Instrumento
do início do século XVI tinha sido descoberto em 2014 e agora foi analisado por
técnicas de imagem por um investigador britânico, que afirma tratar-se mesmo de
um astrolábio. E que é o mais antigo que se conhece. Arqueólogos portugueses
têm as suas dúvidas
Logo pela manhã desta
terça-feira a Universidade de Warwick, no Reino Unido, fez um anúncio que
despertou curiosidade: um disco de bronze que tinha sido descoberto em 2014 na
costa de Omã (na Península Arábica) é, afinal, o astrolábio náutico mais antigo
do mundo. Através de tecnologias de obtenção de imagens em 3D, um investigador
daquela universidade detectou traços nas margens do objecto, cada um separado
por cinco graus, pelo que considerou estarmos na presença de um astrolábio
náutico. Além disso, referiu que pertenceu a um navio da frota de Vasco da
Gama. Mas arqueólogos portugueses colocam algumas dúvidas quanto à
credibilidade científica do projecto que descobriu o artefacto. Será então este
o astrolábio náutico português mais antigo?
Decorria o ano de 2014 quando
uma campanha de uma equipa liderada por David L. Mearns – da empresa privada
Blue Water Recoveries (que aqui trabalhou em parceria com o Ministério do
Património e da Cultura de Omã e com financiamento do sultanato, da National
Geographic Society e da Fundação Waitt) – encontrou um disco de bronze com uma
esfera armilar associada a D. Manuel I, rei de Portugal entre 1495 e 1521. Tem
175 milímetros de diâmetro e pesa 344 gramas, segundo a informação da equipa
que o descobriu.
Quando se descobriu,
suspeitou-se de que se tratava de um astrolábio – um instrumento usado pelos
marinheiros durante as viagens para medir a altura do Sol e calcular assim a
latitude do sítio onde se encontravam –, mas não existiam provas disso.
Também se desconfiou que o
objecto datava de 1495 a 1500. E que poderia ter pertencido a um navio
português que tinha naufragado na costa de Omã por causa de uma tempestade no
oceano Índico em 1503: a nau Esmeralda, que faria parte da frota de Vasco da
Gama. Esta é a versão de David Mearns, agora também descrita num comunicado da
Universidade de Warwick. “É um grande privilégio encontrar algo tão raro, com
uma tal importância histórica, e que irá ser estudado pela comunidade
arqueológica e preencher um espaço vazio”, comenta o britânico no comunicado.
Agora, a Universidade de
Warwick analisou este artefacto para obter imagens em 3D. As análises revelaram
os tais traços nas margens do objecto separados entre si por cinco graus. De
acordo com Mark Williams, isto prova que é um astrolábio. “Foi fantástico
aplicar a nossa tecnologia de imagens 3D num projecto tão entusiasmante e
ajudar a identificar algo tão raro e fascinante.”
Também Filipe Vieira de
Castro, arqueólogo da Universidade do Texas (Estados Unidos), considera que
este objecto pode ser um astrolábio, devido à escala (os tais traços) agora
revelada. O arqueólogo não esteve envolvido neste trabalho, mas, como tem um
inventário de astrolábios náuticos, foi contactado por David Mearns. Por isso,
agora este objecto também vai integrar a sua base de dados de astrolábios
náuticos.
Um
caçador de tesouros
Também o arqueólogo Alexandre
Monteiro, do Instituto de Arqueologia e Paleociências da Universidade Nova de
Lisboa, que trabalha há vários anos com o sultanato de Omã e é o autor da Carta
Arqueológica Subaquática Potencial de Omã, é prudente: “Poderá ser um
astrolábio, ou não.” Para este arqueólogo, falta uma “comprovação arqueológica”
para se afirmar que é de facto um astrolábio náutico.
Alexandre Monteiro sublinha
que David Mearns (que tem formação em geologia marinha) é um “caçador de
tesouros” e que não tem “credibilidade científica para estar à frente deste
projecto”, como já dizia ao Público em Abril de 2016.
Outra das informações avançada
pela equipa de David Mearns é que o astrolábio pertencia a um navio naufragado
em 1503. Aliás, segundo um artigo de Março de 2016 na revista International
Journal of Nautical Archaeology, em que Mearns é um dos autores, terão
naufragado duas embarcações portuguesas: as naus Esmeralda e São Pedro,
comandadas pelos tios maternos de Vasco da Gama, Vicente e Brás Sodré. O
astrolábio terá pertencido à primeira embarcação, de acordo com a equipa. Tendo
o ano de 1503 como a referência, este o astrolábio náutico tornar-se-á assim o
mais antigo até agora conhecido. Até então, o mais antigo que se conhecia era
de 1533 e foi encontrado num navio português naufragado na costa atlântica de
Oranjemund, na Namíbia.
“Se for mesmo um astrolábio,
acho que é o mais antigo”, diz Filipe Vieira de Castro. “É quase de certeza de
um dos navios dos irmãos Sodré, que se perderam nas ilhas Curia Muria [na costa
de Omã] em 1503”. Mas salienta: “Acho que ninguém sabe a que navio pertence
este astrolábio.” E acrescenta que as publicações que viu sobre o resgate dos
artefactos são pouco informativas e que não lhe parece possível identificar o
navio a partir dessa informação. “Julgo, contudo, que é quase certo que este
navio era da armada de Vicente Sodré, que acompanhou a segunda viagem de Vasco
da Gama, que saiu de Lisboa em 1502.”
Sobre a idade do astrolábio,
Alexandre Monteiro diz que não faz ideia: “Não temos um paralelo, porque os
[astrolábios] mais antigos são modelos que não são como este.” E refere até que
se está a falar de um sítio onde ocorreram muitos naufrágios e do qual não há
um contexto arqueológico. “Ainda não existem provas arqueológicas para que este
seja o sítio do naufrágio [do Esmeralda], frisa.
Entre as muitas dúvidas que
ainda subsistem, este artefacto veio (mais uma vez) lançar uma discussão
científica. Teresa Serafim – Portugal in "Público"
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