O curador da Festa Literária
de Paraty, Paulo Werneck, quer apresentar novos autores ao público brasileiro.
A pequena cidade costeira recebe dezenas de escritores até domingo.
À hora em que a edição de
hoje dos jornais de Macau chega à banca, a pequena cidade de Paraty estará
vivendo ainda a noite do dia de ontem, quarta-feira, 30 de Julho de 2014, e apreciando a actuação de
Gal Costa, que encerra o primeiro dia da 12ª Festa Literária Internacional de
Paraty (FLIP).
A FLIP, maior evento
literário do Brasil, está de volta para cinco dias em que mais de 40 escritores
estarão em contacto com milhares de pessoas que todos os anos acorrem à pequena
cidade entalada entre a mata atlântica e o oceano. “O festival cumpriu a
vocação da cidade, que é ser um centro cultural a céu aberto”, diz o curador da
edição deste ano, o jornalista e editor Paulo Werneck. “Frequento Paraty desde
antes da FLIP existir. Sempre foi muito bonito e gostoso, mas às vezes parecia
quase estéril. Cada cidade histórica brasileira, não apenas Paraty, tem agora
essa vocação, com vários festivais. Havia um problema crónico no Brasil, que
era a dependência do eixo Rio-São Paulo. Isto é uma forma de pulverizar a
oferta cultural.”
Em Paraty, que conserva um
centro histórico imaculado mas tem também problemas sociais de vária ordem
(pobreza, crime) em bairros mais recentes, toda a gente fala da FLIP. Os
empregados de mesa – muitos deles argentinos – sabem que está para chegar; as
pessoas na rua querem ver Gal Costa; os barqueiros que vivem dos passeios nas
suas escunas gostam mas dizem que “tem muita liturgia” e que nesses dias o povo
não vai para o mar em passeio, ficando por terra “para ver os famosos”.
Os “famosos”, este ano,
podem não ter tanto peso quanto em outras edições – a FLIP já teve convidados
como J.M. Coetzee, Amos Oz, Toni Morrison e Chico Buarque – mas há muito por
onde escolher.
“O que são nomes de peso?
Por um lado havia todos aqueles prémios Nobel, quando a FLIP foi criada, que
topavam viajar. Esses foram convidados e vieram. Outros estão sendo convidados
e conforme a sorte do curador aceitam ou não”, prossegue Werneck. “Mas eu acho
que a Flip cria nomes de peso. Teve gente que veio para cá e ninguém sabia quem
era. O Valter Hugo Mãe é o exemplo que sempre uso. De repente ele virou um cara que arrasta multidões”.
“Acho que esta nossa
programação tem nomes de peso”, aponta, referindo-se a escritores como o
israelita Etgar Keret, a indo-britânica Jhumpa Lahiri, o mexicano Juan Villoro
ou o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Estes e outros, aposta o curador,
“vão ter um papel forte na cultura daqui em diante”. “Especulando de maneira
totalmente safada, poderia dizer que acho que tem um futuro prémio Nobel entre
estes escritores”, ri-se. “Às vezes essa coisa de nomes de peso fica restrita
aos prémios. Acho bobagem, porque os prémios já foram injustos com muitos
escritores. Mas, para quem gosta de prémios, este ano temos um Óscar, o
Pulitzer, o Booker… Temos quase todos os prémios importantes.”

A Millôr homenagem
Millôr Fernandes é, desde a
criação do festival, o primeiro autor que já passou pela FLIP (este na primeira
edição) a ser homenageado. Falecido em 2012, o criador dos míticos “Pif-Paf” e
“O Pasquim” começa agora a ser redescoberto, através de várias edições e
reedições, e também através deste tributo. “A gente tinha uma série de autores
possíveis [de serem homenageados este ano] e foi submetendo essa lista a um
grupo de interlocutores bem informal, que são pessoas que fizeram parte da
FLIP, a própria Liz Calder [mentora do festival], pessoas que participaram de
diferentes maneiras, nos bastidores ou no palco”, explica Paulo Werneck. “A
cada vez que a gente falava no Millôr, os olhos brilhavam. Você sabia que tinha
uma novidade, tinha uma força o facto de ele ter sido contemporâneo das pessoas
que estavam ali, de ele ter participado da FLIP. E mudava um pouco o tipo de
homenagem que a gente estava fazendo, que eram sempre autores já consagrados
postumamente. Nos pareceu interessante poder participar do processo de
consagração póstuma. Não é uma homenagem que já esteja pronta, de certa forma.
A gente meio que participou do zero nesse processo.”
A homenagem começou no
sábado passado, com a inauguração de uma exposição dedicada ao artista na Casa
da Cultura, um dos vários espaços que, além da tenda principal da FLIP,
receberão eventos paralelos.
