A
obra “Portugueses em Macau” atravessa vários séculos desde a chegada dos
portugueses ao território até aos dias de hoje. Mais do que isso debruça-se
sobre os factores que levam os portugueses a ficar e a perspectivar um futuro
no Oriente ou a partir para outras paragens. O livro, da autoria de Vítor
Teixeira e Susana Costa e Silva, será lançado no próximo domingo, pelas 17:30,
no Clube Militar
O que faz com que os
portugueses continuem a querer conhecer Macau? Instalarem-se cá, arranjar um
emprego, eventualmente criar uma família? O que os faz também vir e voltar –
para Portugal ou para o mundo? “Portugueses em Macau”, um livro da autoria de
Vítor Teixeira e Susana Costa e Silva, responde, de certa forma, a estas
questões, através de um trabalho feito com base na História, mas também nos
testemunhos de 20 entrevistados que vivem actualmente em Macau ou que já de cá
saíram.
A obra, que foi editada pelo
Jornal Tribuna de Macau e resulta de um estudo financiado pelo Instituto de
Estudos Europeus de Macau, será lançada no domingo no Clube Militar, pelas
17:30. Este trabalho surgiu de “um impulso antigo” de Vítor Teixeira, que se
começou a materializar em termos de investigação e preparação “de algo mais
substancial” em 2013, quando assentou na RAEM. O livro é “apenas um contributo,
um pródromo para algo maior”. Contudo, sempre foi uma ideia desde que aportou
“pela primeira vez, há quase 20 anos,” em Macau.
Numa perspectiva muito pessoal
e daquilo que apurou nas entrevistas que conduziu, Susana Costa e Silva disse à
Tribuna de Macau acreditar que, no futuro, os portugueses que “sairão serão
mais certamente deste último grupo, essencialmente os “millenials”, no sentido em que vieram para Macau como podiam ter
ido para Singapura, como podem ir para a Malásia ou outro sítio”, uma vez que
não perspectivam – à semelhança da geração X – um emprego para a vida e uma
carreira normalmente desenrolada sempre no mesmo lugar.
Chegou ao território “uma leva
de jovens entre 2013 e 2015, altura da crise” porque havia mais oportunidades
de trabalho cá do que aquelas que se afiguravam em Portugal. Macau apresenta-se
como local interessante a nível profissional, contudo um interesse difícil de
sustentar a longo prazo, afirmou a autora. “Uma pessoa que está há quatro ou
cinco anos na mesma posição quer crescer, quer continuar a carreira… Se quiser
fazer carreira internacional não vai poder ficar em Macau toda a vida. Quanto
maior a ambição, maior a necessidade de catapultar a experiência adquirida aqui
para outros contextos”, explicou. Há muitas oportunidades, contudo, “se não
houver raízes familiares cá, não sei se é possível manter essa ligação por muito
tempo”.
São, aliás, as ligações um elo
muito importante para esta geração, na perspectiva da autora. “Fiquei com a
ideia de que as gerações mais novas precisam muito da ligação afectiva à
restante diáspora portuguesa, porque é muito difícil sobreviver a Macau se não
houver esse laço afectivo. E existe efectivamente”, sublinhou Susana Costa e
Silva, acrescentando que, quanto melhor o acolhimento, maior a inserção na
comunidade e, assim, maior a probabilidade de permanecerem no território.
Há também quem venha e que de
certa forma inicialmente autojustifique a decisão que tomou de se mudar e que
“nunca vai admitir perante os amigos que o lugar para onde se expatriou tem
mais desvantagens do que aquelas que inicialmente conseguiu antecipar” – é
precisamente nesta matéria que Susana Costa e Silva tem uma posição algo
crítica. “Isto é típico do português, além de que vemos aquele que teve a
coragem de sair da sua zona de conforto para experimentar viver numa zona que
não lhe era familiar a nível pessoal e profissional como arrojado,
empreendedor, disposto a correr o risco para descobrir coisas novas”, explicou.
Para a autora é preciso ter
capacidade de resiliência, algo que têm “os que cá permanecem”, mas é também
essa resiliência que os limita a regressar a casa novamente. “A mudarem-se [os
portugueses] vão para Singapura, para Londres, porque se voltarem para Portugal
vão perguntar se as coisas correram mal e as pessoas não se querem expor a esse
sentimento”, rematou, clarificando que não só acontece em Macau, como noutros
contextos, como Angola ou Brasil.
