O governador do estado do Rio
de Janeiro, Wilson Witzel, assinou uma lei, no dia 28 de março, que declara o
folclore português como patrimônio histórico e cultural, de natureza imaterial,
do estado fluminense. A lei nasceu por iniciativa da deputada estadual Martha
Rocha, que mantém ligações com Brasil e Portugal.
A lei número 8.321 determina
que “o folclore português e todas as suas manifestações artísticas, como o
fandango, a dança de roda, a valsa de dois passos, a chotiça, o corridinho, o
vira, o verde-gaio e todas as demais manifestações artísticas de domínio
público, com a finalidade de preservar a cultura e a memória portuguesa no
Estado”, fazem agora parte da lista de atividades históricas e culturais
destacadas pelo governo do Rio.
Por meio dessa lei, o poder
público poderá “celebrar convênios com entidades ligadas à cultura, ao turismo
e ao lazer, com a finalidade de assegurar a história e de fomentar o
conhecimento sobre o folclore português e suas manifestações artísticas”. Ainda
segundo a redação do documento, “as instituições de ensino luso-brasileiras ou
de promoção da cultura portuguesa, situadas no Estado do Rio de Janeiro,
deverão desenvolver ações de divulgação da história, cultura e eventos em suas
oficinas, debates e aulas temáticas sobre o folclore português e suas
manifestações artísticas”.
Maior
visibilidade
“O objetivo da lei é preservar
a cultura e a memória portuguesa e nada melhor do que ser no Rio de Janeiro,
Estado com a maior comunidade portuguesa no Brasil. A riqueza do folclore é
linda e precisa ser perpetuada”, explicou a deputada Martha Rocha, que
sublinhou que, com a nova lei, a cultura da comunidade portuguesa no Rio “vai
ganhar maior visibilidade”.
Essa deputada estadual espera
que a lei funcione como um “marco” nas relações entre Brasil e Portugal e
sugere que, para que seja efetiva, as entidades e associações culturais
portuguesas no Rio devem propor ações.
“Acredito que o caminho agora
seja procurar o governo do Estado para selar parcerias”, reforçou Martha Rocha,
que revelou que essa iniciativa foi impulsionada pelo seu amor por Portugal.
“Esse projeto nasceu da minha
admiração pela cultura portuguesa. Desde criança ouço as músicas, danço e quis
trazer isso para o Rio. Como filha de um casal de portugueses oriundo de uma
aldeia da região de Trás-os-Montes, o meu coração se enche de alegria e
esperança. Esse era um sonho antigo. E para reafirmar o meu amor por Portugal
apresentei na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) seis projetos de
lei em homenagem aos portugueses”, comentou Martha Rocha, que afirmou que não
teve dificuldades em conseguir apoio para seguir com o projeto.
“Confesso que não tive
dificuldades em conseguir o apoio dos demais deputados. Os portugueses são
extremamente amados e queridos. O meu amor por Portugal vem de berço, porque os
meus pais, Emília e Horácio, sempre fizeram questão de que eu e os meus irmãos
entendêssemos a importância desse país nas nossas vidas. Cresci ouvindo músicas
portuguesas, admirando a cultura e visitei Portugal algumas vezes. Tenho muito
respeito e admiração pelo povo português. O carinho entre os dois povos é
recíproco. Acredito que com a realização de eventos na cidade maravilhosa haja
tendência de ainda mais aproximação”, finalizou Martha Rocha.
Manter
viva as tradições
Em declarações à nossa
reportagem, o governador do Rio de Janeiro defendeu a pertinência da lei e
realçou o papel dos portugueses no Estado.
“Considero essa lei de extrema
importância para ajudar a manter viva, no nosso Estado, a cultura de um povo
que ajudou a construir a identidade do carioca e do fluminense. O Rio de
Janeiro foi fundado por portugueses e, até hoje, esses traços podem ser vistos
nas nossas calçadas, prédios históricos, culinária e, principalmente, no nosso
povo. Mesmo após a independência do Brasil, continuamos recebendo, de braços
abertos, muitos imigrantes da querida terrinha. Temos orgulho em sermos o
Estado com a maior comunidade portuguesa do Brasil. Vamos trabalhar para
fortalecer os laços entre Portugal e o Rio de Janeiro, disseminando ainda mais
a tradição e o folclore lusitanos”, comentou Wilson Witzel.
