Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 8 de abril de 2021

Macau - Trabalho académico pretende entender a comunidade macaense através do teatro Patuá

“Quim Sâm Nôs?” é um estudo da comunidade macaense através da análise descritiva do teatro Patuá da autoria de Elisabela Larrea, que não arrisca a concluir qualquer hipótese para toda a comunidade macaense em Macau


Entender a comunidade macaense, à qual a autora pertence, através do teatro Patuá é o propósito de Maria Elisabela Larrea y Eusébio na sua dissertação académica de doutoramento, apresentada e defendida recentemente com distinção na Universidade de Macau (UM), sob supervisão e orientação do professor Timothy Alan Simpson.

Elisabela Larrea pretende com este novo documento apresentar um estudo descritivo das mudanças do teatro Patuá, um teatro comunitário que permitiu aos crioulos apresentar a sua cultura, bem como fazer uso dele para a preservação desta língua tão peculiar. “O meu estudo ofereceu não só uma análise detalhada e documentação do desenvolvimento do teatro, mas também uma referência a partir da qual se pode examinar as lutas discursivas da comunidade macaense num ambiente social e político em rápida mudança”, explica Elisabela Larrea na conclusão da sua tese.

Como qualquer estudo, existem sempre limitações no decorrer do trabalho de investigação. “Este estudo não tem a pretensão de concluir qualquer hipótese para toda a comunidade macaense em Macau, nem tampouco oferece uma suposição sólida de como e porque todos os macaenses agem de certa forma”, revela a autora, que assume que os dados empíricos do seu estudo estão “eventualmente disponíveis para estudos futuros, ou mesmo escrutínio crítico”

Baseado, essencialmente, no estudo dos Dóci Papiaçám di Macau, entre 1993-2015, Elisabela Larrea observou participantes, fez entrevistas pessoais e ainda um inquérito online. Numa primeira conclusão, muito simples, “observa-se que a comunidade eurasiana transformou o teatro Patuá num terceiro espaço, um espaço de resistência e uma forma de diálogo cultural. Os macaenses optaram por perseguir o seu capital de representatividade e o Patuá assume um novo papel como linguagem da performance”, considera a académica.

“O meu estudo é uma análise a partir de materiais parciais do teatro Patuá e centra-se mais no período pós-transição de Administração de Macau, dos quais o registro, excepto os Dóci Papiaçám di Macau, foi limitado e só poderia oferecer um vislumbre de como poderia ter sido durante o forte período colonial [1846-1966]”, afirmou, ao Ponto Final, Elisabela Larrea, para quem os materiais gravados utilizados poderiam ter sido editados e enquadrados, excluindo assim certos detalhes que um campo detalhado que uma observação pode oferecer.

A autora afirma não conseguiu adquirir os roteiros teatrais para se apoiar numa análise de conteúdo em profundidade, como a dependência da qualidade de áudio das gravações de vídeo, assumindo que o seu conhecimento linguístico de Patuá, ainda assim, é forte.

Elisabela Larrea propôs-se a “compreender as mudanças do teatro Patuá em relação ao discurso discursivo. Por isso, o estudo acaba por ser, naturalmente, o seu ponto de vista e interpretação de um assunto que considera inexplorado. “Seriam necessários mais estudos para compreender a influência do teatro Patuá contemporâneo sobre o espectador macaense, desde a geração sénior à geração mais jovem”, conclui.

A autora concluiu ainda, provando por A mais B, que “a língua Patuá mudou de uma língua materna, ou seja, de uma ferramenta de conversação diária, para uma língua de performance, que os macaenses usam para apresentar sua identidade cultural”.

As observações da autora decorrem de um estudo aprofundado do processo evolutivo do património cultural imaterial de Macau, nomeadamente através da sua compreensão do teatro Patuá tradicional ao teatro Patuá contemporâneo. “O teatro Patuá deixou de ser um teatro exclusivo de minorias para tornar-se um espectáculo de Macau inclusivo em relação às mudanças no ambiente social e político”, nota Elisabela Larrea, também ela descendente desta comunidade crioula da Eurásia.

Capital de representatividade

Mais, a autora discute na sua tese “como os macaenses, com as suas lutas discursivas no ambiente social e político em mudança, adquiriram uma nova capital de representatividade que apoia a sua reivindicação autêntica de localidade”. Isso pode explicar como é que esse tradicional espectáculo é relevante para Macau, ainda mais depois de ter sido inscrito na Lista do Património Cultural Imaterial de Macau, em 2012. “A minha principal constatação seria que os macaenses atingiram o capital da representatividade, da qual adquiriram uma nova importância social em Macau, onde se transformaram de tradutores históricos entre duas culturas para a contemporaneidade de narradores de cidade. Como narram a interculturalidade e mistura das culturas oriental e ocidental da história de Macau para o mundo através do teatro Patuá”, disse ainda a autora ao nosso jornal.

Tomando como ideias-chave da sua tese as palavras ou conjuntos de palavras: macaense; comunidade eurasiana; terceiro espaço; teatro minoritário; capital de representatividade; linguagem de performance; negociação de identidade; posicionamento social; liminalidade; estudos de performances; teatro Patuá; herança cultural intangível, Elisabela Larrea aborda a comunidade macaense e a língua outrora tida como “português quebrado”, hoje celebrada pela comunidade como elemento representativo da sua identidade cultural. O Patuá é a única língua crioula de base portuguesa em territórios chineses e tornou-se um símbolo de séculos de comunicação intercultural entre Ocidente e Oriente. Gonçalo Pinheiro – Macau in “Ponto Final”

goncalolobopinheiro.pontofinal@gmail.com


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