No final de 2019, a CESL Ásia comprou por cerca de 40 milhões de euros a Monte do Pasto, especializada em criar ovelhas e vacas. Pouco mais de um ano depois, a unidade do distrito de Beja já é uma produtora de carne “premium” e em breve cultivará azeitonas e amêndoas. Macau, Hong Kong e a China são alvos comerciais. Em três anos querem faturar cinco milhões por ano nestes mercados
Em
menos de um ano e meio, a CESL Ásia − empresa de Macau liderada pelo português
António Trindade − já investiu quase 55 milhões de euros no Alentejo. Mais
precisamente na Monte do Pasto, empresa agrícola, que tinha saído de um
processo de reconversão depois da queda do império BES. Em pouco tempo, a
unidade com propriedades nos municípios de Alvito e Cuba passou de uma
exploração de criação de gado bovino e ovino, para uma “plataforma alimentar”
sustentada na ideia do “prado ao prato”.
António
Trindade, em declarações ao Ponto Final, explica que desde Outubro de 2019 até
agora, a Monte do Pasto passou “de um mero produtor de bovinos para um produtor
de alimentação.” “Isto tem uma série de consequências: alto valor, segurança
alimentar, sustentabilidade e qualidade. É tudo o que se pretende”, enumera.
Já
a CEO da Monte do Pasto, Clara Moura Guedes, explica também ao Ponto Final que
a chegada dos investidores de Macau foi fulcral para “o alargamento muito
grande de horizontes e de oportunidades”. Isso traduz-se, no concreto, na
ligação a muitos mercados, e no avançar para vários projetos “que se não fosse
isto, não tinham enquadramento”.
Neste
momento, a empresa desenvolve a actividade em três vertentes: criação de
animais vivos, rações e venda de carne.
Para
já, a concretização mais evidente do desenvolvimento do investimento da CESL
Ásia em Portugal é o aparecimento da linha de carne bovina e ovina ‘premium’, a
“True Born”. A ideia é a de numa primeira fase, que se concretizou neste mês de
Fevereiro, começar a vender esta carne em Macau. Posteriormente, o objectivo
passa por alargar a comercialização da mesma a Hong Kong e à China Continental.
Macau testa desafio asiático
O
primeiro carregamento, no valor de 100 mil euros, já chegou a Macau e,
entretanto, estão em fase final mais duas remessas. A RAEM será o primeiro
porto de teste para o sucesso deste produto, de forma a depois acertar
pormenores como “o mix de carnes”, o conceito e a gama, e atacar outros
destinos.
O presidente da CESL Ásia fala de inovação e garante que “não há muita carne com estas caraterísticas”. “A qualidade é do melhor que se produz, não é só o preço. Para já, em Portugal, quem provou e testou diz isso. Em Macau, especialistas dizem-me que estamos a falar de um produto de excelência”, sublinha.
Moura
Guedes acrescenta que a Monte do Pasto tem “um conjunto de áreas de negócio”
que permite uma integração do processo de produção “na linha do que agora se
fala muito ‘do prado ao prato’”. “Controlamos o processo todo, desde a
alimentação dos animais ao maneio. É ancorada nos valores da sustentabilidade e
do bem-estar animal. E tudo isto, resulta num produto de uma qualidade
superior”, resume.
O
passo seguinte, segundo a gestora, é o de neste primeiro semestre do ano a
“True Born” chegar a Hong Kong. Mais tarde, e ainda dependente das negociações
de exportação e importação de carnes bovinas entre a China e Portugal, chegar a
um público maior.
Para
já, Clara Moura Guedes põe como meta faturar dois milhões este ano nos dois
mercados das RAE, e em três anos subir esse valor para os cinco milhões de
euros.
Mas
o mercado asiático não é o único destino desejado pela marca “True Born”,
porque o segmento em que se posiciona permitirá almejar outros destinos como o
norte da Europa e o Médio Oriente. Concomitantemente, o mercado português
também já está em teste.
Noutro
segmento, em Abril do ano passado, o leque dos investimentos da CESL na Monte
do Pasto alargaram. Mais 15 milhões de euros para em parceria com a Innoliva plantar
terrenos de olival e amendoal.
