Obra recente do historiador
inglês Kenneth Maxwell recupera a história da reconstrução por que passaram
Londres, Lisboa e Paris
I
Nesse
documento, intitulado “Disaster & Reconstruction: The
Challenge of Modernism”, Maxwell analisa os efeitos
causados por um grande incêndio em Londres, ocorrido em 1668, e os planos do notável
arquiteto Christopher Wren (1632-1723) para redesenhar a cidade; a reconstrução
de Lisboa depois do grande terremoto de 1755, sob a direção do marquês de
Pombal (1699-1782); e a destruição da velha Paris e a sua reconstrução sob
Napoleão III (1808-1873) e o barão Georges-Eugène Haussmann (1809-1891),
prefeito do antigo departamento do Sena entre 1853 e 1870.
O texto de
abertura discute a transformação pela qual Londres passou durante os séculos
XVII e XVIII, inicialmente sob a direção de Inigo Jones (1577-1652),
considerado o primeiro arquiteto inglês, o primeiro também a estudar
Arquitetura na Itália, responsável por obras irretocáveis como a Queen´s
House (1616), em Greenwich, e a
Casa dos Banquetes de Whitehall (1622). Ele também desenhou a piazza
(praça) do Convent Garden, bem como uma igreja, da qual hoje
pouco resta, além de ter projetado um magnifíco palácio para o rei Charles I
(1600-1649) que nunca seria construído.
Como
observa o autor, a guerra civil de 1642 acabou com a carreira de Jones, mas a
sua influência inspirada na arquitetura clássica de Roma e na Itália Renascentista
permaneceu entre os arquitetos que projetaram a reconstrução de Londres depois
da grande epidemia bubônica (peste negra) de 1665-1666, que matou cerca de cem
mil pessoas, ou seja, um quarto da população de Londres, e o grande incêndio de
1666, que destruiu boa parte da cidade, desde a Torre de Londres até a Fleet
Street. Foi quando o arquiteto Christophen Wren criou ambiciosos planos de
reconstrução da cidade, submetendo-os ao rei Charles II (1630-1685), naquele
mesmo ano.
O monarca,
então, acompanhado por seu irmão, James Stuart (1633-1701), o duque de York,
passou a acompanhar pessoalmente a demolição de ruas inteiras de casas e a criação
de uma série de aceiros (faixas de terra) para retardar a propagação do fogo. E
aceitou as sugestões de Wren que previam a substituição de ruas medievais por
largas avenidas e praças, incluindo uma nova catedral para substituir a Catedral
de São Paulo destruída pelo gande incêndio, bem como a construção de edifícios
em tijolo e pedra. Mas, depois de muitas contendas com os proprietários das
casas destruídas, o único elemento do projeto de Wren implementado foi a
canalização do rio Fleet. Fosse com fosse, como assinala o historiador, 130 anos
depois, as ideias de Wren seriam utilizadas nas margens do rio Potomac para a
construção de Washington DC, a nova capital dos Estados Unidos.
Para se ter
uma ideia do desastre, o autor lembra que, antes do incêndio, Londres era uma
massa amontoada de edifícios com estrutura de madeira. E recorda que, à época,
em cinco dias, 200 mil pessoas ficaram sem teto e mais de 13 mil casas e
prédios foram destruídos.
II
A remodelação
de Londres acabou por exercer muita influência na reconstrução de Lisboa,
atingida pelo terremoto de 1º de novembro de 1755, pois Sebastião José de
Carvalho e Melo, futuro conde de Oeiras e
marquês de Pombal, secretário de Estado durante o reinado de d. José I
(1750-1777), havia sido embaixador de Portugal na Inglaterra entre 1739 e 1743
e pôde contemplar diariamente as obras construídas no século anterior, já que haveria
de morar em duas residências em Golden Square, no centro oeste da
capital, local preferido dos membros da aristocracia e dos diplomatas.
