Há
diferenças substanciais entre os portugueses que vieram para Macau antes da
transição e a geração que chegou principalmente depois da crise financeira
global de 2008. Um novo livro procurou conhecer essa geração de
auto-expatriados, para quem regressar a Portugal não é tão importante e que se
envolve em actividades culturais
“Contributos para uma história dos Portugueses a viver em Macau”, apresentado
no Clube Militar, dedica uma parte considerável à última leva de portugueses
que chegaram à Região, uma “diáspora recente de auto-expatriados”, como os
autores a designam, e que “é relevante pelo seu número, importância
socioprofissional, cultural e pelo ‘renascimento’ da ‘comunidade’ portuguesa em
Macau”.
Vítor Teixeira e Susana Costa
e Silva fizeram, para poder escrever este livro, “19 entrevistas pessoais a
Portugueses vivendo presentemente no território e que aqui trabalham e
radiculam as suas famílias, independentemente da sua naturalidade, idade, nível
de instrução, ou formação profissional”. Destes 19 (14 homens, 5 mulheres),
apenas 4 chegaram antes de 1999; em contrapartida, 7 estão em Macau a partir de
2009, representando a tal comunidade que mais atenção merece neste trabalho,
destacando os autores, por exemplo, “a sua presença em força em eventos
lusófonos ou de matriz portuguesa”.
O livro, contudo, procura
elementos comuns às três levas de imigração (antes da transição, 2000-2008 e
depois de 2008), concluindo que “clima hostil, humidade, calor, tufões,
culturas diferentes, culinárias, poluição, língua chinesa difícil, a muitos dos
que chegam chocam, mas vão-se adaptando. Depois, embrenham-se e vão
cristalizando como tantos Portugueses que já ‘não são portugueses’, que por
aqui foram ficando desde serviços militares, comissões há décadas. Outros
vieram para estudar no Seminário diocesano, outros são ex-sacerdotes, outros
mais casaram-se com senhoras chinesas, as mais as vezes, num processo quase
total de significação de muitos deles”.
Relativamente aos expatriados
mais recentes, “ainda faltará muito para chegar a esses patamares de
inculturação tão profundos, se chegarem. Já não temos expatriados como
Pessanha, que se embebeu da cultura e língua chinesas. Hoje o cenário é
diferente: fala-se inglês, diluem-se barreiras culturais mais facilmente, a
integração é grupal, não no todo do território. Muitos dos recém-expatriados
sentem que cá estão até não sei quando, ou mudam-se mesmo um dia, quem sabe,
para outro destino, Hong Kong por exemplo, China continental ou outro destino
no Oriente. Ou alguns regressar a Portugal, quem sabe…”
Regressar
a Portugal?
Uma das marcas que os autores
registaram, a partir do trabalho de campo, é que “regressar pode contar para
alguns, mas não é a preocupação dominante”. E explicam porquê: “No todo, entre
todos os Portugueses de Macau, por vontade própria aqui estabelecidos, ou
perseguindo projetos empresariais ou em deslocações mais ou menos temporárias,
colocações ou estágios, o sentido da família acabou por se vincar aqui,
perpetuando as marcas culturais mais importantes dos Portugueses: a importância
das relações familiares. O que acaba por criar as bases da continuidade por
terras de Macau de muitos expatriados lusos, com a retaguarda familiar de apoio
definida e consolidada”.
É, por isso, acentuam Teixeira
e Silva, “uma emigração diferente das vagas migratórias portuguesas anteriores
para outros destinos, sem tantas preocupações de retorno, de remessa de
divisas, de vínculos consulares fortes ou passando por etapa de sacrifício e
pobreza, ou seja, de viver no destino de migração de forma pobre, discreta e
voltado para dentro do grupo, amealhando poupanças para o regresso”.
