Só
assim conseguiremos que, por um lado, na sala de aula, no corredor e no pátio
da escola se construa e se viva a cidadania, nos gestos, nas atitudes, nos
comportamentos prof/aluno, aluno/prof, prof/prof, aluno/aluno. Isto é, a escola
ser geradora de cidadania.
O título não é da minha
autoria. Explico-me: fui convidada recentemente pela Associação dos Professores
Católicos de Cabo Verde, para participar, numa tarde de Sábado, num debate à
volta do tema: «Como cultivar a cidadania na escola?».
Embora sob epígrafes vários,
mas próximos em termos de conteúdo, o tema tem vindo a ser recorrentemente
tratado nos meios educativos.
Não obstante, suscitou o meu interesse
pela forma como a APC pretendia agora abordá-lo, não o queria como ponto
assente em termos de pertença natural da escola, mas antes, interrogar-se: como
cultivar a cidadania na escola?
Entendi-o também como um
desejo implícito da Associação, de que valores e educação voltassem a ser parte
integrante da nossa escola.
Da minha parte, lá fui à
procura de alguns eventuais contributos que pudessem minimamente juntar-se aos
dos outros participantes e ajudar a mim própria, a entender algo que à primeira
vista podia parecer até óbvio, uma vez que em perspectiva conjunta estaria um
trinómio indissociável Escola/Educação/Cidadania. Esta última há-de funcionar
como meta almejada pela escola - na difusão do seu saber, do saber/ fazer. Ou
seja, a cidadania, saber/ser, como ponto de chegada do processo educativo e
formativo da criança e do adolescente.
Ora bem, olhando, com
realismo, para a configuração actual da sociedade cabo-verdiana e fazendo uma
breve retrospectiva histórica, da independência a esta parte, algumas questões
se me colocaram e se me colocam, tais como: a educação é actualmente uma
obrigação, um dever da escola? A questão assim posta pode parecer paradoxal.
Mas se nos ativermos no
transcurso destas últimas quatro décadas e sobretudo nos primeiros anos de
vivência enquanto país, Cabo Verde, não obstante todo o meritório e digno
trabalho levado a cabo no sector da educação, com vista à sua edificação, no
entanto, à escola foi-lhe transmitida a directriz primeira, de que só lhe cabia
o ensino das matérias curriculares. A educação, “lato senso” caberia e algo difusamente, ao Estado e possivelmente
também à família (embora esta estivesse ao tempo, ideologicamente secundarizada
pelo primeiro).
Mesmo que fossem orientações
dos primeiros conturbados e interrogativos momentos do país na procura de
caminhos o que é certo é que a ideia vingou.
Na esteira desse (des)acerto
educativo, os professores como que se tolheram com receio, de que uma
advertência, de que uma chamada de atenção ao aluno com propósitos educativos
não fossem bem-vindos. A pouco e pouco, a boa educação, os valores por nós
julgados muito úteis no desenvolvimento cívico e social da criança e do
adolescente foram gradualmente desaparecendo da sala de aula, tanto da fala do
professor como do comportamento e da atitude do aluno.
Claro que o tal Estado que
havia de fornecer, não se sabia muito bem como, a educação, os valores, nunca
deu o “ar da sua graça”! e instalou-se uma espécie de grande vazio, e gerou-se
também, vale dizer, uma certa apatia, um certo comodismo, no meio disso tudo.
Resumindo, foi um tempo de
demasiada descompressão e de muita permissividade; valia na aula o dito
“professor-camarada” no mau sentido. Portanto, quando voltou o equilíbrio, pelo
caminho, perderam-se os já referidos valores.
A escola deixou de chamar a
si, participativamente, esta transcendente responsabilidade social.
A marca ficou, entranhou-se no
comportamento escolar, o hábito gerou o resto e resultado: nunca mais a
educação e os valores voltaram a ser partes estruturantes, equitativas e
fundamentais, da escola cabo-verdiana. O que é uma pena!
Pois bem, a educação e o
ensino que deviam ser, dado o caso particular da configuração familiar e social
cabo-verdiana, como frente e verso de uma mesma folha de papel, estão hoje
completamente divorciados uma do outro.
Do mesmo modo, a escola que
devia ser um modelo ideal de transmissão de valores, principal expoente da
educação dita formal, foi ficando cada vez mais vazia e encontra-se
actualmente, desprovida de valores.
A família com destaque para a
oriunda da base bem larga da nossa pirâmide social, isto é, do extracto social
menos qualificado em termos de rendimentos, de literacia e de cidadania, com
complexos e graves problemas de desestruturação, de disfuncionalidade, de
monoparentalidade, não possui capacidade endógena de, no lar, possibilitar
essas “ferramentas” básicas e fundamentais à criança no seu processo de
socialização e de crescimento.
Resultado, o aluno chega à
escola, sobretudo aquele que se dirige à escola pública, com etapas queimadas;
ignorante de noções básicas de boa socialização, pois em casa, na chamada
educação não-formal, quase que não teve contacto com adultos capazes de influenciar
positivamente o desenvolvimento do seu carácter e do seu sistema de valores (nomeadamente,
a ausência da figura paterna que é gritante na família cabo-verdiana da camada
social menos favorecida).
Ora estes dois males, por um
lado, a desmunição de valores que a própria escola apresenta e, por outro lado,
o desconhecimento assaz penoso de noções básicas de sociabilização com que
aluno entra na sala de aula, penalizam, reduzem fortemente, o aproveitamento e
comportamento académicos e no seguimento, inibem o seu desenvolvimento e a sua
formação como cidadão.
Infelizmente, e não é por
acaso, que Cabo Verde vive actualmente nos seus centros urbanos, sobretudo na
cidade capital, a maior crise de sempre, de delinquência e do crime juvenil.
Perante esta realidade,
perante estes sinais tão alarmantes e tão preocupantes, a atenção vira-se agora
para a escola, como última esperança, o último baluarte, que despiste, que
corrija e que debele esta crise sem precedentes que se abateu sobre larga faixa
juvenil da população.
Qual é, qual deve ser o papel
da escola? Como cultivar a cidadania na escola?
É o desafio que nos lança
agora e em boa hora, a Associação dos Professores Católicos de Cabo Verde, APC.
Só através de um trabalho
sistemático, estruturador e consciente, realizado no interior da comunidade
escolar, isto é, da escola - enquanto instituição que realiza a instrução e a educação
- dos professores, dos pais e encarregados de educação, dos alunos, e
coadjuvados por associações e fundações da sociedade civil, enfim, por agentes
próximos e activos e mais contributivos para a causa da Educação.
Só assim conseguiremos que,
por um lado, na sala de aula, no corredor e no pátio da escola se construa e se
viva a cidadania, nos gestos, nas atitudes, nos comportamentos prof/aluno,
aluno/prof, prof/prof, aluno/aluno. Isto é, a escola ser geradora de cidadania.
Por outro lado, a escola virar-se, abrir-se em atenção à comunidade onde se
encontra implantada; à sociedade e ao mundo que a rodeia e deles colher
exemplos de boa prática de cidadania para sobre isso reflectir e difundir na
própria escola.
Finalizando, devemos
aproveitar, como alguém já disse e bem, os momentos do achamento do “eu” que a
escola proporciona ao aluno e neles cultivar a cidadania. Ondina Ferreira – Cabo Verde in
“coral-vermelho.blogspot.com”
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