O
terremoto, seguido por um tsunami, foi o mais forte que já atingiu a Europa,
destruindo cerca de 45 conventos e mosteiros, muitas casas e o Palácio Real, à
beira do rio Tejo, além de afundar o cais ribeirinho, tornando tudo um monte de
lixo. Mais de 15 mil pessoas morreram, mas a reação de Pombal foi rápida e
eficaz, ao determinar o enterro dos mortos e até a remoção de corpos para
alto-mar a fim de evitar a propagação de doenças, além de baixar medidas rigorosas
para evitar o aumento dos preços de alimentos essenciais. Sem contar as
providências que tomou para evitar saques e pilhagens, sendo os infratores
sumariamente enforcados.
Como lembra
Maxwell, com a ajuda dos arquitetos
Manuel da Maia (1677-1768), Eugênio dos Santos (1711-1760) e Carlos
Mardel (c.1695-1763), Pombal teve aprovado pelo rei d. José I (1714-1777) um
plano que previa a reinvenção total do núcleo central de Lisboa, “com a
anulação dos anteriores padrões de ruas e direitos de propriedade”. O plano
substituiu a antiga praça real, o chamado Terreiro do Paço, pela atual Praça do
Comércio, que receberia em 1775 uma
estátua de bronze em homenagem a d. José I que ainda pode ser contemplada nos
dias de hoje. A praça seria um local de ministérios e secretarias de governo,
de comércio, da alfândega e da bolsa de valores, reproduzindo os planos de
Christophen Wren para uma cidade mercantil em Londres e de Inigo Jones para o Convent
Garden.
III
Por fim,
Maxwell mostra a nova Paris que resultou da visão futurista de Napoleão III, um
governante autoritário que manteve seu reinado por 18 anos, até ter conduzido a
França a uma guerra catastrófica com a Prússia de Bismarck (1815-1898). O
monarca apoiou com braço de ferro o barão Haussmann, prefeito do Sena, em sua
persistência em destruir a velha Paris para introduzir sistemas modernos de
água e esgoto, bem como avenidas largas
e ladeadas por edifícios uniformes, que acabariam por levar o seu nome, pois
ficariam conhecidos como “edifícios Haussmann”.
As obras
projetadas por ele durariam menos de 20 anos e resultariam numa cidade
totalmente planejada, com bulevares retos e largos, que atravessavam os
cortiços medievais, valendo-se de uma legislação de confisco de propriedades
privadas, o que significa que milhares de prédios e casas foram condenados e
arrasados. Esse processo, que incluía o confisco de propriedades com base no
direito de expropriação (eminent domain ou domínio eminente),
seria confirmado depois durante a legislatura da qual era presidente Charles
Auguste Louis Joseph, o conde de Morny (1811-1865), o meio-irmão de Napoelão
III.
Com base
nessa legislação draconiana, as obras acabariam por dar fim aos cortiços que
eram uma fonte de doenças, como a cólera, responsável pela morte de mais de 30
mil pessoas entre as décadas de 1830 e 1860. Em função dessas obras de
remodelação, em 1870, a cidade ganharia condutores subterrâneos de gás, com a
instalação de 33 mil saídas para a iluminação pública, edifícios públicos e
casas particulares. A partir daí, a Paris moderna, nova e espaçosa, já
conhecida como Cidade-Luz, ofuscaria a até então invejada Londres. Haussmann
também mandaria empreender grandes obras de engenharia para conduzir água por
meio de novos aquedutos e poços artesianos. Foram também modernizadas muitas
escolas, inclusive a famosa Sorbonne, a faculdade de Medicina. Sem contar os
grandes bailes de máscaras, recepções diplomáticas e a primeira Exposição
Universal, em 1855, que Haussmann mandaria organizar.
Haussmann,
por determinação de Napoleão III, também procurou criar em Paris os grandes parques de
Londres, como o Hyde Park e St. James Park, que tanto o monarca havia admirado
durante o seu exílio na capital inglesa. E que foi a origem da construção do
Bois de Boulogne e de outros grandes parques parisienses.
Na
conclusão de sua pesquisa, Maxwell observa que, enquanto, hoje, as ruas de
Londres permanecem tal como eram antes do grande incêndio, quando foi negada a
Christopher Wren a oportunidade de replanejar a cidade, Lisboa e Paris
continuam tal como o marquês de Pombal (e Maia, Santos e Mardel) e Napoleão III
(e Haussmann) imaginaram, ambas reconstruídas para refletir a modernidade.