Numa das conclusões mais
revelantes do livro, os autores sublinham que “temos [em Macau] uma diáspora
mais intelectualizada, mais culta até, com alguns interesses culturais,
artísticos e associativos, com diploma na mão, contrato já à vista ou efetivo,
tudo mais ou menos definido e preparado antes da viagem de ‘adeus/ até já’ de
Portugal para Hong Kong e depois, no jetfoil de todas as esperanças e anseios,
Macau”.
Outra observação final feita
por Vítor Teixeira e Susana Costa e Silva: “em regra, gosta-se de estar em
Macau”. Os autores explicam que “a maior parte dos portugueses habitua-se a
estar cá, não é preciso manual de sobrevivência nem guia; há sempre um amigo,
conhecido, alguém que irá dar o empurrão ou arranjar a morada em chinês para o
taxista, ou indicar o nome certo no serviço do governo para se acelerar
processos ou procedimentos, à boa maneira portuguesa”. E neste contexto citam a
palavra que “o saudoso escritor macaense Henrique de Senna Fernandes”
imortalizou: “xuxumeca-se”; “oh, uma xuxumeca, instituição da cultura macaense
tão ao gosto português, claro…”.
“Colonialismos
espúrios ou saudosismos anacrónicos”
A propósito da “xuxumeca”, “Contributos para uma história dos
Portugueses a viver em Macau” lembra que há “valores culturais que se vão
perdendo, como o patois macaense, a Dóci Papiaçam di Macau, embora os novos
expatriados acorram aos espetáculos em defesa da preservação da identidade e
cultura macaenses, embora de forma esporádica e sem sentido de comunidade”. Há
também algumas associações culturais, centros de artes, projectos e instalações
que “motivam e ativam alguns dos novos expatriados, tentando insuflar-lhes
alguma pertença à comunidade e ao território, mas muitas vezes a efemeridade
vence a perseverança e continuidade, ou mesmo a disseminação e
interculturalidade”.
Vítor Teixeira e Susana Costa
e Silva sentiram-se movidos pela necessidade de “seguir a pegada portuguesa de
Macau”, acrescentando que “na história, no património, na memória, na cultura
(imaterial, material…), sociedade, economia, geopolítica, enfim, urge tomarmos
o pulso de uma ‘comunidade’ (chamemos assim) estabelecida na margem direita do
Delta do Rio da Pérola há cerca de 500 anos”.
“Os Portugueses em Macau, na
contemporaneidade, são o escopo deste estudo”, afirmam nas conclusões,
detalhando: “Os Portugueses vieram mesmo para ficar, depois de Jorge Álvares,
ou mais tarde apenas, mas ficaram. A sua pouquez de gentes, adaptou-se,
misturou-se, implantou-se e estabeleceu-se, fez de Macau uma terra portuguesa,
com certeza, leal como nenhuma mais, indómita e ciosa dos seus direitos, uma
república cristã na China. Coabitou, tolerou, foi tolerada, houve de tudo nesta
história semi-milenar, para o bem e para o mal: mas os portugueses aqui seguem,
na sua marcha de vida, não interessando já colonialismos espúrios ou
saudosismos anacrónicos, mas apenas pragmatismo e sentido de existência
preocupado com o devir de uma terra que lhes está no coração e mantendo a
pegada lusa bem marcada”.
“Contributos para uma história dos Portugueses a viver em Macau”/” A history of Portuguese people in Macao —
History contributes” [a edição é bilingue] surgiu através de uma bolsa de
investigação obtida em 2016 “com vista à compreensão dos fatores que explicam a
história dos Portugueses em Macau, desde a sua chegada no século XVI, até aos
dias de hoje”. Vítor Teixeira é professor da Escola das Artes da Universidade
Católica e Susana Costa e Silva é professora da Católica Porto Business School
e professora visitante na Universidade de São José. O livro tem o apoio do
Instituto de Estudos Europeus de Macau e é editado pelo Jornal Tribuna de Macau.
João Meneses – Macau in “Ponto
Final”
Sem comentários:
Enviar um comentário