“Millôr foi um artista
polivalente. Genial é o adjectivo que as pessoas costumam usar para ele – em
diversas áreas, desde o cartoon até à tradução de Shakespeare. Foi dramaturgo,
foi jornalista, um super artista plástico e gráfico. Era um homem que
transitava em todos os campos da cultura, à vontade”, refere o curador.
Paulo Werneck vê a homenagem
a Millor como algo “muito importante, com uma vibração forte”. Da programação
destaca ainda o que chama de “núcleo amazónico da programação”. “São quatro
autores ligados aos índios brasileiros, que têm uma cultura riquíssima e muito
pouco conhecida pelos brasileiros. Temos o David Kopenawa. Temos o Eduardo
Viveros de Castro, um dos grandes pensadores contemporâneos. O conjunto me
agrada bastante.”
Chegar ao conjunto sólido
que deve ser a programação de um evento deste género é um processo complexo,
que Werneck não centraliza e que, entre muitas outras pessoas, partilha com o
director da FLIP, o arquitecto Mauro Munhoz.

A festa literária, que parte
da grande tenda onde acontecem os principais eventos para se ramificar por toda
a cidade, conta ainda com outras áreas de programação, como a FlipMais (que
terá por exemplo Adriana Calcanhotto); a Flipinha (para crianças) e a Flipzona
(para jovens). Além disso, há ainda iniciativas paralelas, como o festival Off
Flip, que traz largas dezenas de convidados a Paraty durante os mesmos dias.
Resultado: a cidade “fica fervendo de actividade”, diz Werneck, que também
convidou um autor português, Almeida Faria, para a edição deste ano. “Se cair
uma bomba em Paraty, a cultura literária brasileira acaba, porque o que vai ter
de escritor brasileiro aqui nos próximos dias não é brincadeira.”
Convidados
em destaque
Etgar Keret
Segundo Amos Oz, os contos
de Etgar Keret “são ferinos, engraçados, cheios de energia e perspicácia, e ao
mesmo tempo frequentemente profundos, trágicos e muito comoventes”. Para Salman
Rushdie, Keret é “a voz da nova geração”. Com livros traduzidos para mais de 30
línguas, o autor também trabalha como argumentista televisivo e cineasta, tendo
dirigido junto com a mulher o filme “Jellyfish”, vencedor do Caméra d’Or no
Festival de Cannes em 2007.
Jhumpa Lahiri
Filha de imigrantes
indianos, Jhumpa Lahiri foi criada em Rhode Island, nos Estados Unidos, e
recentemente fixou-se em Itália com a família. Desde a sua festejada estreia em
livro, com a colectânea “Intérprete de males” (2001), que lhe valeu o prémio
Pulitzer, a condição de estrangeira é uma questão central nos seus romances e
contos. A capacidade de narrar a vida de imigrantes que não se identificam nem
com a cultura de origem nem com a cultura de adopção concilia uma perspectiva
ampla, que cobre mais de uma geração, a uma atenção a detalhes miúdos do
quotidiano.
Eleanor Catton
Aos 28 anos, em 2013, a
escritora neozelandesa nascida no Canadá tornou-se a pessoa mais jovem a ganhar
o Man Booker Prize, com o seu segundo romance, “Os Luminares”. O livro foi
também a obra mais extensa a ganhar o prémio nos seus 45 anos de história. No
mesmo ano, foi nomeada membro da Ordem de Mérito da Nova Zelândia.
Vladímir Sorókin
Primeiro autor russo a
visitar a FLIP, Vladímir Sorókin viu-se obrigado a publicar os seus primeiros
livros, nos anos 1980, em França e na Alemanha, ainda sob a censura soviética.
Múltipla e iconoclasta, a sua obra ergue-se como um retrato da Rússia sob os
anos da Perestroika, política de distensão levada a cabo por Mikhail Gorbachev,
que conduziu ao fim do regime comunista e à queda da superpotência mundial.
Recentemente, Sorókin firmou-se como um dos principais intelectuais na
resistência ao regime de Vladimir Putin.
Paulo Mendes da Rocha
Pertencente à geração de
arquitectos conhecida como Escola Paulista, defensora de uma arquitectura
sintética e socialmente responsável, Paulo Mendes da Rocha (Vitória, 1928)
destacou-se ainda jovem. Aos 29 anos, venceu o concurso para o ginásio do Clube
Atlético Paulistano, o que lhe rendeu o Grande Prémio Presidência da República
na VI Bienal Internacional de São Paulo, em 1961. Entre as suas obras estão o
Museu Brasileiro da Escultura e a reforma da Pinacoteca do Estado, ambas em São
Paulo. Nas últimas décadas, assumiu uma posição de destaque, tendo sido
galardoado em 2006 com o prémio Pritzker, honraria máxima da arquitectura
mundial – antes dele, o único brasileiro a ganhá-lo foi Oscar Niemeyer em 1988. Hélder Beja – Macau in “Ponto
Final”
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