Depois de mais de seis meses de confinamento, a cultura
está a regressar, gradualmente, aos espaços de Macau. Em moldes diferentes dos
habituais e em circunstâncias especiais, há exposições a inaugurar, um festival
literário já com datas e documentários a estrear
O
Festival Literário de Macau – Rota das Letras já tem data e tema. A Babel vai
apresentar um ciclo de documentários sobre artistas de Macau. Rui Rasquinho tem
desenhos para mostrar. A Orquestra Sinfónica Jovem de Macau tem Beethoven para
tocar. O Festival da Lusofonia quer arrancar. Há cultura a regressar, aos
poucos, ao dia-a-dia da cidade. Há também incerteza quanto à edição deste ano
do festival This Is My City.
Este
ano, o Festival Literário de Macau será mais curto do que as anteriores
edições. Arranca no dia 2 de Outubro e termina no dia 4. “O festival deste ano
decorre em apenas três dias. É significativamente mais pequeno, porque a escala
não se pode comparar com o que aconteceu em anos anteriores, sem a pandemia”,
justificou ao Ponto Final Alice Kok, directora executiva do festival. Assim, o
tema do festival será a pandemia e o confinamento, adiantou.
A
organização do festival ainda está a negociar com o Governo quais os espaços
disponíveis para receber as sessões do festival, “porque, como toda a agenda
foi alterada e muitas actividades foram adiadas para a segunda metade do ano,
alguns locais já estão ocupados”. Como nos anos anteriores, os locais
preferidos pela organização são o Edifício do Antigo Tribunal e as Oficinas
Navais.
Alice
Kok revelou também que existe a ideia de, no dia 4 de Outubro, assinalar o 10.º
aniversário da morte de Henrique de Senna Fernandes com a publicação inédita de
“Nam Van – Contos de Macau”, em língua inglesa e chinesa. Além disso, será
também recordado Camilo Pessanha, a propósito do centenário da publicação de
Clepsidra. Já que o tema é confinamento, está ainda a ser planeada uma
exposição fotográfica com base no concurso organizado pela revista Macau
Closer.
Para
já, não há autores confirmados. Alice Kok não quis revelar detalhes sobre a
programação: “Ainda estamos a perceber qual é a disponibilidade dos autores”.
As conferências, essas, vão ser todas presenciais, sendo também online quando
haja autores convidados que se encontrem no exterior, casos em que falarão
através de uma plataforma de ‘streaming’ para o público em Macau.
O desenho e o documentário
Margarida
Saraiva, directora artística da Babel, contou que a organização cultural vai
dar início ao projecto anual daqui a uma semana, com a exposição “Tanto limpei
a caneta no papel que parece um desenho”, de Rui Rasquinho, que é inaugurada a
20 de Agosto, na Fundação Oriente, e que se prolonga até 21 de Setembro.
O
artista explica o conceito ao Ponto Final: “É uma exposição sobre o desenho,
nas suas várias manifestações”. A disciplina do desenho é dada a entender
através de “formas mais tradicionais, como as marcas num suporte, tinta,
grafite, papel, em madeira”, até aos conceitos “um pouco mais livres”. E, neste
âmbito, dá o exemplo de uma instalação, uma “máquina de desenhar”. “É uma
espécie de uma garrafa que pinga, é uma coisa que provoca um desenho, não
autoral e acidental”, explica, acrescentando que, “depois, o som do pingo a
cair é gravado e amplificado por um amplificador, o som do amplificador é
captado por um sismógrafo, que depois leva o som para um monitor e o monitor
mostra a representação gráfica do sismógrafo, do som da pinga a cair”. A Babel
vai, depois, publicar o livro resultante da exposição de Rui Rasquinho.
Margarida
Saraiva contou que a organização cultural vai, até ao final deste ano, exibir
uma série de documentários sobre a arte contemporânea de Macau. São
“documentários ficcionados”, que “fogem inteiramente ao registo tradicional a
que estamos habituados de documentários sobre a obra de artistas”, descreveu
Margarida Saraiva.
Os
artistas de Macau retratados pelos documentários são Rui Rasquinho, Yo Yo,
Kostantin Bessmertny, Bianca Lei, Candy Kuok, Eric Fok, João Ó e Rita Machado,
e Ung Vai Meng. Os filmes serão realizados por António Faria, Maxim Bessmertny
e Tracy Choi.
Questionada
sobre as dificuldades de organizar eventos culturais durante os meses de
pandemia, a directora artística comentou: “Eu acho que nós vivemos tempos sem
precedentes na história da humanidade com consequências brutais para a produção
cultural. Isso tem a ver com uma restrição progressiva daquilo que são as
liberdades e garantias individuais e essas consequências não são locais, são
globais”. Margarida Saraiva acrescentou apenas que “em função desta pandemia,
tem havido um conjunto de restrições às liberdades fundamentais”, ressalvando
que “a Babel não foi directamente afectada por nenhuma destas restrições”.
A
ARTFEM 2020 – 2ª Bienal Internacional de Macau – Mulheres Artistas também já
tem datas: começa a 30 de Setembro e termina no início de Dezembro, adiantou ao
Ponto Final Alice Kok, que é uma das curadoras do evento. Para já, foram
reunidas 106 artistas, em que cerca de 40 são de Macau. A China e todos os
países lusófonos estarão também representados. “Houve algumas artistas que
deviam apresentar o seu trabalho aqui, mas não tenho a certeza de que poderão
vir”, notou Alice Kok, explicando que a bienal deverá incorporar palestras,
conferências e ‘workshops’.
