A
mestiçagem brasileira não é novidade. A novidade é o resultado de uma pesquisa
científica indo bem além: o Brasil é o campeão do mundo em questão de
mestiçagem, nenhum outro país reúne uma tal diversidade genética. Alguns países
quiseram ou querem se afirmar como raça pura, quando a teoria da eugenia só tem
servido para justificar práticas discriminatórias como a segregação racial e o
genocídio.
O
Brasil de hoje, embora muitas de suas misturas tenham sido violentas e ainda
continue a penalizar socialmente os afro e índios-descendentes, reúne uma diversidade genômica, inexistente
em nenhum outro país, composta de 8.721.871
variantes.
A
cientista brasileira Kelly Nunes, responsável pelos trabalhos de 24
pesquisadores durante seis anos, destaca ser a primeira pesquisa feita de maneira
detalhada sobre a identidade de um povo. E na publicação dos resultados na
revista Science, ela acentua "a
história dos brasileiros encontra-se no seu DNA", ao comentar os
resultados obtidos com o sequenciamento do material genético de 2723 pessoas
bem diferenciadas, vivendo nas diversas regiões brasileiras.
Para
se entender a mestiçagem ocorrida no Brasil, é preciso lembrar a chegada de
milhões de europeus desde o início da colonização, reforçada com a imigração europeia
desde o fim do século XIX até o fim da Segunda Guerra. Quase ao mesmo tempo,
até ser realmente cumprida a lei proibindo o tráfico de escravos, chegaram ao
Brasil mais de 5 milhões de africanos. Já havia no Brasil cerca de 10 milhões
de nativos, cuja quase totalidade foi sendo dizimada pelos colonizadores.
Em
outras palavras, de uma maneira geral, como diz a historiadora Maria Helena
Machado, da USP, "a avó do brasileiro é indígena, a mãe africana e o pai,
majoritariamente, europeu". Para ela, a mulher escravizada, indígena ou
africana, era um objeto para o escravizador, vítima constante de assédios e
estupros, além de trabalhadoras eram também reprodutoras.
A
historiadora usa mesmo de uma frase para isso: "no corpo da mulher
escravizada se deu a colonização". Como o Brasil foi dos últimos países a
acabar com a escravidão, por pressão do agronegócio da época, o uso do corpo
das mulheres negras e mestiças era normal na época.
A
geneticista Tábita Hunemeier, da USP, lembra
que essa situação de abuso e violência das mulheres fazia parte, no século passado,
da expressão de pessoas mais velhas, quando diziam "minha avó foi pega no
laço". Com base na constatação da violência sexual por descendentes de
europeus, a pesquisadora derruba "a mística da democracia racial que
compõe a identidade nacional brasileira, já que a miscigenação, de modo geral,
não foi consentida".
Essa
pesquisa mostra também uma utilidade prática em termos de saúde pública, já que
foram identificadas mais de 36 mil mutações genéticas, capazes de influir no
metabolismo e se manifestar em certas patologias. Entender essas mutações na
população brasileira pode ajudar no lançamento das estratégias de saúde pública
e na criação, pela indústria farmacêutica, de novos tratamentos adaptados ao
Brasil. Rui Martins – Suíça
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Rui Martins é
jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a
ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes,
Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira
nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu
“Dinheiro Sujo da Corrupção”, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro
livro sobre Roberto Carlos, “A Rebelião Romântica da Jovem Guarda”, em 1966.
Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil
e RFI
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