A
Universidade de Coimbra (UC) é referência histórica para o Brasil desde a época
colonial. A instituição, uma das mais antigas da Europa (século XIII), acolhe
brasileiros desde o século XVI. Segundo dados fornecidos pela Instituição
coimbrã, 78% dos ministros brasileiros, entre 1822 e 1940, estudaram em Coimbra
Esta ligação histórica e o
fato de haver mais de 2000 estudantes brasileiros na UC tornam natural que o
reitor da mais velha universidade portuguesa, João Gabriel Silva, tenha
recebido do governo brasileiro, no dia 24 de outubro, o grau de comendador da Ordem
do Rio Branco, pelo seu papel na promoção das relações bilaterais. A Ordem do
Rio Branco é a mais alta condecoração brasileira que distingue pessoas
individuais e entidades coletivas, brasileiras ou estrangeiras, pelos seus
serviços ou méritos excepcionais. "Somos a maior universidade brasileira
fora do Brasil, com uma ligação muito antiga e intensa e uma história
construída em comum", enfatizou o reitor à agência portuguesa de notícias
Lusa.
Em declarações à Sputnik
Brasil, o reitor realçou o significado da comenda.
"Não é todos os dias que
uma pessoa é condecorada. Há uma relação especial entre o Brasil e a
Universidade de Coimbra, uma relação histórica. É praticamente impossível
estudar a história do Brasil sem encontrar muitas referências à Universidade de
Coimbra", disse.
Para João Gabriel Silva, essa
relação não se perdeu no passado. "A história dá um peso, mas
evidentemente que a nossa relação não vive só do passado e a Universidade de
Coimbra tem tido um papel de liderança na criação de laços entre a Europa e o
Brasil. Nós somos atualmente a maior universidade brasileira fora do Brasil",
sublinha.
Para o reitor, esta é uma
relação de enriquecimento mútuo. "Costumo realçar que a influência é nos
dois sentidos. A Universidade de Coimbra tem historicamente alguma influência
no país que é o Brasil. Mas também se verifica o contrário. É enorme a presença
de estudantes e investigadores brasileiros, muitos estudantes são de doutorado,
e são muitos os professores que nos visitam diariamente. É difícil haver algum
dia do ano em que não haja um ou dois colegas brasileiros a visitar-nos nas
mais diversas áreas. Aquilo que a Universidade de Coimbra é agora é também
resultado desse intercâmbio com o Brasil", considera o reitor.
O
problema da igualdade e das mensalidades
A Sputnik Brasil falou com
vários estudantes brasileiros em Coimbra, que, embora realcem a importância do
laço entre a Universidade de Coimbra e o Brasil, sentiram-se de alguma forma
colocados à margem do evento. É o caso da recentemente eleita presidente da Associação
de Pesquisadores e Estudantes Brasileiros em Coimbra (APEB-Coimbra), Luciana
Carmo, estudante de mestrado em Filosofia.
"Quando nós, associação
de pesquisadores brasileiros, soubemos da condecoração, achamos que também nos
dizia respeito, e entramos em contato com a embaixada e com o gabinete do
Reitor, para ver se conseguíamos estar presentes nessa cerimônia, mas, pelo
visto, ela era feita à porta fechada e estava limitada às pessoas que iam ser
condecoradas", queixa-se a futura presidente da direção da APEB-Coimbra,
atual presidente do Conselho Fiscal da mesma associação.
Para Luciana, o principal
problema é que "a condecoração se dá pelo papel fundamental da
Universidade de Coimbra nas relações históricas entre Portugal e o Brasil. O
próprio reitor se refere a isso em entrevista ao jornal Diário das Beiras, mas
infelizmente isso não se reflete no cumprimento do Estatuto de Igualdade entre
os dois países".
A mesma questão que é referida
pela atual vice-presidente da APEB- Coimbra, que transita para a nova direção.
Marcela Uchoa, também estudante de Filosofia, chega a dizer, à Sputnik Brasil,
que não se sente representada pela comenda.
"Historicamente, Coimbra
tem uma grande relevância para a história do Brasil. Muito dos nossos grandes
nomes da política, da literatura e do direito passaram por aqui. Sendo que
Coimbra representa uma elite que veio para cá. Contudo, nos últimos anos isso
mudou com os programas sociais."
"Como houve governos de
esquerda no Brasil, de Lula e Dilma, vieram muitas pessoas de classes sociais
mais baixas. A cidade adquiriu essa nova cara. Eu, por exemplo, estou no
doutorado, mas também estou com uma bolsa. Nunca poderia ter vindo para cá sem
essa bolsa. Nós demos uma nova cara à cidade, que era gente que não pertencia a
essa elite. Essa nova realidade permitiu que pessoas pelo seu mérito próprio
dos estudos e com outras histórias de vida viessem para cá. Por isso, essa
condecoração que foi dada não nos representa", afirma Marcela, que
considera que a condecoração foi dada por um governo golpista para uma
universidade que cobra "muito mais aos brasileiros que aos estudantes
portugueses".
