“Alter Ego”, ou o encontro da
diversidade artística chinesa e da lusofonia em Macau com curadoria de Vhils e
Pauline Foessel. A mostra dos 27 artistas lusófonos, chineses, de Hong Kong e
Macau espraia-se por seis espaços da cidade e pode ser visitada até 9 de
Setembro. Pensada como um percurso, a primeira paragem proposta pelos curadores
é o Museu de Arte de Macau, onde está patente “O Eu”
Os mestres do Ocidente
esculpidos em papel por Li Hongbo. O labirinto de bambu de João Ó e Rita
Machado. As fotografias que retratam a jovem geração de Hong Kong por Wing
Shya. A série fotográfica de Mauro Pinto que desvenda as casas do bairro
moçambicano de Mafalala. Os retratos de Herberto Smith que se transformaram no
seu álbum de família. Os rostos esculpidos por Alexandre Farto (Vhils) que
funcionam como metáfora para a perda de individualidade no mundo urbano. O
encontro de linguagens, técnicas e artistas aconteceu ontem no Museu de Arte de
Macau (MAM), primeira paragem no percurso pensado por Pauline Foessel e Vhils,
que se dá pelo nome de “Alter Ego”. “Nós procuramos um tema que fosse capaz de
criar diálogos entre todos estes países e diferentes culturas. Descobrimos que
este tema – Alter Ego – podia, de facto, representar estas conexões, pontes e
trocas”, enquadrou Pauline Foessel, co-curadora de “Alter Ego”, durante a
visita à exposição.
Mafalala,
o bairro “onde praticamente Moçambique inteiro se encontra”
Fotografia: Eduardo Martins |
Mauro Pinto apresenta em Macau
a série vencedora do BES Photo 2012, “Dá Licença”, captada no bairro
moçambicano de Mafalala que é, nas palavras do artista, “onde praticamente
Moçambique inteiro se encontra”. “Normalmente num país onde há várias religiões
há sempre separação, mas nesse bairro não há e parece uma nova religião que
existe no mundo. Ao mesmo tempo são pessoas pobres, mas eu quis dar dignidade a
este bairro, mostrar que ser pobre não quer dizer que perde a dignidade”, explicou
Mauro Pinto.
O processo, que começou em
2011 e terminou no ano seguinte, foi para o artista “um trabalho fotográfico
muito forte sem saber o que teria do outro lado”. De porta em porta ia batendo,
sempre à espera de um “sim, pode entrar” que lhe abria as portas de casas que
fotografava assim como as encontrava. “A maneira como eu comecei a fotografar
foi interessante para mim, foi ouvir o bairro, como é que o bairro funciona,
como é que lidam entre eles e o próprio bairro é que me deu o título que é ‘Dá
Licença’”.
O
albúm de família do Herberto Smith
Mais de 80 fotografias de
pequena dimensão, como que a obrigar a uma aproximação do público, compõem o
corpo de trabalho apresentado por Herberto Smith. São, na sua maioria, retratos
de desconhecidos que têm como missão pôr no mapa as franjas excluídas da
sociedade. “No início eu tentei mapear a exclusão da área urbana. [Estas
pessoas] vêm das áreas marginalizadas e eu tentei pô-las no mapa dos media.
Mesmo em Lisboa consegues ver pessoas negras mas não sabes onde vivem porque
elas não têm acesso à cidade”, explicou o fotógrafo.
Ao fotografar estas pessoas,
Herberto Smith conta que com elas foi desenvolvendo relações de proximidade e,
por isso, diz que o trabalho apresentado é o seu “álbum de família”. “Depois de
eu ter começado a conhecer pessoas eu descobri que quando ficas demasiado
próximo de alguém transformas-te nessa pessoa. Agora, este trabalho não é sobre
o outro, é também sobre mim. É como um álbum de família”.
Globalização
vs. Identidade
Na sala escura descobrem-se
três rostos iluminados por uma luz pulsada e ritmada que, explica Vhils, servem
como metáfora para a perda de identidade do ser humano no espaço que ele
próprio criou. “O que eu procurei com este trabalho foi uma espécie de
confronto entre as cidades e o processo de globalização que vem com o modelo de
cidade e a nossa identidade humana que era tão particular há centenas de anos
e, hoje em dia, as coisas tornam-se cada vez mais e mais semelhantes. Em nome
do nosso conforto estamos a esquecer-nos do que nos tornava particulares em
cada ponto do mundo”. Porém, sublinha o artista, este trabalho não é uma
crítica mas sim uma reflexão sobre como a globalização se confronta com a
identidade de cada indivíduo e como cada um é afectado por esta uniformização.
“Muitas das tensões que temos no mundo vêm deste equilíbrio entre aquilo que
somos e qual é o impacto de tudo isto”.
Esculturas
que se alongam como acordeões
Fotografia: Eduardo Martins |
Explica Li Hongbo que o seu
treino começou como o de qualquer outro artista chinês, a desenhar esculturas
de mestres do Ocidente. “Comecei por desenhar e pintar muitas destas esculturas
e descobri que isto desencadeou a minha forma de pensar”. Do desenho passou
para a escultura, mas o meio permaneceu o mesmo – o papel. É uma série de
esculturas em papel de mestres ocidentais que se desdobram como um acordeão,
voltando subitamente a assumir a sua forma original, que Li Hongbo traz a
Macau. A acompanhar os bustos esculpidos em papel, o escultor trouxe também uma
peça que representa as duas dimensões do seu trabalho. Ocupando duas paredes,
uma escultura espraia-se e emaranha-se em si própria, enquanto a outra, igual à
primeira, se mantém a um canto no seu formato fechado.
