SÃO PAULO – Se o Mercosul nunca teve poder de fogo para negociar
um acordo de livre-comércio com a União Europeia (UE), pois não dispõe de
tratado de grande amplitude com outro bloco, a partir de agora é que não terá cacife
para dar continuidade a negociações que já duram mais de duas décadas.
Provavelmente em concordância com integrantes da nova administração federal, o
governo Temer, em fim de mandato, decidiu reduzir de 16% para 0% as alíquotas
de importação para 41 bens de informática e telecomunicações, além de promover
o mesmo corte para 535 bens de capital.
Com isso, é de se imaginar que o Mercosul não só está com os
dias contados como a indústria brasileira também, pois, afinal, pressionada
pelas despesas do chamado custo Brasil – infraestrutura logística deficiente,
carga tributária excessiva, juros altos e burocracia aduaneira –, com a redução
unilateral das tarifas para os produtos importados, não terá preço competitivo
para os seus manufaturados no mercado externo e tampouco no interno.
A decisão da Secretaria Executiva da Câmara de Comércio Exterior
(Camex), publicada no Diário Oficial da
União (DOU), de 11 de dezembro de 2018, coloca por terra também todo o
esforço, tempo e recursos gastos pelo governo nas negociações com a UE, pois, a
partir de agora, o Brasil, principal parceiro do Mercosul, se já reduziu por
sua própria conta as tarifas para tantos produtos, pouco terá a oferecer aos
europeus em troca de possíveis concessões.
Na verdade, a impressão que se tinha até aqui é que o Mercosul
já havia cedido à UE mais do que devia e estava apenas à espera de um gesto de
boa vontade por parte dos negociadores europeus. Como se sabe, os maiores
obstáculos estariam no setor agrícola, onde os europeus, especialmente os
franceses, não querem ceder em seu espaço um milímetro sequer para produtos
sul-americanos, como carne, etanol, açúcar e arroz, impondo cotas mais baixas
que as oferecidas anteriormente.
Diante disso, ao Mercosul, se sobreviver às intenções do novo
governo brasileiro, só restará buscar acordos com outros parceiros, como a
Coreia do Sul, o Canadá e o México, que já vinham sendo discutidos. E, quem
sabe, um acordo mais amplo com os Estados Unidos, que poderia funcionar como um
meio de pressão sobre os europeus com vistas a uma retomada das negociações com
o Mercosul, pois, afinal, com a livre entrada de produtos norte-americanos nos
mercados sul-americanos, a UE teria de oferecer mais vantagens para preservar a
sua fatia.
O problema é que, hoje, com a saída do Reino Unido do bloco, o
chamado Brexit, e a impopularidade do presidente Emmanuel Macron e o ativismo
dos “coletes amarelos” na França, a UE não tem condições políticas para ceder
em suas negociações com o Mercosul. Pelo contrário. Essas circunstâncias
aliadas à recente decisão do governo Temer de reduzir de forma unilateral
tarifas de produtos, sem objetivar nenhuma compensação por parte de outros
parceiros, colocaram o Mercosul na rota de uma crise que poderá ser fatal para
a sua sobrevivência. Milton Lourenço -
Brasil
Milton Lourenço é presidente da Fiorde Logística Internacional e
diretor do Sindicato dos Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e
Logística do Estado de São Paulo (Sindicomis) e da Associação Nacional dos
Comissários de Despachos, Agentes de Cargas e Logística (ACTC). E-mail:
fiorde@fiorde.com.br. Site: www.fiorde.com.br
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