Eis aqui um
estudo que, a partir de agora, torna-se indispensável para quem quiser conhecer
ou mesmo escrever sobre a história dessas três grandes e luminosas cidades.
IV
Kenneth
Maxwell foi diretor e fundador do Programa de Estudos Brasileiros do Centro
David Rockefeller de Estudos Latino-Americanos (DRCLAS), da Universidade de
Harvard (2006-2008), e professor do Departamento de História de Harvard
(2004-2008). De 1989 a 2004, foi diretor do Programa para a América Latina no
Conselho de Relações Exteriores e, em 1995, tornou-se o primeiro titular da cátedra
Nelson e David Rockefeller em Estudos Interamericanos. Atuou como
vice-presidente e diretor de Estudos do Conselho em 1996. Lecionou
anteriormente nas universidades de Yale, Princeton, Columbia e Kansas.
Fundou e
foi diretor do Centro Camões para o Mundo de Língua Portuguesa em Columbia e
foi diretor de Programa da Tinker Foundation, Inc. De 1993 a
2004, foi revisor de livros do Hemisfério Ocidental para Relações Exteriores. É
colaborador regular da New York Review of Books e foi colunista semanal
entre 2007 e 2015 do jornal Folha de S. Paulo e é colunista mensal de O
Globo desde 2015.
Foi ainda Herodotus
fellow no Instituto de Estudos Avançados de Princeton e Guggenheim
fellow e membro do Conselho de Administração da The Tinker Foundation,
Inc. e do Conselho Consultivo da Fundação Luso-Americana. Também é membro dos
Conselhos Consultivos da Brazil Foundation e da Human Rights
Watch/Americas. Fez bacharelado e mestrado no St. John's
College, na Universidade de Cambridge, e mestrado e doutorado na
Universidade de Princeton. É colaborador regular do site Second Line of Defense
(www.sldinfo.com).
Publicou
também A Devassa da Devassa – a Inconfidência
Mineira: Brasil-Portugal 1750-1808 (Editora
Paz e Terra, 1978), Marquês de Pombal – Paradoxo do Iluminismo (Editora
Paz e Terra, 1996), A Construção da Democracia em Portugal (Editorial
Presença, 1999), Naked Tropics: essays on empire and other rogues (Psychology
Press, 2003), Chocolate, piratas e outros malandros (Editora
Paz e Terra, 1999), Mais
malandros – ensaios tropicais e outros (Editora Paz e Terra, 2005) e
Kenneth Maxwell on Global Trends – an
historian of the 18th century looks at
the contemporary world (Robbin Laird, editor, Second
Line of Defense, 2023), entre outros.
Em maio de
2004, renunciou ao cargo de diretor de Estudos Latino-Americanos do Conselho de
Relações Exteriores de Nova York por ter criticado Henry Kissinger (1923-2023),
ex-secretário de Estado dos Estados Unidos (1973-1977), em resenha de livro
sobre o golpe de Estado encabeçado por Augusto Pinochet (1915-2006), no Chile, em
1973, e de não ter tido uma resposta publicada na revista Foreign Affairs.
Adelto Gonçalves - Brasil
The Tale of Three Cities – The Rebuilding of London, Paris, and Lisbon, de Kenneth Maxwell. Londres, Robbin Laird, editor, edição em inglês, francês e português, Second Line of Defense, 206 páginas, R$ 131,53 (Amazon), 2025.
___________________________________
Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela
Universidade de São Paulo (USP), é autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira,
1999), Barcelona Brasileira (Lisboa,
Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Fernando Pessoa: a
Voz de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997); Bocage – o Perfil
Perdido (Lisboa, Caminho,
2003, São Paulo, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – Imesp, 2021), Tomás Antônio Gonzaga (Imesp/Academia
Brasileira de Letras, 2012), Direito e Justiça em Terras d´El-Rei na São
Paulo Colonial (Imesp, 2015), Os
Vira-latas da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora,
1981; Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), O Reino, a Colônia e o Poder: o
governo Lorena na capitania de São Paulo – 1788-1797 (Imesp, 2019), entre
outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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