Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Cabo Verde – “Como cultivar a cidadania na escola?”

Só assim conseguiremos que, por um lado, na sala de aula, no corredor e no pátio da escola se construa e se viva a cidadania, nos gestos, nas atitudes, nos comportamentos prof/aluno, aluno/prof, prof/prof, aluno/aluno. Isto é, a escola ser geradora de cidadania.

O título não é da minha autoria. Explico-me: fui convidada recentemente pela Associação dos Professores Católicos de Cabo Verde, para participar, numa tarde de Sábado, num debate à volta do tema: «Como cultivar a cidadania na escola?».

Embora sob epígrafes vários, mas próximos em termos de conteúdo, o tema tem vindo a ser recorrentemente tratado nos meios educativos.

Não obstante, suscitou o meu interesse pela forma como a APC pretendia agora abordá-lo, não o queria como ponto assente em termos de pertença natural da escola, mas antes, interrogar-se: como cultivar a cidadania na escola?

Entendi-o também como um desejo implícito da Associação, de que valores e educação voltassem a ser parte integrante da nossa escola.

Da minha parte, lá fui à procura de alguns eventuais contributos que pudessem minimamente juntar-se aos dos outros participantes e ajudar a mim própria, a entender algo que à primeira vista podia parecer até óbvio, uma vez que em perspectiva conjunta estaria um trinómio indissociável Escola/Educação/Cidadania. Esta última há-de funcionar como meta almejada pela escola - na difusão do seu saber, do saber/ fazer. Ou seja, a cidadania, saber/ser, como ponto de chegada do processo educativo e formativo da criança e do adolescente.

Ora bem, olhando, com realismo, para a configuração actual da sociedade cabo-verdiana e fazendo uma breve retrospectiva histórica, da independência a esta parte, algumas questões se me colocaram e se me colocam, tais como: a educação é actualmente uma obrigação, um dever da escola? A questão assim posta pode parecer paradoxal.

Mas se nos ativermos no transcurso destas últimas quatro décadas e sobretudo nos primeiros anos de vivência enquanto país, Cabo Verde, não obstante todo o meritório e digno trabalho levado a cabo no sector da educação, com vista à sua edificação, no entanto, à escola foi-lhe transmitida a directriz primeira, de que só lhe cabia o ensino das matérias curriculares. A educação, “lato senso” caberia e algo difusamente, ao Estado e possivelmente também à família (embora esta estivesse ao tempo, ideologicamente secundarizada pelo primeiro).

Mesmo que fossem orientações dos primeiros conturbados e interrogativos momentos do país na procura de caminhos o que é certo é que a ideia vingou.

Na esteira desse (des)acerto educativo, os professores como que se tolheram com receio, de que uma advertência, de que uma chamada de atenção ao aluno com propósitos educativos não fossem bem-vindos. A pouco e pouco, a boa educação, os valores por nós julgados muito úteis no desenvolvimento cívico e social da criança e do adolescente foram gradualmente desaparecendo da sala de aula, tanto da fala do professor como do comportamento e da atitude do aluno.

Claro que o tal Estado que havia de fornecer, não se sabia muito bem como, a educação, os valores, nunca deu o “ar da sua graça”! e instalou-se uma espécie de grande vazio, e gerou-se também, vale dizer, uma certa apatia, um certo comodismo, no meio disso tudo.

Resumindo, foi um tempo de demasiada descompressão e de muita permissividade; valia na aula o dito “professor-camarada” no mau sentido. Portanto, quando voltou o equilíbrio, pelo caminho, perderam-se os já referidos valores.

A escola deixou de chamar a si, participativamente, esta transcendente responsabilidade social.

A marca ficou, entranhou-se no comportamento escolar, o hábito gerou o resto e resultado: nunca mais a educação e os valores voltaram a ser partes estruturantes, equitativas e fundamentais, da escola cabo-verdiana. O que é uma pena!

Pois bem, a educação e o ensino que deviam ser, dado o caso particular da configuração familiar e social cabo-verdiana, como frente e verso de uma mesma folha de papel, estão hoje completamente divorciados uma do outro.

Do mesmo modo, a escola que devia ser um modelo ideal de transmissão de valores, principal expoente da educação dita formal, foi ficando cada vez mais vazia e encontra-se actualmente, desprovida de valores.

A família com destaque para a oriunda da base bem larga da nossa pirâmide social, isto é, do extracto social menos qualificado em termos de rendimentos, de literacia e de cidadania, com complexos e graves problemas de desestruturação, de disfuncionalidade, de monoparentalidade, não possui capacidade endógena de, no lar, possibilitar essas “ferramentas” básicas e fundamentais à criança no seu processo de socialização e de crescimento.

Resultado, o aluno chega à escola, sobretudo aquele que se dirige à escola pública, com etapas queimadas; ignorante de noções básicas de boa socialização, pois em casa, na chamada educação não-formal, quase que não teve contacto com adultos capazes de influenciar positivamente o desenvolvimento do seu carácter e do seu sistema de valores (nomeadamente, a ausência da figura paterna que é gritante na família cabo-verdiana da camada social menos favorecida).

Ora estes dois males, por um lado, a desmunição de valores que a própria escola apresenta e, por outro lado, o desconhecimento assaz penoso de noções básicas de sociabilização com que aluno entra na sala de aula, penalizam, reduzem fortemente, o aproveitamento e comportamento académicos e no seguimento, inibem o seu desenvolvimento e a sua formação como cidadão. 

Infelizmente, e não é por acaso, que Cabo Verde vive actualmente nos seus centros urbanos, sobretudo na cidade capital, a maior crise de sempre, de delinquência e do crime juvenil.

Perante esta realidade, perante estes sinais tão alarmantes e tão preocupantes, a atenção vira-se agora para a escola, como última esperança, o último baluarte, que despiste, que corrija e que debele esta crise sem precedentes que se abateu sobre larga faixa juvenil da população.

Qual é, qual deve ser o papel da escola? Como cultivar a cidadania na escola?

É o desafio que nos lança agora e em boa hora, a Associação dos Professores Católicos de Cabo Verde, APC.

Só através de um trabalho sistemático, estruturador e consciente, realizado no interior da comunidade escolar, isto é, da escola - enquanto instituição que realiza a instrução e a educação - dos professores, dos pais e encarregados de educação, dos alunos, e coadjuvados por associações e fundações da sociedade civil, enfim, por agentes próximos e activos e mais contributivos para a causa da Educação.

Só assim conseguiremos que, por um lado, na sala de aula, no corredor e no pátio da escola se construa e se viva a cidadania, nos gestos, nas atitudes, nos comportamentos prof/aluno, aluno/prof, prof/prof, aluno/aluno. Isto é, a escola ser geradora de cidadania. Por outro lado, a escola virar-se, abrir-se em atenção à comunidade onde se encontra implantada; à sociedade e ao mundo que a rodeia e deles colher exemplos de boa prática de cidadania para sobre isso reflectir e difundir na própria escola.

Finalizando, devemos aproveitar, como alguém já disse e bem, os momentos do achamento do “eu” que a escola proporciona ao aluno e neles cultivar a cidadania. Ondina Ferreira – Cabo Verde in “coral-vermelho.blogspot.com”

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