“Clepsydra 1920-2020 – Estudos e Revisões”, coordenado
por Catarina Nunes de Almeida, é apresentado amanhã em Macau. Uma obra que traça
um olhar sobre o único livro que Camilo Pessanha deixou através de uma série de
ensaios, alguns deles com novos dados sobre o poeta português. Editado em
Portugal e em Macau, o livro é lançado amanhã na sede da Casa de Portugal com a
chancela da editora COD. Será também lançada a obra “Ladrão de Tempo”, de
Carlos Morais José
Como surgiu a ideia de reunir este conjunto de ensaios
sobre “Clepsydra”?
Inicialmente
pensámos em fazer um evento público para celebrar os 100 anos da publicação de
“Clepsydra” através de umas jornadas, que iriam acontecer na Biblioteca
Nacional. Esta ideia partiu de mim e do professor Gustavo Rubim [da
Universidade Nova de Lisboa], que por motivos pessoais teve de se afastar do
projecto. Mas a pandemia veio alterar tudo, e para não se perderem estes contributos,
uma vez que a maior parte das pessoas já tinha aceite falar na ocasião,
decidimos transformar as jornadas em livro. A ideia nasce desta linha de
investigação que é o ORION, o orientalismo português. Neste momento sou eu que
coordeno esta linha [na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (FLUL)] e
já temos feito alguns trabalhos de investigação sobre Camilo Pessanha e a sua
relação com a China e Macau.
O que é que este livro traz então de diferente?
Queríamos
fazer algo um pouco mais abrangente e não ficarmos apenas pela parte
orientalista de Pessanha, mas celebrar esse livro discreto que ele nos deixou,
que até se pode dizer que de orientalista tem muito pouco, uma vez que é
encarado como sendo, talvez, o melhor exemplo do simbolismo português. Reunimos
especialistas, e entram os nomes incontornáveis em torno da investigação de
Camilo Pessanha, que é o caso de Paulo Franchetti ou Daniel Pires. Mas depois
também chamámos investigadores novos, que, não sendo especialistas das obras de
Camilo Pessanha, poderiam de facto pensar sobre a obra e trazer novos
contributos.
Duarte Drummond Braga, por exemplo, é um desses autores,
que tem escrito muito sobre o orientalismo.
Sim,
o Duarte e eu somos os dois representantes do ORION, essa linha de investigação
do Centro de Estudos Comparatistas [da FLUL]. De facto, o texto que ele escreve
para este volume está directamente relacionado com essa vivência de Camilo
Pessanha na China e em Macau. No entanto, depois há outros trabalhos que não se
cruzam tanto com esta temática. Mas sim, o Duarte é um dos pensadores desta
nova geração de académicos que tem trazido muitas coisas novas sobre Pessanha,
nomeadamente relacionando-o com a Geração de Orfeu, que vem logo a seguir à
dele e que o considera um mestre. Ele [Camilo Pessanha] vai ser um mestre para
Pessoa e para os restantes poetas de Orfeu.
Pessanha foi importante para poetas de gerações
seguintes?
Pessanha
tem sido muito lembrado já no novo milénio. Foi celebrado pela Comissão
Asiática da Sociedade de Geografia de Lisboa nos 90 anos da sua morte, em 2016.
Depois foi lembrado em 2017 quando foram os 150 anos do seu nascimento. Mas
acho que a tónica tem sido a figura do Pessanha nas suas múltiplas facetas, de
tradutor, sinólogo, professor e jurista. Mas a obra magistral que ele nos deixa
não tinha sido ainda objecto de trabalho nenhum. A verdade é que ele é visto
como um mestre, não só para a primeira Geração de Orfeu. Tem sido continuamente
designado de mestre por poetas como Eugénio de Andrade, que também esteve em
Macau. Eugénio de Andrade tem um livro muito interessante, “Pequeno Caderno do
Oriente”, em que a figura central é Camilo Pessanha. Temos António Barahona, o
próprio Gastão Cruz, e mais recentemente Manuel de Freitas. São poetas mais
recentes e estamos sempre a encontrar um diálogo nas poesias. Muitas vezes vão
buscar versos de Pessanha para compor novos poemas. Tem sido tão continuo este
diálogo com a obra ao longo destes 100 anos que passaram que acho que seria uma
pena deixarmos passar esta efeméride centrada numa obra fundamental e que, para
muitos, é a mais importante da poesia portuguesa.
