Direcção
Regional da Cultura do Alentejo pediu ao Ministério Público e à Direcção Geral
do Património Cultural a suspensão dos trabalhos em Beja, mas a movimentação de
terras prossegue.
Sucedem-se quase diariamente
os alertas que dão conta da destruição de património arqueológico que está a
ser sacrificado ao plantio de diversas monoculturas de olival, amendoal, vinha,
eucaliptos e até pinheiros no Alentejo. Agora foi uma empresa espanhola que
arrasou vários sítios arqueológicos perto de Beja para ali colocar amendoeiras.
Já foram feitas queixas à justiça.
Os arqueológos contestam este
tipo de práticas e queixam-se junto da tutela, mas o silêncio e a inacção tem
sido a resposta que sistematicamente recebem. “Por este andar, ficarão apenas
os testemunhos que se encontram nas vitrinas dos museus ou nas salas de
exposição. O resto vai desaparecendo da face da Terra”, protesta o arqueólogo
Miguel Serra, que ao longo dos últimos anos tem o seu centro de pesquisa nos
campos da região de Beja.
As destruições de património
associadas às novas culturas “não são de agora” mas as que estão a ser
instaladas ao longo da última década “são muito mais agressivas”. E se fosse
possível contabilizar o que já foi arrasado todos ficariam perplexos, assinala
o investigador.
O caso mais recente que se
conhece, entre vários que têm tido lugar, foi denunciado pela Direcção Regional
da Cultura do Alentejo (DRCA) junto do Ministério Público (MP) em Beja e da
Direcção-Geral do Património Cultural (DGPC). A empresa de capitais espanhóis De
Prado Portugal S. A. arrasou, entre Abril e Agosto, quase duas dezenas de
sítios arqueológicos, que estavam devidamente assinalados no Plano Director
Municipal de Beja. Uma área com cerca de 3 mil hectares onde será plantado
amendoal, situada a seis quilómetros da capital do Baixo Alentejo, mesmo junto
ao IP8.
A maior parte dos sítios
estava identificada como sendo dos períodos do calcolítico, Idade do Ferro,
período romano, medieval e moderno, com destaque para as referências
arqueológicas da presença romana. As informações facultadas ao Público referem
que os trabalhos de ripagem do terreno foram executados com maquinaria pesada e
envolveu a extracção de pedra (despedrega) que existia em grande quantidade no
espaço intervencionado.
As operações de movimentação
de terra destruíram, entre outros vestígios, uma ponte, um aqueduto e uma villa da época romana. Nos esclarecimentos
que prestou ao Público, Ana Paula Amendoeira, directora Regional da Cultura do
Alentejo, disse que os serviços intervieram logo que tomaram conhecimento da
operação de ripagem numa parte de território de grande sensibilidade
arqueológica. Os promotores do projecto agrícola foram notificados pela DGPC
para pararem os trabalhos mas o pedido não foi respeitado.
Ao mesmo tempo, foi dado
conhecimento à autarquia e ao Ministério Público de Beja para que fossem
“suspensos de imediato os trabalhos em curso”, para que pudessem ser aplicadas
“medidas cautelares de avaliação dos impactos no património arqueológico
existente no local e o estabelecimento de consequentes medidas de minimização
dos mesmos”.
O Público procurou obter
informações junto do Ministério Público mas este apenas avançou que dera
entrada no dia 31 de Agosto uma “queixa-crime” contra a empresa visada pela
DRCA e que “continuavam a decorrer as investigações” sobre este caso.
No terreno intervencionado
observam-se abundantes fragmentos cerâmicos e pedras trabalhadas,
presumivelmente do período romano. E as intervenções no terreno prosseguem. O
espaço, tal como noutros que foram lavrados e abertas valas para a colocação da
tubagem do sistema de rega, são o El Dorado para indivíduos munidos de
detectores de metais para a apanha de moedas antigas ou outro tipo de vestígios
metálicos. Há muita gente a sonhar com novos tesouros, à semelhança do que foi
descoberto em Baleizão em 2004.
Foi isso que se passou na villa romana de Represas, próximo de
Beja, depois desta ter sido destruída para plantar olival, conta Miguel Serra.
Centenas de moedas, sobretudo do período romano, foram recolhidas no local por
indivíduos que depois negoceiam os achados.
Também o arqueólogo Monge
Soares não esconde a sua indignação pelo que se está a passar, sobretudo na
área de influência do Alqueva. E dá exemplos dos estragos que já presenciou por
causa da plantação de olival e amendoal intensivo e superintensivo: há dois
anos, na freguesia de Baleizão, tinha encontrado dois pequenos fragmentos de
uma lápide e vestígios de ocupação desde o calcolítico até à idade moderna.
“Caterpílares envolvidos na limpeza e tratamento do terreno para a plantação de
amendoal destruíram tudo. Queixei-me à tutela que superintende o património,
mas nada foi feito”.
Ainda em Baleizão, para a
construção de um lagar de azeite, “destruíram um sítio do período calcolítico e
uma villa romana. E continuam
alegremente a destruir tudo sem qualquer critério ou preocupação de salvaguarda
patrimonial”, protesta o investigador, agastado com a apatia do Ministério da
Cultura.
Lembra os vultuosos encargos
(cerca de 20 milhões de euros) que a Empresa de Desenvolvimento e
Infraestruturas do Alqueva (EDIA) assumiu para financiar os trabalhos de
levantamento arqueológico que foram realizados no âmbito do projecto do Alqueva
para a instalação da rede primária. No entanto, as “explorações agrícolas que
instalam olival, amendoal, vinha etc, abrem barrancos de drenagem das águas que
atingem profundidades equivalentes às que foram abertas para a instalação da
rede primária de rega mas não necessitam de acompanhamento arqueológico”,
observa Monge Soares, frisando que há uns anos, quando exercia funções de
responsabilidades no Ministério da Cultura, “sempre que havia revolvimento de
terras era necessário acompanhamento arqueológico”. Hoje, qualquer agricultor
que pretenda plantar as novas monoculturas de olival, amendoal, vinha, montado,
eucaliptos e pinheiros está dispensado desta exigência.
“O problema está do lado da
tutela que não previne a salvaguarda do património arqueológico”, acusa o
arqueólogo Rui Mataloto, admitindo que é “quase impossível plantar vinha sem
destruir os achados”. Na sua opinião, “o olival é, das novas culturas, a que
provoca menos impacto” porque a técnica de plantio “não implica intervenções
profundas no solo” a não ser na abertura de valas para a colocação das redes de
rega. “Mas sei de villas romanas
profundamente afectadas pela ripagem [operação de limpar e sulcar o solo], do
terreno”, acentua.
A experiência diz-lhe que é
possível “conciliar o desenvolvimento económico com a defesa do património”
pelo que considera “inacreditável” que “nunca se tenha acordado um protocolo
que articule as acções do Ministério da Agricultura e as diversas instituições
do património” de modo a acautelar as intervenções nos territórios de maior
sensibilidade patrimonial.
Outra das lacunas referidas
por Rui Mataloto reside na informação que não chega aos proprietários das
terras, que muitas intervêm com pleno “desconhecimento” dos sítios
arqueológicos que se encontram nas suas explorações. Nos últimos 15 anos as
instituições que têm por função a salvaguarda do património “navegam à vista” e
os problemas subsistem. Carlos Dias –
Portugal in "Público"
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