Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Brasil – Feira Literária Internacional de Paraty

O curador da Festa Literária de Paraty, Paulo Werneck, quer apresentar novos autores ao público brasileiro. A pequena cidade costeira recebe dezenas de escritores até domingo.

À hora em que a edição de hoje dos jornais de Macau chega à banca, a pequena cidade de Paraty estará vivendo ainda a noite do dia de ontem, quarta-feira, 30 de Julho de 2014, e apreciando a actuação de Gal Costa, que encerra o primeiro dia da 12ª Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP).

A FLIP, maior evento literário do Brasil, está de volta para cinco dias em que mais de 40 escritores estarão em contacto com milhares de pessoas que todos os anos acorrem à pequena cidade entalada entre a mata atlântica e o oceano. “O festival cumpriu a vocação da cidade, que é ser um centro cultural a céu aberto”, diz o curador da edição deste ano, o jornalista e editor Paulo Werneck. “Frequento Paraty desde antes da FLIP existir. Sempre foi muito bonito e gostoso, mas às vezes parecia quase estéril. Cada cidade histórica brasileira, não apenas Paraty, tem agora essa vocação, com vários festivais. Havia um problema crónico no Brasil, que era a dependência do eixo Rio-São Paulo. Isto é uma forma de pulverizar a oferta cultural.”

Em Paraty, que conserva um centro histórico imaculado mas tem também problemas sociais de vária ordem (pobreza, crime) em bairros mais recentes, toda a gente fala da FLIP. Os empregados de mesa – muitos deles argentinos – sabem que está para chegar; as pessoas na rua querem ver Gal Costa; os barqueiros que vivem dos passeios nas suas escunas gostam mas dizem que “tem muita liturgia” e que nesses dias o povo não vai para o mar em passeio, ficando por terra “para ver os famosos”.

Os “famosos”, este ano, podem não ter tanto peso quanto em outras edições – a FLIP já teve convidados como J.M. Coetzee, Amos Oz, Toni Morrison e Chico Buarque – mas há muito por onde escolher.

“O que são nomes de peso? Por um lado havia todos aqueles prémios Nobel, quando a FLIP foi criada, que topavam viajar. Esses foram convidados e vieram. Outros estão sendo convidados e conforme a sorte do curador aceitam ou não”, prossegue Werneck. “Mas eu acho que a Flip cria nomes de peso. Teve gente que veio para cá e ninguém sabia quem era. O Valter Hugo Mãe é o exemplo que sempre uso. De repente ele virou um cara que arrasta multidões”.

“Acho que esta nossa programação tem nomes de peso”, aponta, referindo-se a escritores como o israelita Etgar Keret, a indo-britânica Jhumpa Lahiri, o mexicano Juan Villoro ou o antropólogo Eduardo Viveiros de Castro. Estes e outros, aposta o curador, “vão ter um papel forte na cultura daqui em diante”. “Especulando de maneira totalmente safada, poderia dizer que acho que tem um futuro prémio Nobel entre estes escritores”, ri-se. “Às vezes essa coisa de nomes de peso fica restrita aos prémios. Acho bobagem, porque os prémios já foram injustos com muitos escritores. Mas, para quem gosta de prémios, este ano temos um Óscar, o Pulitzer, o Booker… Temos quase todos os prémios importantes.”

Para o curador, a FLIP deve conservar esse papel de apresentar escritores aos brasileiros. “A gente vive num certo isolamento. Na América do Sul a gente está separada linguisticamente e mesmo geograficamente. Então, alguns autores que a gente está trazendo, como o Villoro, Etgar Keret ou o russo [Vladimir] Sorokin, já são grandes autores na Europa, nos EUA, têm publicação em diversos países, com estudos universitários. Aqui é a primeira vez que está saindo um livro deles. O Brasil tem muito a descobrir e a FLIP ajuda”, acredita.

A Millôr homenagem

Millôr Fernandes é, desde a criação do festival, o primeiro autor que já passou pela FLIP (este na primeira edição) a ser homenageado. Falecido em 2012, o criador dos míticos “Pif-Paf” e “O Pasquim” começa agora a ser redescoberto, através de várias edições e reedições, e também através deste tributo. “A gente tinha uma série de autores possíveis [de serem homenageados este ano] e foi submetendo essa lista a um grupo de interlocutores bem informal, que são pessoas que fizeram parte da FLIP, a própria Liz Calder [mentora do festival], pessoas que participaram de diferentes maneiras, nos bastidores ou no palco”, explica Paulo Werneck. “A cada vez que a gente falava no Millôr, os olhos brilhavam. Você sabia que tinha uma novidade, tinha uma força o facto de ele ter sido contemporâneo das pessoas que estavam ali, de ele ter participado da FLIP. E mudava um pouco o tipo de homenagem que a gente estava fazendo, que eram sempre autores já consagrados postumamente. Nos pareceu interessante poder participar do processo de consagração póstuma. Não é uma homenagem que já esteja pronta, de certa forma. A gente meio que participou do zero nesse processo.”

A homenagem começou no sábado passado, com a inauguração de uma exposição dedicada ao artista na Casa da Cultura, um dos vários espaços que, além da tenda principal da FLIP, receberão eventos paralelos.