Isto não impede, porém, que
haja quem se apaixone “com o tempo”. “Há quem seja capaz de fazer o balanço e
dar por terminada a missão que tinha a cumprir em termos pessoais ou
profissionais e partir para outra. Ou então decidir que é o lugar onde quer
ficar porque já se sente em casa”, afirmou Susana Costa e Silva. “O sentir-se
em casa para o português é fundamental. Se se sentir em casa em Macau vai ficar
cá e um dia, mesmo que tenha de regressar, vai deixar ficar aqui uma marca, ou
ficar marcado”, acrescentou.
Os
“believers”
A maior clivagem que encontrou
foi entre o grupo de portugueses que sempre cá viveu, os também denominados de
“believers”, e aqueles que agora
procuram o território ou “makers”.
Foi exactamente ao conversar com pessoas que pertencem a essa geração mais
velha que percebeu que “muitas já não sabem viver em Portugal”, daí se terem
estabelecido e continuarem a morar por cá: “Macau, que é muito mais
sobrepovoada [comparando com Lisboa, por exemplo] confere maior estabilidade
porque dá mais certeza, parece que as pessoas sabem com o que podem contar.
Algumas ficam porque gostam efectivamente e outras ficam porque já não sabem
viver noutro lugar”.
Susana Costa e Silva relembrou
até o exemplo de um entrevistado que disse “Portugal pode ser a minha pátria,
mas Macau é a minha mátria”. Claro que continuam a ter uma grande ligação ao
país de origem, “mas não é a mesma coisa desta geração mais nova que mais
depressa decidiu vir como decide mudar para outro lugar ou regressar”. A
ligação que estas pessoas têm à diáspora portuguesa acaba por lhes dar um
sentimento de conforto para que continuem aqui a viver.
O factor segurança foi um dos
que todos os entrevistados realçaram, nomeadamente em termos da sua própria
segurança e dos bens pessoais: “Foram unânimes em admitir que vivem um clima de
maior segurança cá do que se vivessem noutro local. Mesmo na Europa essa
segurança em relação aos bens pessoais não é tão óbvia como aqui”.
O
que os leva a partir
A insatisfação, de forma
geral, relativamente ao território é o que faz com que muitos portugueses
regressem a casa ou se desloquem para outros países. Cansaço e dificuldades em
gerir a vida diária, aliados a problemas como poluição, trânsito e confusão de
pessoas foram alguns dos factores apontados pelos entrevistados que saíram de
Macau. “Por exemplo, o facto de ser fácil arranjarem uma empregada que ajuda na
vida familiar também foi realçado, mas não parece ser suficientemente
compensador para ultrapassar [os outros problemas]”, explicou Susana Costa e
Silva, realçando que nada tem que ver com a motivação pessoal ou profissional.
Alguns dos entrevistados
falaram da dificuldade com que viam os filhos pequenos crescerem num território
“menos aberto a experiências novas” e que Macau não é necessariamente o lugar
ideal para que os filhos passem as fases de infância e adolescência. O facto de
andarem numa escola internacional, onde estão expostos a uma multiculturalidade
que não existiria noutro contexto, é visto como positivo só até certo ponto. “A
partir de determinado ponto era preferível terem uma vida ao ar livre, mais
saudável do que aquela que Macau lhes proporciona”, frisou.
Além disso, a barreira
linguística e cultural “muito forte” faz com que as pessoas não consigam criar
laços de amizade que vão para além das relações profissionais com quem “já tem
uma vivência muito própria de Macau, que sempre viveram cá”. Susana Costa e
Silva considera que um dos grandes problemas se prende com o estabelecimento de
laços com a comunidade local e dá um exemplo.
“As diásporas que vivem por
exemplo no Brasil não se queixam disso porque é muito fácil criar laços, não é
apenas pelo facto de falarem a mesma língua, mas por ser mais fácil criar
afinidade. Aqui mesmo que ambos falem inglês, não é a língua nativa de nenhum
dos dois e convenhamos um chinês a trabalhar em Macau não tem tanta proximidade
com um português como teria um brasileiro ou até um angolano”, concluiu.
Um trabalho que durou anos
através do qual a autora, que nunca viveu em Macau, conseguiu “aprender imenso”
sobre as características destes diferentes grupos que compõem a comunidade
portuguesa no território. E que está sempre em movimento.
A obra, escrita em português e
inglês, explica a história dos Portugueses em Macau, desde a sua chegada no
século XVI, até aos dias de hoje, bem como os factores que os levaram a
permanecer no território, mesmo depois da transferência de administração, em
1999, e a perspectivar a sua permanência nesta região administrativa especial
chinesa no futuro. Catarina Pereira – Macau
in “Jornal Tribuna de Macau”
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