Um dos capítulos do livro é da sua autoria, e é sobre
Pessanha lido hoje. Como é que Pessanha é hoje lido, além dessas referências
dos poetas contemporâneos? É um autor próximo dos leitores portugueses? Não é
uma poesia fácil.
Requer
alguma maturidade, e talvez por isso seja um pouco marginal do ensino básico e
secundário. Depois encontramos essa poesia mais facilmente na universidade. Um
currículo de literatura portuguesa não deixará de incluir Pessanha, que é o
representante da Escola Simbolista. Ele acaba por estar presente de uma forma
discreta mas mais entre poetas, é aí que o vamos encontrar. E por isso dei o
título “representar, rescrever e reconhecer um poeta”. Porque são estas três
fórmulas que vamos encontrar nos exemplos que recolhi para o ensaio.
“Representar” porque sendo uma figura muito lacónica, há muito pouca informação
que seja absolutamente credível sobre a sua figura. Ele foi sendo representado,
e essas lacunas foram sendo aproveitadas pelos próprios escritores para
ficcionarem a sua figura. A verdade é que ele é personagem de romances, de
novelas, como é o caso de Agustina Bessa-Luís, em “A 5ª Essência” e de Paulo
José Miranda em “O Mal”. De algum modo a literatura delicia-se até com essas
lacunas porque vai aproveitar tudo o que não sabe para criar por si.
Mas na poesia há uma ligação diferente.
No
caso da poesia há esse diálogo inter-textual. Os poetas não precisam de o
apelidar de mestre mas acabam por resgatar e revisitar alguns dos seus poemas,
muitas vezes usando um ou outro verso, muitas vezes colocado em itálico, e
escrevem um novo poema. Tem havido muito o outro lado da homenagem, não só com
a obra que já referi, de Eugénio de Andrade, como o próprio Daniel Pires, que
escreve um ensaio neste volume. Se há continuamente este tipo de impulsos, de
escrever sobre ou para homenagear Pessanha, quer dizer que há muita vitalidade
na sua obra, e há ainda que a pensar no final destes 100 anos, fazer um
balanço.
Apesar de ser apenas uma só obra, “Clepsydra” é muito
rica em análise.
Exactamente.
É uma obra tão pequenina, de um autor discreto, que viveu quase como um
exilado, longe da metrópole, e no entanto não o deixámos cair no esquecimento.
E importa perguntar porquê, mas acho que a melhor resposta que temos é abrir a
“Clepsydra” e lê-la.
Este conjunto de ensaios aborda menos o Pessanha homem, a
sua personalidade e feitos além da literatura.
Não
tínhamos tanto essa intenção. A nossa ideia era centrarmo-nos na “Clepsydra”,
embora depois haja pontes para pensar essas questões. Por exemplo, é
incontornável essa relação de Pessanha com Macau e com a China. Há um estudo de
Daniel Pires que não deixa de nos trazer alguns dados novos muito importantes
que não têm directamente a ver com a “Clepsydra”. Ele traz-nos com este ensaio
um inventário daquilo que era a biblioteca de Pessanha que estava em Macau. Ele
[Daniel Pires] nas várias viagens que foi fazendo conseguiu ir reunindo essa
listagem das suas obras e sabemos que este tipo de inventários, do que é uma
biblioteca de um autor, podem ter um contributo importante para a análise da
obra. Outro exemplo importante é o trabalho do Ricardo Marques, que é o acesso
ao que foi a crítica de Clepsydra no momento em que ela sai, nas revistas da
Geração Orfeu.
Já existe uma data para a apresentação deste livro em
Lisboa?
A
obra acabou de sair em Portugal mas deixa-me muito feliz que acabe por ser
apresentada em primeiro lugar em Macau. Ainda não temos data de apresentação em
Lisboa, mas é possível que seja em Janeiro. Fico muito contente, pensando pela
cabeça e coração de Pessanha, que a obra seja apresentada primeiro em Macau.
Camilo Pessanha tem de facto uma comunidade de leitores muito importante em
Macau. Andreia Silva – Macau in “Hoje Macau”
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