Isso serviria, segundo ela,
para permitir apenas que a elite do costume tivesse direito a aceder à
prestigiada Universidade de Coimbra.
Uma
universidade virada para a captação de brasileiros e chineses
A estratégia de captação dos
estudantes é explicada pelo reitor, à Sputnik Brasil, com outros fundamentos,
embora não contraditórios com a angariação de gente com dinheiro.
"Desde que foi criado o
Estatuto do Estudante Internacional, em 2014, que é possível receber
diretamente estudantes estrangeiros. A Universidade de Coimbra escolheu como
enfoque e como parceiros estratégicos para esse efeito o Brasil e a China. Nós
temos vindo a assistir todos os anos a um crescimento de procura. Seguimos uma
estratégia de aproximação às famílias, não estamos dependentes de nenhum
programa governamental de financiamento de o que quer que seja. Claro, que
tentamos aproveitar essas possibilidades. Mas a grande maioria dos estudantes brasileiros
que cá estão, são autossustentados e apoiados pelas famílias", sublinha.
O fato de os brasileiros
pagarem muito mais dinheiro com mensalidades do que os portugueses é explicado
à Sputnik Brasil pela representante dos estudantes de doutorado, do Conselho
Pedagógico da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, a brasileira
Joana Ricarte.
"Isso não é uma
ilegalidade, mas uma escolha política do modelo de universidade. Privilegiando
a ideia de uma instituição na economia de mercado em detrimento de uma
universidade pública, defende que é importante perceber que o Estatuto de
Igualdade não é automático, ele tem de ser solicitado por um brasileiro
residente em Portugal, tem de ter qualquer vínculo com o país para ter
autorização legal de residência. Após ter essa autorização legal, e o cartão de
residência ser aprovado pelo SEF, essa pessoa tem de solicitar ao consulado do
Brasil o direito de exercer os seus direitos em Portugal, como teria no Brasil.
Só depois de um ano, que é o tempo que os serviços demoram em média a responder
a essa solicitação, obtém um Estatuto de Igualdade de Direitos, isso quer dizer
que um brasileiro tem de vir necessariamente com uma mensalidade diferenciada.
Eu, particularmente, não tenho mensalidade diferenciada, nunca tive, porque
estou cá há sete anos, tenho direitos adquiridos e sou bolsista da FCT. No
entanto, apesar de eu nunca ter pagado mensalidade diferenciada, eu considero
que isso, enquanto política universitária, não é de todo o que eu pretenderia.
Legalmente, a universidade pode fazer, contudo, eu não considero que seja o
modelo desejável", disse.
Uma
universidade que olha, sobretudo, para o mercado
Para Ricarte, "essa
escolha tem a ver com a própria ideia política da universidade que se quer. Não
é um debate que esteja desligado do regime fundacional, que a reitoria pretende
avançar, que é ter uma universidade na lógica do regime de mercado e que tende
a buscar mais financiamento e menos qualidade de investigadores. Acho que a
Universidade de Coimbra, que é pública, tinha de ter uma política muito mais
voltada para buscar investigadores em Portugal e fora com qualidade
científica".
Sobre essa questão, fontes da
Universidade de Coimbra realçam que os estudantes ao abrigo do Estatuto do
Estudante Internacional pagam na totalidade o custo do ensino, coisa que não
acontece com os estudantes portugueses. Para estes, existe uma compensação na
verba que a instituição recebe do Orçamento do Estado, acrescentando que todos
os estudantes que ingressam na UC nestas condições conhecem-nas e aceitam-nas.
Uma justificação que o atual
presidente da APEB-Coimbra, Calil Makhoul, que cessa mandato no fim do mês,
considera que peca por curta. Para ele, que já tem o Estatuto de Igualdade, as
coisas deviam acontecer como no Brasil.
"Quando o português obtém
o estatuto no Brasil deixa de pagar mensalidades diferenciadas, ao contrário do
que ainda acontece na Universidade de Coimbra", afirma.
Segundo Calil, há, de acordo
com os dados da DRI brasileira, cerca de 4.000 estudantes brasileiros estudando
em Coimbra, muito mais do que nos números oficiais portugueses e, apesar de
deixar de ser presidente da associação, garante que vai continuar a bater-se
para corrigir esta situação em Coimbra e no Porto, onde também participa em
órgãos associativos.
Apesar das divergências sobre
o modelo universitário em construção e sobre certa elitização dos estudantes
estrangeiros, os vários alunos contatados pela Sputnik Brasil realçaram a
capacidade de acolhimento dos brasileiros por parte da UC.
"A Universidade de
Coimbra foi a primeira a aceitar os exames brasileiros para entrada na
Universidade e isso é um fator positivo. Ficou como um polo de formação
intelectual e de pesquisadores brasileiros, o que deve ser realçado",
disse Luciana. "A universidade tem muito espaço para os estudantes
estrangeiros em geral e a comunidade brasileira é potencialmente bem
recebida", reconhece, por sua vez, Joana. Ramos de Almeida – Brasil in
“Sputnik Brasil”
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