Mais investimento no horizonte
Mas
há mais projectos de investimento na calha, conta ao PONTO FINAL António
Trindade. Neste momento, o grupo já detém 3.700 hectares a que em breve se
podem juntar mais mil hectares de terrenos de pasto, “quando o projecto do
Alqueva” ali chegar. “Estamos em vias de crescer e de ter mais área para a
nossa actividade. É um investimento importante, uma nova aquisição”, sublinha.
Assim,
o líder da CESL Ásia num balanço do primeiro ano de investimento, em tempos de
pandemia, afirma que “com todas as dificuldades”, “não só mantivemos o negócio
dos animais praticamente como tínhamos planeado, como desenvolvemos uma
variedade de vertentes de valor acrescentado que já estão em execução”.
“O
que aconteceu num ano no Monte do Pasto parece-me notável a todos os níveis”,
qualifica. No final de 2019, segundo Trindade, parecia um “investimento
arriscado”, porque se “agora já se fala muito na agricultura, e desde que
investimos em Portugal o preço dos terrenos já aumentou muito”, à época não
havia muita gente a investir no sector.
A
CEO da Monte do Pasto acrescenta que em termos de resultado líquido e de exportações,
o ano que terminou foi bom para a Monte do Pasto. A criação de gado é ainda a
maior fonte de proveito do grupo, e Israel é o principal mercado de destino. A
Covid-19 fez com que os israelitas procurassem mercados mais próximos para o
fornecimento. Se anteriormente a Austrália era um grande exportador para aquele
país, o vírus fez com que procurassem mais a propriedade alentejana.
A
Monte do Pasto pode ter simultaneamente nas suas pradarias 12 mil cabeças de
gado, mas esse o número pode chegar às 30 mil unidades por ano.
Segundo
Clara Moura Guedes, a expectativa da empresa é a de que o “core” do negócio se
transfira da venda de gado para o produto acabado, a venda de carne, através da
marca “True Born”.
Os
dois responsáveis estão alinhados na ideia de que a Monte do Pasto passe a ser
uma “plataforma de exportação de produtos alimentares em geral” que sirva
regiões como a Ásia, o Médio Oriente e o Norte da Europa.
Moura
Guedes diz que o conceito passa por criar uma marca forte, com base na
qualidade do produto, e que permita “alargar o horizonte” da empresa. Dá o
exemplo da uva como outra possibilidade de investimento.
A
CESL Ásia, além da agricultura, está a investir em outros sectores da economia
portuguesa, e também aí numa empresa que passou por uma fase bem conturbada da
sua vida, a Efacec − o gigante ligado à engenharia e energia que tinha como
accionista de referência Isabel dos Santos.
António
Trindade acredita no “enorme potencial de crescimento do mercado asiático” e a
necessidade da Efacec “ganhar relevância global”. Por isso, acredita que a
aposta na China pode garantir acesso “ao maior mercado do mundo de mobilidade
eléctrica” e que está a investir significativamente na área das energias
renováveis.
Namoro de três anos para chegar a casamento
O
grupo Monte do Pasto, a maior fábrica de engorda de animais vivos do país,
detinha uma herdade que estava nas mãos do Novo Banco — fruto de uma dívida de
53 milhões de euros ao antigo BES — e que se estende nos municípios de Cuba e
Alvito, no Alentejo. Nessa altura, a empresa chamava-se SAPJU (Sociedade
Agro-Pecuária João Urbano) e tinha uma exposição muito grande e dívida ao
universo BES. A mudança de nome quis “marcar uma viragem de página”. Nessa
altura, a operação daquela unidade nas planícies alentejanas, estava quase
parada.
Para
ajudar a recuperação da empresa, somou-se a abertura do mercado de Israel à
importação de animais vivos, em Maio de 2015. A este mercado juntaram-se depois
Marrocos, e outros mercados da região do Magrebe. E assim foi possível
reabilitar um gigante da produção nacional de bovinos que estava numa situação
muito débil.
Mas
era preciso dar um passo em frente depois da reestruturação, era necessário
mais capital e atrair investidores para que a sustentabilidade fosse
conseguida. E como é que um grupo de Macau descobre que há uma empresa do
Alentejo a necessitar de investimento?
