A
1 de novembro de 1755, há portanto 265 anos, a cidade de Lisboa quase
desaparecia por causa do grande sismo e do tsunami que se seguiu, que segundo
relatos da época, pode ter atingido 20 metros de altura. Os mais de 10.000
incêndios que se seguiram, mudaram por completo a fisionomia de uma cidade…
O
terramoto de Lisboa teve um enorme impacto político e socio-económico na
sociedade portuguesa do século XVIII, dando origem aos primeiros estudos
científicos do efeito de um sismo numa área alargada, marcando assim o
nascimento da sismologia moderna. O acontecimento foi largamente discutido
pelos filósofos iluministas, como Voltaire, inspirando desenvolvimentos
significativos no domínio da teodiceia e da filosofia do sublime.
O terramoto
O
terramoto fez-se sentir na manhã de 1 de Novembro pelas 9:30, dia que coincide
com o feriado do Dia de Todos-os-Santos. A data contribuiu para um alto número
de fatalidades, visto que ruas e igrejas estavam cheias de fiéis que acorriam
aos serviços religiosos.
O
epicentro não é conhecido com precisão, havendo diversos sismólogos que propõem
locais distanciados de centenas de quilómetros. No entanto, todos convergem
para um epicentro no mar, entre 150 a 500 quilómetros a sudoeste de Lisboa.
Relatos
da época afirmam que os abalos foram sentidos, consoante o local, durando entre
seis minutos a duas horas e meia, causando fissuras enormes de que ainda hoje
há vestígios em Lisboa. O padre Manuel Portal é a mais rica e completa fonte
sobre os efeitos do terramoto, tendo descrito, detalhadamente e na primeira
pessoa, o decurso do terramoto e a vida lisboeta nos meses que se seguiram.
Poucas dezenas de minutos depois, um tsunami, que atualmente se supõe ter
atingido pelo menos seis metros de altura, havendo relatos de ondas com mais de
10 metros, fez submergir o porto e o centro da cidade, tendo as águas penetrado
cerca de 250 m.
O tsunami
Lisboa
não foi a única cidade portuguesa afetada pela catástrofe. Todo o sul de
Portugal, sobretudo o Algarve, foi atingido e a destruição foi generalizada.
Além da destruição causada pelo sismo, o tsunami que se seguiu destruiu no
Algarve fortalezas costeiras e habitações, registando-se ondas com até 20
metros de altura. As ondas de choque do sismo foram sentidas por toda a Europa
e norte da África. As cidades marroquinas de Fez e Meknès sofreram danos e
perdas de vida considerávei. Os maremotos originados pela movimentação
tectónica varreram locais desde do norte de África (como Safim e Agadir) até ao
norte da Europa, nomeadamente até à Finlândia e através do Atlântico, afetando
os Açores e a Madeira e locais tão longínquos como Antígua, Martinica e
Barbados. Diversos locais em torno do golfo de Cádis foram inundados: o nível
das águas subiu repentinamente em Gibraltar e as ondas chegaram até Sevilha
através do rio Guadalquivir.
De
uma população de 300 mil habitantes em Lisboa, crê-se que 90 mil morreram, 900
das quais vitimadas diretamente pelo tsunami. Cerca de 85% das construções de
Lisboa foram destruídas, incluindo palácios famosos e bibliotecas, conventos e
igrejas, hospitais e todas as respetivas estruturas. Várias construções que
sofreram poucos danos pelo terramoto foram destruídas pelo fogo que se seguiu
ao abalo sísmico, causado por lareiras de cozinha, velas e mais tarde por
saqueadores em pilhagens dos destroços.
