A Dinamarca, a 4ª maior potência mundial de marinha mercante, sede do gigante do transporte marítimo Maersk, enviou um navio da sua marinha de guerra e 175 militares para o Golfo da Guiné para combater a pirataria naval que, nos últimos anos, cresceu nesta região, que se estende do Senegal, a norte, a Angola, no sul, a ponto de se transformar num "hotspot" global desta actividade criminosa
O
Golfo da Guiné, área geográfica que abrange as plataformas continentais de 16
países, que vai do Senegal, no norte, a Angola, no sul, e uma vasta área de águas
internacionais no oceano Atlântico, é já há alguns anos, suplantando a costa da
África Oriental, um dos mais importantes focos da pirataria naval, com pelo
menos 95% dos assaltos a navios em alto mar realizados por ano em todo o mundo.
A
preocupação das multinacionais do transporte marítimo que têm rotas a
atravessar o Golfo da Guiné, e dos organismos internacionais, como a Organização
Marítima Internacional (IMO, na sigla em inglês), a agência das Nações Unidas
que modera o sector, ou o Bureau Marítimo Internacional (IMB), divisão
especializada da Câmara Internacional do Comércio (ICC), tem sido enfatizada à
exaustão nos últimos anos com a emissão de relatório que expõem a gravidade da
situação.
Em
2020, o IMB emitiu mesmo uma nota onde aponta para o Golfo da Guiné como palco
de 95% dos actos de pirataria marítima realizados em todo o mundo nesse ano,
detalhando que essa cifra compreende 130 membros de tripulações raptados para
obtenção de resgates e 22 incidentes separados com captura de navios.
Também
a IMO tem abordado este problema com insistência, notando nos seus relatórios
que a actividade criminosa no Golfo da Guiné está a aumentar de forma
galopante, sendo já uma "séria ameaça ao comércio global" e um perigo
constante para os trabalhadores do sector dos transportes marítimos na região.
O
director-geral desta agência da ONU, responsável pela regulação do transporte
marítimo internacional, Kitack Lim, segundo a Global Trade Review, enviou, a 10
de Fevereiro deste ano, uma missiva a todas as agências da ONU onde defende que
a pirataria nesta vasta região marítima é "uma séria e imediata
ameaça" às tripulações e aos navios que a atravessam.
Para
lidar com o problema, Lim defende uma "melhor cooperação entre os
operadores e as organizações regionais" de forma a melhorar a capacidade
de resposta e garantir a segurança de pessoas e bens.
O
episódio mais grave ocorrido este ano, segundo a Global Trade Review, ocorreu
com um navio de bandeira liberiana que ligava Lagos, na Nigéria, à Cidade do
Cabo, na África do Sul, quando foi atacado, resultando na morte de um
marinheiro do Azerbaijão e no rapto de 15 turcos, obrigando o Governo de Ancara
a negociações para repatriar em segurança os 15 tripulantes.
Este
ataque despoletou uma série de reacções, como se fosse a gota de água que fez
transbordar o copo, com a Federação Internacional dos Trabalhadores dos
Transportes Marítimos na linha da frente a exigir medidas urgentes.
"A
severidade deste último ataque exige uma acção imediata e robusta dos governos
para proteger os trabalhadores do sector e o comércio marítimo na região"
da África Ocidental, afirma esta organização, que exige que esta actividade
criminosa seja "controlada através de uma presença naval com capacidade
dissuasora e de resposta pronta".
Esta
região é fundamental no que respeita ao comércio internacional marítimo,
especialmente nos sectores do petróleo e do gás para os países do hemisfério
Norte, bem como de mercadorias entre a África Austral e a Europa e,
especialmente, entre a África Central e Austral, com, em média, a presença diária
e constante de 1500 embarcações, sejam petroleiros, cargueiros ou de pesca.