O
tema é “Natura” – incluindo “o conceito de mãe natureza na tradição folclórica
e etnográfica” e “as questões climáticas para a preservação da natureza”,
adiantou entretanto à Lusa o presidente da comissão organizadora.
Carlos
Marreiros sublinhou que “a pandemia adiou a bienal e estragou a vida a todos
nós”. Mas manter a sua realização este ano foi ponto de honra. “Temos algumas
confirmações e algumas desistências, e temos muitas interrogações, porque as
pessoas querem vir ao extremo oriente, mas as restrições [às viagens] são
terríveis”, explicou, antes de garantir que se encontra, apesar de tudo,
optimista. “Neste momento, devido à pandemia, há obras que provavelmente não
chegarão, (mas) temos já obras connosco para assegurar uma exposição com muita
qualidade”.
Além
de Carlos Marreiros e Alice Kok, são também curadores do evento Leonor Veiga,
em Lisboa, James Chu, de Macau, e Angela Li, da China.
Lusofonia deverá realizar-se entre 16 e 18 de Outubro
O
Festival da Lusofonia ainda tem quase tudo por revelar. Ainda não há detalhes,
mas fonte próxima da organização do festival disse ao Ponto Final que o evento
vai acontecer no fim-de-semana entre 16 e 18 de Outubro.
As
dúvidas existem também em relação ao festival This is My City. Manuel Correia
da Silva contou ao Ponto Final que ainda não há datas para o festival, nem
sequer há a certeza de que este se venha a realizar este ano. “Ainda estamos a
ver exactamente como é que vamos conseguir, dadas as circunstâncias deste ano,
viabilizá-lo ou não. Ainda é cedo para saber”, afirmou Manuel Correia da Silva.
A
principal dificuldade tem a ver com o financiamento por parte do Governo de
Macau, que, segundo o responsável pelo festival, “ainda não está garantido”. “Estamos
neste momento a tentar perceber quando é que conseguimos ter ou não apoio do
Governo”, disse, notando que, nos últimos dois anos, os apoios do Governo têm
sido dados “em cima do acontecimento” e “este ano deve ser a mesma coisa”.
“Eu
continuo a achar que este ano vamos conseguir, sendo que este ano temos a acrescentar
a questão do vírus, que torna tudo um bocadinho diferente”, assinalou Manuel
Correia da Silva. Para o festival, a questão das fronteiras é também fatal: “A
nossa programação tem uma forte presença de gente que vem de fora e este ano
provavelmente não vamos poder contar com isso”. A realizar-se, será a 14.ª
edição do festival.
Alice
Kok é também curadora do Salão de Outono e confirmou que a exposição é
inaugurada a 31 de Outubro na Casa Garden. O Salão de Outono vai apresentar
propostas de artistas, que podem ser apresentadas até ao final deste mês. Em
Setembro, a organização faz a selecção. “Este ano há artistas que querem fazer
performances e eu acho que é boa ideia incluir diferentes formas”, indicou
Alice Kok.
O cinema e a música
A
organização do Festival Internacional de Cinema e Cerimónia de Entrega de
Prémios – Macau (IFFAM, na sigla em inglês) também já confirmou que este ano o
festival se realizará entre os dias 3 e 8 de Dezembro, com um programa de
longas e curtas metragens sob o tema “Uma Celebração da Vida & Do Grande
Ecrã”. Para assinalar o contexto de combate à Covid-19 a nível global, a
organização vai preparar uma secção com uma selecção de filmes em torno da
experiência da saída do confinamento e regresso ao grande ecrã.
Já
este domingo, a Orquestra Sinfónica Jovem de Macau está a preparar um concerto
totalmente dedicado às obras de Ludwig van Beethoven, de modo a assinalar os
250 anos do nascimento do compositor alemão. No Centro Cultural de Macau, a
orquestra dirigida pelo maestro Veiga Jardim vai começar por tocar a peça
“Egmont”, de Goethe, composta por Beethoven em 1809.
Foi
anunciado na quarta-feira que o instituto Cultural (IC) iria adicionar
concertos ao festival Hush!!, que tinha decorrido entre os dias 21 de Junho e 2
de Agosto. “Devido à resposta esmagadora”, o IC decidiu organizar mais dois
concertos, nos dias 22 e 23 de Agosto, no Centro de Arte Contemporânea de Macau
– Oficinas Navais n.º 2, entre as 20 e as 22 horas. Vão actuar os grupos FIDA,
Amulets, Catalyser e Rebel Rabbit, no dia 22 e, no dia seguinte, actuam Asura,
Worktone String Quartet, Single Path e B_Gei3.
O
IC informou também ontem que a recolha de obras para a Exposição Colectiva das
Artes Visuais de Macau de 2020 encerra hoje. Esta exposição é dedicada à
pintura, fotografia, gravura, cerâmica, escultura, instalações, vídeos ou
criações em interdisciplinaridade. André Vinagre – Macau in “Ponto
Final”
andrevinagre.pontofinal@gmail.com
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