Na
obra História Universal dos Terramotos, de Joaquim José Moreira de Mendonça
(1758), que apresenta o primeiro balanço sistemático dos efeitos, refere-se que
as águas alagaram o bairro de S. Paulo e que esse “espanto das águas” difundiu
o perigo de que vinha o mar cobrindo tudo:
Havia
muita gente buscado as margens do Tejo, por se livrarem dos edifícios, cheios
de horror da vista das suas ruínas. Eis que de repente entra o mar pela barra
com uma furiosa inundação de águas, que não fizeram igual estrago em Lisboa que
em outras partes, pela distância que há de mais de duas léguas desta Cidade à
foz do rio. Contudo, passando os seus antigos limites se lançou por cima de
muitos edifícios e alagou o bairro de S. Paulo. Cresceu em todos os que haviam
procurado as praias o espanto das águas, e o novo perigo se difundiu por toda a
Cidade, e seus subúrbios, com uma voz vaga, que dizia que vinha o mar cobrindo
tudo.
A
recém-construída Casa da Ópera, inaugurada apenas seis meses antes, foi
totalmente consumida pelo fogo. O Palácio Real, que se situava na margem do
Tejo, onde hoje existe o Terreiro do Paço, foi destruído pelos abalos sísmicos
e pelo tsunami. Dentro, na biblioteca, perderam-se 70 mil volumes e centenas de
obras de arte, incluindo pinturas de Ticiano, Rubens e Correggio. O precioso
Arquivo Real com documentos relativos à exploração oceânica e outros documentos
antigos também foram perdidos. O terramoto causou ainda danos, ou chegou a
destruir completamente, as maiores igrejas de Lisboa, especialmente a Sé de
Lisboa, e as Basílicas de São Paulo, Santa Catarina, São Vicente de Fora e a da
Misericórdia. As ruínas do Convento do Carmo ainda hoje podem ser visitadas no
centro da cidade. O túmulo de Nuno Álvares Pereira, nesse convento, perdeu-se
também. O Hospital Real de Todos os Santos foi consumido pelos fogos e centenas
de pacientes morreram queimados. Registos históricos das viagens de Vasco da
Gama e Cristóvão Colombo foram perdidos, e incontáveis construções foram
arrasadas (incluindo muitos exemplares da arquitectura do período Manuelino em
Portugal).
O terramoto na política
Na
política, o terramoto foi também devastador. O ministro do Rei D.José I, o
Marquês de Pombal era favorito do rei, mas não do agrado da alta nobreza, que
competia pelo poder e favores do monarca. Depois do 1º de Novembro, a eficácia
da resposta do Marquês do Pombal (cujo título lhe é atribuído em 1770)
garante-lhe um maior poder e influência perante o rei, que também aproveita
para reforçar o seu poder e consolidar o Absolutismo.
Isto
leva a um descontentamento da aristocracia que iria culminar na tentativa de
regicídio e na subsequente eliminação dos Távoras. Para além do agravamento das
tensões políticas em Portugal, a destruição da cidade de Lisboa frustrou muitas
das ambições coloniais do Império Português de então
O terramoto e a filosofia iluminista
O
ano de 1755 insere-se numa era fulcral de uma grande transformação social: a
Revolução Industrial, o Iluminismo, o Capitalismo lançam as bases de uma
sociedade moderna em alguns países da Europa Ocidental. O terramoto influenciou
de forma determinante muitos pensadores europeus do Iluminismo. Foram muitos os
filósofos que fizeram menção ou aludiram ao terramoto nos seus escritos, dos
quais se destaca Voltaire, no seu Candide e no Poème sur le désastre de
Lisbonne (“Poema sobre o desastre de Lisboa”). A arbitrariedade da
sobrevivência foi, provavelmente, o que mais marcou o autor, que satirizou a
ideia, defendida por autores como Gottfried Wilhelm Leibniz e Alexander Pope,
de que “este é o melhor dos mundos possíveis”; como escreveu Theodor Adorno, o
terramoto de Lisboa foi suficiente para Voltaire refutar a teodiceia de
Leibniz” (Negative Dialectics, 361). In “Mundo Português” - Portugal
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