Um
dos problemas mais graves com que nos debatemos no país, além evidentemente de
questões prementes que vão, naturalmente, conduzir a uma profunda remodelação do
Estado e da forma de actuar de todos nós, tem a ver com a utilização da língua
oficial da República de Angola. Os mais atentos, sabedores e preocupados têm
perfeita noção do estado absolutamente desastroso em que se encontra o uso da
língua portuguesa em Angola
Com a mania das grandezas que
nos foi calhando em sorte, e que, de umbigo em umbigo foi dando a sensação de
que éramos os melhores do mundo e arredores - o exemplo vinha da superestrutura
e milhares de pessoas foram indo atrás - entre o desalmado, o estapafúrdio e a
arrogância desmesurada, abriram-se universidades, institutos, escolas
superiores. E os ensinos primário e médio foram sendo desleixados até ao grau
zero, até à mais completa e absurda indigência intelectual.
Nos primórdios da
independência, temos na nossa memória, bem viva, pelo menos dois dirigentes do
então Bureau Político do MPLA que, em razão das inúmeras responsabilidades que
foram tendo no processo da luta de libertação, não foram bafejados pela sorte
de ir estudar para os países que apoiavam então os movimentos de libertação.
Estes mesmos logo se apressaram a procurar professores que já viviam em Luanda,
gente intelectual e bem preparada, com quem tiveram durante dois ou três anos,
aulas de Português, de História e até de Filosofia. Acabavam o seu trabalho e,
em casa, tinham ao longo de toda a semana um horário estabelecido, onde tinham
explicações de três matérias que consideravam essenciais.
O tempo passou e hoje,
assistimos, com grande vontade de não acreditar, a um desfile permanente de
gente de todos os extractos sociais, inclusivamente da chamada elite -
dirigentes partidários, empresários, jornalistas, formadores de opinião,
actores, locutores - a debitarem discursos muitas das vezes sem sentido,
utilizando palavras que desconhecem, em meio a um rol de disparates que nos
ridicularizam a todos, não apenas os(as) visados(as).
Com um sorriso bem amarelo, já
assistimos, quer dentro quer fora do país, a comentários jocosos, a sorrisos
trocistas, a abanões de cabeça como quem se interroga de onde saíram estas
figuras, que fazem um papel demasiado triste, não podendo nem devendo representar
Angola seja aonde for.
A título de exemplo, ainda na
semana passada recebemos um convite para o lançamento de um livro para
crianças. O autor, entusiasmado, convidava-nos a estar presentes no lançamento
do seu "livro enfantil"!!!??? Obviamente que nem a notícia demos,
porque há limites para tudo. Mesmo porque não pode haver qualquer espécie de
tolerância para com isto. A tolerância é útil e importante para muitas coisas
na vida, mas não para esta.
Lembre-se - há sempre gente
mal-intencionada - que não nos referimos obviamente nem às riquíssimas
interferências que vamos introduzindo na língua portuguesa, nem aos
compatriotas que, por razões históricas e políticas, se viram obrigados a
crescer em outros pontos de África tendo tido como línguas de estudo, outras
que não as nossas.
O que nos estamos a referir é
a uma questão que é grave, que é séria e como tal tem de ser equacionada pelas
entidades competentes. A velha estória de começar a construir um edifício pelo
telhado em lugar dos caboucos, tem de dar origem a medidas urgentes que façam com
que, quem tem responsabilidades aos mais diferentes níveis, não corra o risco
de nos expor ao ridículo. E compreenda enfim, que a aposta fundamental deve
ser, tem de ser, no ensino de base. Em particular no Português. Ferramenta
essencial para qualquer cidadão. Venham os professores de onde vierem - que
também é preciso acabar com estes complexos de superioridade (de
inferioridade?) que nos levam a recusar formadores de outras latitudes. A
solidariedade dos professores cubanos, depois de décadas, não mudou a língua
que falamos. Se é preciso que venham professores de fora do país para que se
aprenda a falar a nossa língua oficial, que venham. Mas chega de sermos
obrigados a ouvir disparates ao mais variados níveis. In “Novo
Jornal” - Angola
Sem comentários:
Enviar um comentário