Clara
Moura Guedes, CEO da Monte do Pasto, explica a casualidade: “Foi através de uma
pessoa que eu conhecia a nível particular, e que conhecia estes accionistas.
Foi circunstancial”.
Em
2012, a CESL Ásia, grupo focado na engenharia e em energias renováveis – fez um
investimento de 15 milhões euros, em parceria com a ‘start-up’ portuguesa
Magpower — e que no final desse ano avançou com a construção de duas centrais
de produção de energia solar, estava à procura de um investimento na área
agrícola. Havia “pretendente e noiva”, e passados três anos de negociações houve
casamento.
A
CESL Ásia é uma das empresas de referência de Macau, com cerca de 500
trabalhadores, sendo um dos maiores empregadores do território logo a seguir
aos casinos. Esteve presente na construção do aeroporto de Macau e no
desenvolvimento de infraestruturas na zona do Cotai.
O
investimento da CESL no Alentejo para a aquisição da Monte do Pasto rondou os
40 milhões euros e teve o financiamento do Banco da China.
“Macau não desenvolve área financeira sem ter economia”
A
ideia de diversificar a economia de Macau é um tema tão recorrente quanto o
número de anos a partir do qual a cidade se transformou num centro de jogo que
encheu os cofres da região. De tempos a tempos surgem ideias para dar à região
novos desígnios. Em 2019, por altura da comemoração dos 20 anos de transição da
administração portuguesa do território, foi aventada a hipótese de a RAEM se transformar
num centro financeiro.
Para
António Trindade, presidente da CESL Ásia, o potencial para criar uma
plataforma financeira em Macau é maior do que o potencial da economia do jogo.
“Mas não existe”, sentencia. Porquê? “Macau não desenvolve a área financeira
sem ter economia”. “Se não há empresas em Macau, não há área financeira. É
preciso desenvolver as empresas e dar-lhes valor, as que sejam prioritárias
para acrescentar valor”, afirma. “Não vê
aqui muitas empresas da China à procura de actividade e de valor económico, vêm
cá fazer uns projetos, umas actividades muito marginais no contexto do mercado
chinês, quando o potencial é enorme”, enuncia.
A
grande questão é a de “como é que podemos acrescentar valor à economia chinesa,
porque a economia de Macau não existe”. “É uma economia de serviços, que apenas
servem o jogo”, constata o líder da CESL Ásia.
Numa
outra dimensão, para este empresário há também uma grande falta de conhecimento
por parte dos investidores chineses no mercado português. Existe uma grande
dificuldade de operacionalização da plataforma entre Portugal, Macau e a China.
“Não
é muito fácil investir em Portugal”, considera Trindade. “As empresas chinesas
quando vão para Portugal, vão a partir do Luxemburgo, ou de outras praças financeiras”,
refere. Falta também, na opinião do empresário, uma maior presença em Portugal
de bancos chineses, o que em investimentos no país se torna numa dificuldade
adicional.
Neste
momento, segundo António Trindade, os investimentos em Portugal a partir da
China são sobretudo “financeiros”, e “não acrescentam valor”. “São entidades
que compram acções. Não fazem o que estamos a fazer na Monte do Pasto”,
enfatiza.
Para
António Trindade o papel da CESL Ásia, nesta área, é a de “desbravar caminho
para fazer os investimentos e a ligação entre os mercados”. “É um trabalho específico que está por fazer,
há muita coisa feita, mas muita ainda por fazer”, remata.
Números
95
por cento da produção de animais da Monte do Pasto é para exportação. Israel,
Marrocos e Argélia estão entre os principais mercados.
55
trabalhadores. Na maioria são trabalhadores agrícolas, mas há engenheiros
agrónomos, engenheiros zootécnicos, financeiros, e uma equipa veterinária.
12
mil cabeças de gado é a capacidade máxima simultânea nas pastagens da empresa.
Por ano, já chegaram a ser 30 mil a passar pela Monte do Pasto.
55
milhões de euros é o valor aproximado do investimento feito pela CESL Ásia no
Alentejo. E não deve parar nos próximos tempos, para breve está a aquisição de
mais terrenos.
10
por cento do total da produção de bovinos em Portugal é o valor estimado do peso
da Monte do Pasto no contexto nacional. João Malta – Macau in “Ponto
Final”
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