Por sua vez, o cônsul-geral de
Portugal no Rio de Janeiro, Jaime Leitão, recordou a força das ligações entre
Brasil e Portugal.
“Congratulo a deputada
estadual Martha Rocha pela oportuna iniciativa que levou à aprovação da lei. O
que sucedeu é mais uma confirmação do reconhecimento por parte do Brasil e do
estado do Rio de Janeiro, em particular, da relevância da cultura da comunidade
portuguesa para a sociedade brasileira, e, muito especialmente, para as
comunidades carioca e fluminense, cultura na qual se integrou dando o seu
melhor nos vários campos do comércio, da cultura e da política”, destacou o
diplomata, que mencionou que este é o momento para se aproveitarem as
oportunidades que poderão surgir dessa iniciativa.
“O folclore e as suas
representações artísticas – danças, músicas, cantares, e coreografias multicolores
– são bem a expressão de um povo alegre e orgulhoso das suas tradições. Esta
lei que permite também que o poder público celebre convênios para promover
ações de divulgação desta expressão artística é uma oportunidade para agentes
econômicos e culturais, sobretudo aqueles mais jovens que agora querem entrar
no mercado, apresentarem propostas inovadoras para integrar o folclore
português em manifestações e eventos públicos da mais variada natureza”,
enfatizou Jaime Leitão.
Já o deputado português Carlos
Páscoa, em atuação pelo círculo fora da Europa, atestou que a comunidade
portuguesa no Rio merece essa homenagem.
“Acho que para a comunidade
portuguesa essa é uma iniciativa de muito valor. A lei é uma forma de
demonstrar para todos, e, em particular, para a nossa comunidade, que as nossas
tradições, a nossa cultura na vertente do folclore têm um grande peso na
divulgação do nosso trabalho. A deputada Martha Rocha é uma amiga com cidadania
portuguesa e tem sensibilidade para esse trabalho e eu só posso me associar a
isso parabenizando-a pela iniciativa e, obviamente, colocando-me disponível
para algo que eu possa contribuir para a melhoria dessa iniciativa”, completou
Carlos Páscoa.
Flávio Martins, presidente do
Conselho Permanente do Conselho das Comunidades Portuguesas (CCP), disse ser
necessário avaliar os próximos passos a seguir à aprovação da lei.
“Aplaudimos a iniciativa da
deputada Marta Rocha que, de início, tem um caráter simbólico de reconhecimento
e caberá à comunidade portuguesa estabelecer contatos com o governo do Estado
para que a lei seja bem regulamentada, pois, se não, será letra morta. Será que
temos fôlego e organização para isso? Vamos comemorar e agradecer. Fica
assinalada a importância desse rico patrimônio cultural, mas precisaremos estar
atentos às próximas etapas”, sugeriu Flávio Martins.
Lideranças
“esperançosas”
A nossa reportagem conversou
também com algumas das principais lideranças da comunidade portuguesa no Rio,
todas ligadas a entidades que mantém ranchos folclóricos no âmbito das suas
atividades culturais regulares.
O presidente da Casa das
Beiras, José Henrique Ramos da Silva, disse estar a planear utilizar a dimensão
dessa lei para atrair a atenção de um novo público participante no rancho
folclórico da Casa.
“Todas as iniciativas vindas
das autoridades brasileiras são um benefício muito grande para o fortalecimento
da comunidade portuguesa. Isso mostra que estamos bastante ativos dentro do
meio político também. Acho que essa lei vai ajudar muito as casas portuguesas e
os seus ranchos folclóricos. Vamos tentar captar esse novo público carioca,
filhos de portugueses, que ainda não tem contato com a nossa comunidade, com as
nossas casas regionais. Se conseguirmos arranjar um mecanismo para que eles
venham para as nossas casas, isso seria muito bom para o fortalecimento dos
nossos grupos folclóricos, pois temos cada vez menos componentes. A renovação é
muito lenta. Na Casa das Beiras vamos explorar esse ponto e vamos criar um
mecanismo através das nossas redes sociais, dos media, do boca a boca para que
consigamos utilizar o benefício dessa lei para captar novos integrantes para o
nosso Rancho Folclórico Benvinda Maria”, contou José Silva.
