O fotógrafo indiano três vezes
vencedor do World Press Photo está em Portugal para documentar a comunidade
goesa que imigrou nos anos 60 e 70.
Aos 15 anos, Pablo Bartholomew
era expulso da escola onde estudava em Nova Deli. Nada que fosse um problema
quando havia uma máquina fotográfica por perto. O pai era “o que hoje em dia se
chama curador” e também costumava fotografar e a mãe, “ligada ao cinema e ao
teatro”, ajudava ao ambiente artístico que se vivia em casa. À falta de escola,
há sempre a fotografia.
Estamos na esplanada do
restaurante Eduardo das Conquilhas, na Parede, e Pablo Bartholomew recorda o
seu passado na Índia, onde cresceu e onde ainda vive. “Queria experimentar a
comida goesa aqui, mas o outro restaurante [goês, também na Parede] estava
fechado”, diz enquanto encara a vitela que tem no prato. Vitela num restaurante
de conquilhas? Bem, terá tempo para as experimentar noutra visita.
Recomendamos-lhe o Jesus é
Goês, em Lisboa, onde talvez encontre o que procura, o prato mais picante de
Lisboa, o caril de caranguejo, típico da cozinha indo-portuguesa. Nos próximos
três meses, o fotógrafo vencedor também três vezes do World Press Photo vai
estar na cidade para fotografar a comunidade goesa que imigrou para Portugal em
61, “depois da independência da colónia”, explica. O caril de caranguejo
certamente terá de fazer parte da ementa da visita. Mas isso fica para outro
dia.
O projecto que vai desenvolver
em Lisboa, uma continuação da série “The Indian Emigrés”, que começou nos
Estados Unidos, não é novo. Aliás, tem praticamente a nossa idade.“Comecei-o em
1987, dois anos depois de o meu pai morrer”, conta. “Na altura tinha 30 e tal
anos e comecei a questionar várias coisas na minha vida. O meu pai nasceu na
Birmânia, foi-se embora para a Índia ainda criança, durante a Segunda Guerra
Mundial, e nunca mais regressou. Nunca deixei de pensar nas origens dele e em
como seria a adaptação das pessoas a outra cidade, com a comida, a religião, as
roupas e todos os hábitos diferentes.”
Nos anos 80 as suas
inquietações levaram-no à Califórnia, onde conheceu “dos indianos que lideravam
grandes empresas de tecnologia à comunidade sique de agricultores do Norte,
numa altura em que se consumia muita comida enlatada, de fruta a legumes”,
explica.
Antes disso, já tinha vencido
o World Press Photo com apenas 20 anos. “Na verdade, quando tirei as fotos
vencedoras tinha 19 anos”, recorda. Valeu a pena faltar às aulas.
“Foi com uma série sobre
viciados em morfina e não foi muito difícil consegui-la”, conta. “De facto
aquele ambiente era o que me rodeava nesses tempos mais hippies.” Em 1984
voltou a vencer o World Press Photo, com uma série sobre o desastre industrial
da fábrica de pesticidas em Bhopal. Uma das fotos, a de uma criança morta, foi
considerada Foto do Ano e correu o mundo.
Ainda assim, e apesar do
reconhecimento, o dinheiro não lhe chegava aos bolsos. “Mesmo depois do prémio
continuei a trabalhar como fotógrafo em rodagens de cinema”, continua. “Depois
disso trabalhei em publicidade e foi aí que consegui ganhar dinheiro. Mas tive
de deixar porque isso mata-nos a cabeça.”
Melhores tempos ainda viriam e
os trabalhos de freelancer começaram a suceder-se em várias revistas
importantes, da “National Geographic” à “Paris Match”, passando por jornais
como o “Figaro” ou o “New York Times” numa altura de crescimento da Índia.
“Posso dizer que vivi a era de ouro do fotojornalismo, que deve ter acabado ali
por 1995 ou 1996”, opina.
Quanto ao trabalho sobre as
comunidades fora da Índia deixou-o “adormecido” no fim dos anos 80 “por falta
de dinheiro”. “Em 2009 arranjei dinheiro para o recomeçar em França, com uma
bolsa do Museu Quai Branly”, conta. “Queria olhar para as comunidades que
vieram das ilhas francesas, como a Martinica ou Guadaloupe, para onde muitos
indianos foram num trabalho praticamente escravo.”
Seguiu-se Leicester, no Reino
Unido, e agora Lisboa, onde vai estar até ao início de Julho com uma bolsa da
Fundação Oriente. “Estou mais interessado nas pessoas que vieram nos anos 60 e nas que
vieram mais tarde, nos anos 70, de Moçambique”, conta. Já tem uma rede de
contactos e o trabalho vai começar nos próximos dias. Clara Silva – Portugal in “Jornal I”
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