“Millôr foi um artista polivalente. Genial é o adjectivo que as pessoas costumam usar para ele – em diversas áreas, desde o cartoon até à tradução de Shakespeare. Foi dramaturgo, foi jornalista, um super artista plástico e gráfico. Era um homem que transitava em todos os campos da cultura, à vontade”, refere o curador.

Paulo Werneck vê a homenagem a Millor como algo “muito importante, com uma vibração forte”. Da programação destaca ainda o que chama de “núcleo amazónico da programação”. “São quatro autores ligados aos índios brasileiros, que têm uma cultura riquíssima e muito pouco conhecida pelos brasileiros. Temos o David Kopenawa. Temos o Eduardo Viveros de Castro, um dos grandes pensadores contemporâneos. O conjunto me agrada bastante.”

Chegar ao conjunto sólido que deve ser a programação de um evento deste género é um processo complexo, que Werneck não centraliza e que, entre muitas outras pessoas, partilha com o director da FLIP, o arquitecto Mauro Munhoz.

“Participei de quase todas as FLIP, como editor, como jornalista, como filho de um dos autores convidados, como público apenas. Para mim foi muito natural esse convite [para fazer a curadoria]. É uma coisa um pouco intuitiva. Você parte naturalmente do seu repertório de leitura e do seu gosto pessoal mas é preciso ir muito além dele para conseguir fazer uma FLIP interessante”, nota. “Procurei ouvir muitas pessoas, leitores, amigos. Você vai descobrindo escritores novos. A maioria desses escritores convidados, eu não tinha ouvido falar. Então eu descobri e isso foi interessante”, admite.

A festa literária, que parte da grande tenda onde acontecem os principais eventos para se ramificar por toda a cidade, conta ainda com outras áreas de programação, como a FlipMais (que terá por exemplo Adriana Calcanhotto); a Flipinha (para crianças) e a Flipzona (para jovens). Além disso, há ainda iniciativas paralelas, como o festival Off Flip, que traz largas dezenas de convidados a Paraty durante os mesmos dias. Resultado: a cidade “fica fervendo de actividade”, diz Werneck, que também convidou um autor português, Almeida Faria, para a edição deste ano. “Se cair uma bomba em Paraty, a cultura literária brasileira acaba, porque o que vai ter de escritor brasileiro aqui nos próximos dias não é brincadeira.”



Convidados em destaque

Etgar Keret

Segundo Amos Oz, os contos de Etgar Keret “são ferinos, engraçados, cheios de energia e perspicácia, e ao mesmo tempo frequentemente profundos, trágicos e muito comoventes”. Para Salman Rushdie, Keret é “a voz da nova geração”. Com livros traduzidos para mais de 30 línguas, o autor também trabalha como argumentista televisivo e cineasta, tendo dirigido junto com a mulher o filme “Jellyfish”, vencedor do Caméra d’Or no Festival de Cannes em 2007.

Jhumpa Lahiri

Filha de imigrantes indianos, Jhumpa Lahiri foi criada em Rhode Island, nos Estados Unidos, e recentemente fixou-se em Itália com a família. Desde a sua festejada estreia em livro, com a colectânea “Intérprete de males” (2001), que lhe valeu o prémio Pulitzer, a condição de estrangeira é uma questão central nos seus romances e contos. A capacidade de narrar a vida de imigrantes que não se identificam nem com a cultura de origem nem com a cultura de adopção concilia uma perspectiva ampla, que cobre mais de uma geração, a uma atenção a detalhes miúdos do quotidiano.

Eleanor Catton

Aos 28 anos, em 2013, a escritora neozelandesa nascida no Canadá tornou-se a pessoa mais jovem a ganhar o Man Booker Prize, com o seu segundo romance, “Os Luminares”. O livro foi também a obra mais extensa a ganhar o prémio nos seus 45 anos de história. No mesmo ano, foi nomeada membro da Ordem de Mérito da Nova Zelândia.

Vladímir Sorókin

Primeiro autor russo a visitar a FLIP, Vladímir Sorókin viu-se obrigado a publicar os seus primeiros livros, nos anos 1980, em França e na Alemanha, ainda sob a censura soviética. Múltipla e iconoclasta, a sua obra ergue-se como um retrato da Rússia sob os anos da Perestroika, política de distensão levada a cabo por Mikhail Gorbachev, que conduziu ao fim do regime comunista e à queda da superpotência mundial. Recentemente, Sorókin firmou-se como um dos principais intelectuais na resistência ao regime de Vladimir Putin.

Paulo Mendes da Rocha

Pertencente à geração de arquitectos conhecida como Escola Paulista, defensora de uma arquitectura sintética e socialmente responsável, Paulo Mendes da Rocha (Vitória, 1928) destacou-se ainda jovem. Aos 29 anos, venceu o concurso para o ginásio do Clube Atlético Paulistano, o que lhe rendeu o Grande Prémio Presidência da República na VI Bienal Internacional de São Paulo, em 1961. Entre as suas obras estão o Museu Brasileiro da Escultura e a reforma da Pinacoteca do Estado, ambas em São Paulo. Nas últimas décadas, assumiu uma posição de destaque, tendo sido galardoado em 2006 com o prémio Pritzker, honraria máxima da arquitectura mundial – antes dele, o único brasileiro a ganhá-lo foi Oscar Niemeyer em 1988. Hélder Beja – Macau in “Ponto Final”

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