Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

domingo, 1 de novembro de 2020

Portugal - Há 265 anos, a terra tremeu e 85% dos edifícios de Lisboa ficam completamente destruídos

 


A 1 de novembro de 1755, há portanto 265 anos, a cidade de Lisboa quase desaparecia por causa do grande sismo e do tsunami que se seguiu, que segundo relatos da época, pode ter atingido 20 metros de altura. Os mais de 10.000 incêndios que se seguiram, mudaram por completo a fisionomia de uma cidade…

O terramoto de Lisboa teve um enorme impacto político e socio-económico na sociedade portuguesa do século XVIII, dando origem aos primeiros estudos científicos do efeito de um sismo numa área alargada, marcando assim o nascimento da sismologia moderna. O acontecimento foi largamente discutido pelos filósofos iluministas, como Voltaire, inspirando desenvolvimentos significativos no domínio da teodiceia e da filosofia do sublime.

O terramoto

O terramoto fez-se sentir na manhã de 1 de Novembro pelas 9:30, dia que coincide com o feriado do Dia de Todos-os-Santos. A data contribuiu para um alto número de fatalidades, visto que ruas e igrejas estavam cheias de fiéis que acorriam aos serviços religiosos.

O epicentro não é conhecido com precisão, havendo diversos sismólogos que propõem locais distanciados de centenas de quilómetros. No entanto, todos convergem para um epicentro no mar, entre 150 a 500 quilómetros a sudoeste de Lisboa.

Relatos da época afirmam que os abalos foram sentidos, consoante o local, durando entre seis minutos a duas horas e meia, causando fissuras enormes de que ainda hoje há vestígios em Lisboa. O padre Manuel Portal é a mais rica e completa fonte sobre os efeitos do terramoto, tendo descrito, detalhadamente e na primeira pessoa, o decurso do terramoto e a vida lisboeta nos meses que se seguiram. Poucas dezenas de minutos depois, um tsunami, que atualmente se supõe ter atingido pelo menos seis metros de altura, havendo relatos de ondas com mais de 10 metros, fez submergir o porto e o centro da cidade, tendo as águas penetrado cerca de 250 m.

O tsunami

Lisboa não foi a única cidade portuguesa afetada pela catástrofe. Todo o sul de Portugal, sobretudo o Algarve, foi atingido e a destruição foi generalizada. Além da destruição causada pelo sismo, o tsunami que se seguiu destruiu no Algarve fortalezas costeiras e habitações, registando-se ondas com até 20 metros de altura. As ondas de choque do sismo foram sentidas por toda a Europa e norte da África. As cidades marroquinas de Fez e Meknès sofreram danos e perdas de vida considerávei. Os maremotos originados pela movimentação tectónica varreram locais desde do norte de África (como Safim e Agadir) até ao norte da Europa, nomeadamente até à Finlândia e através do Atlântico, afetando os Açores e a Madeira e locais tão longínquos como Antígua, Martinica e Barbados. Diversos locais em torno do golfo de Cádis foram inundados: o nível das águas subiu repentinamente em Gibraltar e as ondas chegaram até Sevilha através do rio Guadalquivir.

De uma população de 300 mil habitantes em Lisboa, crê-se que 90 mil morreram, 900 das quais vitimadas diretamente pelo tsunami. Cerca de 85% das construções de Lisboa foram destruídas, incluindo palácios famosos e bibliotecas, conventos e igrejas, hospitais e todas as respetivas estruturas. Várias construções que sofreram poucos danos pelo terramoto foram destruídas pelo fogo que se seguiu ao abalo sísmico, causado por lareiras de cozinha, velas e mais tarde por saqueadores em pilhagens dos destroços.

Na obra História Universal dos Terramotos, de Joaquim José Moreira de Mendonça (1758), que apresenta o primeiro balanço sistemático dos efeitos, refere-se que as águas alagaram o bairro de S. Paulo e que esse “espanto das águas” difundiu o perigo de que vinha o mar cobrindo tudo:

Havia muita gente buscado as margens do Tejo, por se livrarem dos edifícios, cheios de horror da vista das suas ruínas. Eis que de repente entra o mar pela barra com uma furiosa inundação de águas, que não fizeram igual estrago em Lisboa que em outras partes, pela distância que há de mais de duas léguas desta Cidade à foz do rio. Contudo, passando os seus antigos limites se lançou por cima de muitos edifícios e alagou o bairro de S. Paulo. Cresceu em todos os que haviam procurado as praias o espanto das águas, e o novo perigo se difundiu por toda a Cidade, e seus subúrbios, com uma voz vaga, que dizia que vinha o mar cobrindo tudo.

A recém-construída Casa da Ópera, inaugurada apenas seis meses antes, foi totalmente consumida pelo fogo. O Palácio Real, que se situava na margem do Tejo, onde hoje existe o Terreiro do Paço, foi destruído pelos abalos sísmicos e pelo tsunami. Dentro, na biblioteca, perderam-se 70 mil volumes e centenas de obras de arte, incluindo pinturas de Ticiano, Rubens e Correggio. O precioso Arquivo Real com documentos relativos à exploração oceânica e outros documentos antigos também foram perdidos. O terramoto causou ainda danos, ou chegou a destruir completamente, as maiores igrejas de Lisboa, especialmente a Sé de Lisboa, e as Basílicas de São Paulo, Santa Catarina, São Vicente de Fora e a da Misericórdia. As ruínas do Convento do Carmo ainda hoje podem ser visitadas no centro da cidade. O túmulo de Nuno Álvares Pereira, nesse convento, perdeu-se também. O Hospital Real de Todos os Santos foi consumido pelos fogos e centenas de pacientes morreram queimados. Registos históricos das viagens de Vasco da Gama e Cristóvão Colombo foram perdidos, e incontáveis construções foram arrasadas (incluindo muitos exemplares da arquitectura do período Manuelino em Portugal).

O terramoto na política

Na política, o terramoto foi também devastador. O ministro do Rei D.José I, o Marquês de Pombal era favorito do rei, mas não do agrado da alta nobreza, que competia pelo poder e favores do monarca. Depois do 1º de Novembro, a eficácia da resposta do Marquês do Pombal (cujo título lhe é atribuído em 1770) garante-lhe um maior poder e influência perante o rei, que também aproveita para reforçar o seu poder e consolidar o Absolutismo.

Isto leva a um descontentamento da aristocracia que iria culminar na tentativa de regicídio e na subsequente eliminação dos Távoras. Para além do agravamento das tensões políticas em Portugal, a destruição da cidade de Lisboa frustrou muitas das ambições coloniais do Império Português de então

O terramoto e a filosofia iluminista

O ano de 1755 insere-se numa era fulcral de uma grande transformação social: a Revolução Industrial, o Iluminismo, o Capitalismo lançam as bases de uma sociedade moderna em alguns países da Europa Ocidental. O terramoto influenciou de forma determinante muitos pensadores europeus do Iluminismo. Foram muitos os filósofos que fizeram menção ou aludiram ao terramoto nos seus escritos, dos quais se destaca Voltaire, no seu Candide e no Poème sur le désastre de Lisbonne (“Poema sobre o desastre de Lisboa”). A arbitrariedade da sobrevivência foi, provavelmente, o que mais marcou o autor, que satirizou a ideia, defendida por autores como Gottfried Wilhelm Leibniz e Alexander Pope, de que “este é o melhor dos mundos possíveis”; como escreveu Theodor Adorno, o terramoto de Lisboa foi suficiente para Voltaire refutar a teodiceia de Leibniz” (Negative Dialectics, 361). In “Mundo Português” - Portugal

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