capixaba Rubem Braga
(1913-1990), as cearenses Rachel de Queiroz (1910-2003) e Ana Miranda (1951) e
os mineiros Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), Otto Lara Resende
(1922-1992), Fernando Sabino (1923-2004) e Paulo Mendes Campos (1922-1991),
para ficarmos aqui entre os mais representativos.
IV
Danilo Gomes (1942) nasceu em
Mariana-MG e estudou no Colégio Dom Bosco, de Cachoeira do Campo, distrito de
Ouro Preto-MG, no Arquidiocesano, de Ouro Preto, e no Dom Frei Manoel da Cruz,
de Mariana. Suas relações com Belo Horizonte são antigas. Em Belo Horizonte, formou-se em Direito pela
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em 1974. Começou a trabalhar no
Ministério da Agricultura-Serviço Florestal, em Belo Horizonte, em 1961, mesmo
ano em que começou a trabalhar no Diário
da Tarde.
Desde então, tem colaborado
em jornais como Estado de Minas, Hoje em Dia, Diário da Tarde e Suplemento
Literário Minas Gerais. Fora de Minas, tem escrito para o Jornal do Commercio e Jornal de Letras, do Rio de Janeiro, Correio Braziliense e Jornal de Brasília e em jornais de
diversos Estados, assim como em revistas, como a Revista da Academia Brasiliense de Letras e a Revista da Academia de Letras do Brasil. Atualmente, escreve no Jornal da ANE, de Brasília, e nas
revistas da Academia Mineira de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do
Distrito Federal (IHGDF).
Em 1975, transferiu-se para
Brasília, onde se formou em Comunicação Social-Jornalismo pelo Centro
Universitário de Brasília (Ceub), em 1985. Trabalhou no Ministério das Minas e
Energia. De 1985 a 2005, foi redator e assessor na Secretaria de Imprensa e
Divulgação da Presidência da República.
Pertence às seguintes
entidades: Associação Nacional de Escritores (de que foi presidente), Instituto
Histórico e Geográfico do Distrito Federal, Academia de Letras do Brasil,
Academia Mineira de Letras, onde ocupa a cadeira n° l, sucedendo a Cyro dos
Anjos (1906-1994), Academia Municipalista de Letras de Minas Gerais, Academia
Marianense de Letras, Casa do Escritor, de São Roque-SP, e Grêmio Literário
Tristão de Ataíde, de Ouro Preto. É sócio-correspondente da Academia
Norte-Riograndense de Letras.
É autor de Escritores Brasileiros ao Vivo (entrevistas,
dois volumes); Uma Rua Chamada Ouvidor;
Água do Catete; Antigos Cafés do Rio de Janeiro; Em Torno de Rubem Braga, e Mineiridade
que Sobrevive ao Tempo, celebrando os 80 anos do poeta Alphonsus de
Guimaraens Filho (1918-2008). Tem participado de várias coletâneas de crônicas
e poemas, como Crônicas Mineiras e Cronistas de Brasília. Adelto Gonçalves – Brasil
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Augusto
Frederico Schmidt/Juscelino Kubitschek/Odilon Behrens, de
Danilo Gomes, com apresentação de Fabio de Sousa Coutinho. Brasília: Gráfica e
Editora Ideal, 100 págs., 2017. E-mails: ideal@idealgrafica.com.br
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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo (USP), é autor de Os Vira-latas da
Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra
Selvagem, 2015), Gonzaga, um Poeta do
Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás
Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2012) e Direito e Justiça
em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2015), entre outros. E-mail:
marilizadelto@uol.com.br
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