Alcídio Tomé Morgado,
presidente da Casa do Distrito de Viseu, elogiou a publicação da nova lei e
disse esperar que o governo português tenha esse mesmo reconhecimento.
“Recebemos isso com muita
alegria e muita satisfação. Até que enfim houve reconhecimento por parte das
autoridades em relação ao nosso folclore. Esperamos que isso tenha uma grande
divulgação não só entre as casas regionais, mas também em todo o Estado. Para a
Casa de Viseu, e para todas as casas que têm grupos folclóricos, é de suma
importância esse reconhecimento. Queremos que Portugal também tenha essa visão
que o Estado do Rio teve com essa lei. Há décadas mantemos o folclore no Brasil
e essa lei é muito importante para os nossos folcloristas, além de ajudar e
muito na divulgação das nossas tradições”, comentou Alcídio Morgado.
Para o presidente da Casa da
Vila da Feira e Terras de Santa Maria, Ernesto Boaventura, o folclore português
no Brasil é mantido por amor a Portugal.
“Achamos muito bom receber o
reconhecimento das autoridades pelo que os folcloristas realizam há muitos anos
em prol da cultura e do folclore português. Nunca se fez nada esperando
reconhecimento. Tudo sempre foi feito por amor a Portugal. Vamos ver agora,
após essa lei, se algo vai mudar para que se estimule a divulgação do folclore
e da cultura no Rio de Janeiro e no Brasil”, reforçou este responsável.
João Leonardo Soares,
presidente da Casa dos Açores, reitera que a lei faz com que a responsabilidade
das entidades portuguesas no Rio atinja um novo nível.
“A recente lei estadual é uma
vitória e o reconhecimento, tardio, da importância cultural que esses
agrupamentos folclóricos têm na manutenção das tradições portuguesas no Estado,
vem agora de forma oficial dar valor à preservação da memória dos portugueses
no Rio de Janeiro. São gerações e gerações de portugueses, descendentes e de
brasileiros, sem nenhuma ligação com Portugal, que deram o seu tempo, suor e
amor à causa do folclore português no Rio de Janeiro. Esperamos que a lei possa
salvaguardar as danças, as músicas, o trajar e incentivar as casas regionais a investirem
nos seus grupos folclóricos. Hoje já é feito um trabalho cuidadoso e minucioso
de pesquisa por parte dos diretores e ensaiadores e a nova lei aumenta a
responsabilidade em oferecer ao público a representação mais genuína possível.
Esperamos também que, de alguma forma, possamos trabalhar juntos com o poder
público para uma maior visibilidade, seja através de eventos específicos ou de
apoio a eventos já realizados pela comunidade”, considerou Leonardo Soares.
Agostinho Ferreira dos Santos,
presidente da Casa do Minho, elogiou o empenho dos folcloristas.
“Essa lei vem em boa hora para
valorizar a cultura portuguesa no Rio e no Brasil. O trabalho dos ranchos
folclóricos é de fundamental importância para a imagem de Portugal, sem falar
no grande trabalho desempenhado pelos folcloristas. Parabenizo a deputada
Martha Rocha pela importante e generosa iniciativa”, contou Agostinho dos
Santos.
“Contrapartidas”
Na opinião de Fernando Martins
Soares, presidente do Arouca Barra Clube, apesar da iniciativa, é necessário
haver mais investimentos e atenção ao trabalho das casas regionais portuguesas.
“Ainda temos folclore aqui no
Brasil porque somos bastante bairristas, senão essa atividade já tinha acabado
há muito tempo. As casas portuguesas têm muitos custos e fazem muito esforço
para se manterem. Mas, enquanto algumas pessoas forem vivas, o folclore
português no Rio não vai acabar. As autoridades portuguesas gastam muito
dinheiro em tantas coisas, mas, para a promoção da nossa língua mãe, não fazem
nada, muito menos em relação ao nosso folclore”, criticou Fernando Soares.
Por fim, segundo Renato
Rodriguez Figueiredo, presidente da Casa dos Poveiros, ainda é cedo para
delinear ações.
“Acreditamos que a intenção
foi boa, mas precisamos saber como vai ser na prática e que tipo de
contrapartidas vão exigir das casas. Isso ainda não está claro”, argumentou
Renato Figueiredo. Igor Lopes – Brasil in “Mundo
Lusíada”
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