Eis a minha razão para
escolher Lisboa como base. Debaixo daquele sol, a vida consegue ser menos
dramática. O sol tem esse efeito, nos faz sentir menos exilados. Estou em
Amsterdão, a abraços com uma primavera tardia. Se estivesse em Lisboa, estas
palavras seriam escritas numa esplanada e com os olhos postos numa das colinas
cartão-postal: a Graça ou Santa Catarina. Debaixo de um guarda-sol, e com as
mãos viajando entre a imperial e o caderno, sob o olhar atento, ainda que
distante, do Cristo Rei. Preso, de livre e espontânea vontade, a este pequeno
oásis que identificamos por Lisboa. Perguntem aos reis da Kizomba, que se
mudaram para Lisboa recentemente, se não poderíamos viver sempre assim, desde
que não nos faltasse o sol e a imperial. A felicidade poderia ser isso, quem se
atreveria a dizer o contrário? As esplanadas desta cidade mais se parecem com
um encontro das Nações Unidas, tantos são os sotaques e idiomas diferentes que
se fazem ouvir.
Lisboa é a cidade que escolhi
chamar de minha, me chamou para si e só agora começo a perceber o que quer de
mim. Quem lhe conhece, sabe – Lisboa dá-se lentamente, esconde-se, é tímida,
reservada. Consegues ser estrangeiro para o resto da tua vida, ao contrário de
cidades como o Rio de Janeiro, que te rouba a nacionalidade original e te faz
carioca ao fim de poucos anos de residência, um básico domínio do português e a
predisposição para aprender a sambar, mesmo que tal nunca venha a acontecer.
Mas vale o gesto. Para mim, Lisboa é casa, principalmente pelo facto de ter negros
à minha volta. Não escondo que me sinto menos confortável em cidades onde, ao
passar pelas ruas, conte os negros pelos dedos. Adoro Copenhaga, por exemplo,
mas não me imagino a viver naquela cidade, é difícil não me sentir ave rara
naquele poleiro. Já Paris, Londres ou Nova Iorque são cidades extremamente
convidativas. Por me sentir menos observado, e por não levar o rótulo
Pós-Negritude, que geralmente é associado àqueles cujo comportamento social os
distingue dos demais negros por demonstrarem aptidões intelectuais acima da
média. Bastante redutor! O rótulo “Negritude” circunscreve uma série de clichés
xenófobos, surgidos na Europa do século XVIII, que tinham uma associação
directa com a escravidão, e generalizações sobre coisas tão diversas como o
analfabetismo, a aptidão para a dança, força física, religião, sexo, comida,
violência, ira, preguiça, gentileza, comédia, música, ignorância ou uma
sabedoria ancestral ligadas ao misticismo.
Deambulando pelas europas, e à
medida que vou articulando melhor a minha própria negritude aqui por estas
bandas, me apercebo que esse conceito sofreu mutações e identifico uma
poli-negritude ou hiper-negritude que está bem mais próxima daquilo que é a
condição do negro e como este é visto hoje. Somos todos mestiços, economicamente,
socialmente e politicamente falando. E Lisboa, a africana, é a cidade que
acolhe melhor essa transformação. Kalaf
Epalanga – Angola in “Rede Angola”
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