Os
mestres do bambu transformados em mestres de tai chi
João Ó e Rita Machado
continuam a exploração do bambu mas, desta vez, com o enfoque nos trabalhadores.
A instalação labiríntica que recebe o público na entrada da exposição é
acompanhada, mais à frente, com três projecções dos mestres de bambu. “Estas
pessoas são os mestres de bambu e nós criámos uma ligação entre estas posições
e o tai chi. Para nós, as posições, os movimentos são bastante semelhantes. Se
tirarmos o bambu temos a oportunidade de ver apenas as posições e esquecemos
que existe a estrutura”, explica Rita Machado.
Na entrada da exposição João Ó
e Rita Machado plantaram o que chamam de “instalação imersiva”. “É nesta
espécie de submersão espacial entre o exterior e o interior que nós estamos
interessados e esta é uma das muitas facetas com as quais tentamos explorar os
andaimes de bambu. A ideia é que consigas ter uma experiência dos sentidos ao
poder tocar, e explorar. É esta a ideia da instalação”, explica João Ó.
A Hong Kong decrépita e
decadente, mas também irreverente e extravagante, numa produção altamente
pontuada por néons e que pretende representar a jovem geração daquela cidade. É
o que apresenta Wing Shya com a série “Sweet Sorrow”, da qual uma parte se
encontra em exposição em “Alter Ego”. “Esta é uma nova série sobre a nova
geração de Hong Kong, esta nova geração que está sempre no telemóvel e online”, explicou Pauline Foessel.
“O
poder cria um distúrbio que sempre atinge os mais fracos”
Gonçalo Mabunda ainda se
lembra da arma que o primo um dia lhe levou para casa. Era uma KM47, Gonçalo
tinha apenas sete anos e vivia-se a guerra civil moçambicana. Recorda-se
daquele primeiro impacto com material bélico pelo peso que este comportava para
o corpo de uma criança. Até aí, admirava os militares e aspirava a tornar-se
um. A partir daí, percebeu o peso da guerra. Hoje, Gonçalo Mabunda trabalha com
armamento da guerra civil moçambicana, o mesmo que havia de matar o seu primo,
que ainda não se esgotou nos mais de 20 anos que com ele trabalha.
“Neste momento trabalho com
tronos e máscaras. Quando falo de tronos e máscaras tento retratar o que é a
globalização, o mundo em geral. Com máscaras falo sempre da falsidade das
pessoas, com os tronos falo como as pessoas, quando querem chegar ao poder,
usam as armas. O dinheiro, o poder, cria sempre um distúrbio que sempre atinge
os mais fracos”, explica o artista, cujas obras integram a exposição “Choque
Cultural”, patente na Galeria de Exposições Temporárias do IACM, ao Ponto Final.
Ao transformar material bélico
em peças de arte, Gonçalo Mabunda pretende devolver ao Ocidente material feito
para o seu povo se matar num objecto para ser admirado. “O meu país é pobre,
como é que tem tantas armas? A maior parte das armas vem do Ocidente para as
guerras todas que estão em África. O meu pensamento é: ‘Vocês fazem as armas
para nos matarmos, eu trago para te dar o prazer para teres uma como obra de arte”.
“Quando
ando nas ruas gosto sempre de focar nas caras das pessoas”
Abdel Queta Tavares apresenta
em “A Estética da Diversidade” – parte integrante da exposição “O Outro”,
patente no Edifício do Antigo Tribunal – uma série de fotografias que pretende
representar a diversidade do seu corpo de trabalho. “Com este trabalho quero
transmitir as personalidades das pessoas. No meu trabalho consegues ver uma
albina, um rapaz com vitiligo, uma europeia branca a utilizar os padrões
africanos. Também tem aqui um choque cultural, uma mistura”, explica o artista
ao Ponto Final.
E quem são as pessoas que
escolhe fotografar? “São pessoas que eu encontro nas ruas, algumas pessoas são
meus amigos. Elas me inspiraram e acabei por entrar em contacto com eles”,
explica. “Quando ando nas ruas gosto sempre de focar nas caras das pessoas
porque a cara diz muito. Elas sempre me transmitem uma mensagem e automaticamente
acabo por criar ideias na minha cabeça de como será a sessão fotográfica com
eles”.
Naquela que é a sua estreia
asiática, Abdel Queta Tavares afirma não se focar apenas na fotografia de moda
mas criar um encontro também com a fotografia de arte. “Eu não estou focado só
na área da fotografia de moda, também estou focado na fotografia de arte. Tento
sempre misturar as duas coisas, por exemplo, na moda africana, é arte das
mulheres usarem o turbante. Faz parte da arte e, ao mesmo tempo, faz parte da
moda porque é a moda deles”, explica o fotógrafo. Catarina Vila Nova – Macau in
“Ponto Final”
Fotografia: Eduardo Martins |
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