As razões por detrás deste fenómeno
Segundo
relatos das polícias internacionais, este fenómeno está a conhecer um forte
crescimento desde 2014, sustentado pela crise económica que se abateu na região
africana, pela diminuição dos preços do crude - até então os roubos
concentravam-se no crude -, levando os piratas a focar a sua atenção na
pilhagem de mercadorias e no rapto de tripulações para a obtenção de avultados
resgates.
Isto
tudo é exponenciado pelo crescente desemprego nos países da região, pela
escassa capacidade de patrulhamento das respectivas marinhas e pela porosidade
das legislações nacionais sobre esta matéria, que, tudo junto, levou o Golfo da
Guiné a começar a aparecer como o novo "hotspot" da pirataria naval,
relegando mesmo a costa oriental do continente - Somália - para segundo plano.
A
par deste crescendo na actividade criminosa, as organizações internacionais
relatam ainda que os piratas estão cada vez melhor equipados e organizados,
demonstrando que têm por detrás uma forte capacidade em meios navais, rápidos,
estão bem armados e tecnicamente apetrechados, bem como contam com informação
importante sobre os navios que circulam neste corredor.
Resposta
Para
lidar com este crescente problema, o IMB aconselha os operadores a manterem os
seus navios, sempre, a pelo menos 250 milhas náuticas da costa, quando em
circulação, ou até que obtenham a autorização para desembarque das mercadorias
nos portos da região, embora isso esteja a deixar de ser resguardo suficiente devido
aos cada vez melhores meios navais de que os piratas dispõem.
Mas
a mais robusta reacção foi já despoletada por países europeus, com a União
Europeia a criar um mecanismo composto por países como Portugal, França,
Espanha e Itália, a que se junta agora a Dinamarca com uma fragata e 175
militares, que garante a presença permanente de meios navais de reacção e
coordenação permanente, método semelhante ao que foi utilizado na costa
oriental do continente - Corno de África/Somália - nos últimos anos.
O
IMB também entende que a única resposta capaz de colocar termo a esta situação
é o aumento da troca de informações e coordenação da resposta entre países e as
companhias de transporte, bem como impulsionar mecanismos para a elaboração de
legislação abrangente em estreita colaboração com os países e as suas
organizações sub-regionais, como a CEDEAO, a CEEAC ou a SADC.
Isto,
porque a pirataria naval nesta região, para além de perigosa para as pessoas
que trabalham no sector dos transportes marítimos, apresenta custos astronómicos,
como o refere o relatório de 2018, o mais recente, elaborado pela ONG Oceans
Beyond Piracy, onde é revelado que, nesse ano, os ataques a navios custaram
cerca de 820 milhões de dólares.
E,
no entanto, os países que integram esta vasta região já possuem desde 2013 um
acordo abrangente, denominado Código de Conduta de Yaoundé, assinado na capital
dos Camarões, onde os signatários dispõem de um "mapa" de acção definido,
embora as dificuldades em meios materiais dificultem a acção.
Mas,
agora, para ultrapassar essas dificuldades, a ICC e o IMO estão a preparar um
sistema que permita apoiar os países da região menos capazes de forma a que
estes possam cumprir o disposto no Código de Conduta assinado em 2013.
Outro
passo importante na resposta a este problema é esperado em Maio, quando o grupo
criado no âmbito do Comité para a Segurança Marítima vai reunir para expor
propostas que visam atacar o problema de forma mais abrangente.
Angola
Em
Angola, este assunto tem merecido atenção nos últimos anos, com, por exemplo, o
estabelecimento de um acordo de cooperação entre as Marinhas de Guerras da
África do Sul e de Angola, de 2014, que perspectivava acções conjuntas de
resposta e dissuasão ao longo da costa Atlântica.
Luanda
lançou ainda, em 2019, a "Operação Transparência no Mar", composta
por cerca de 50 navios e helicópteros, incluindo o Ngola Kiluanje P200 da
Marinha de Guerra (MGA), com capacidade de rastreamento de embarcações pirata.
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