Macau tem condições para se tornar no local preferencial
para as questões de arbitragem entre a China e os países lusófonos, acredita a
advogada Fátima Dermawan, que aponta dois motivos: a questão da língua
portuguesa e o estatuto de Região Administrativa Especial. Ainda assim, indica
a causídica, para isso falta “hardware” que passa tanto por um bom centro de
arbitragem como pela formação de profissionais
A
Lei da Arbitragem “é o primeiro passo numa série de melhorias significativas a
ter lugar em Macau enquanto local preferido de arbitragem lusófona de acordo
com as melhores práticas internacionais, tendo especialmente em consideração a
localização estratégica, a economia crescente e a disponibilização de
profissionais qualificados bilingues para eliminar a distância entre a China e
os Países Lusófonos”. Esta ideia consta das conclusões de um artigo intitulado
“A nova Lei da Arbitragem de Macau – Um novo capítulo para a arbitragem em
Macau?”, da autoria da advogada Fátima Dermawan que considera que a RAEM é o
local ideal para a arbitragem entre a China e a Lusofonia, por dois motivos.
“Para
já, a questão da língua. Temos muitas pessoas bilingues e, como a China tem o
desejo de tornar Macau numa plataforma entre os chineses e os países lusófonos,
temos uma grande vantagem em termos de língua. Depois, é também a localização
geográfica de Macau, que é uma região que faz parte da China mas é uma Região
Administrativa Especial e tem as suas leis específicas. Acho que isso é uma
segurança também para os investidores estrangeiros”, frisou a causídica em
declarações ao Jornal Tribuna de Macau.
Questionada
sobre o panorama do sector da arbitragem local, Fátima Dermawan começou por
referir que há “software” para o seu desenvolvimento, uma vez que “temos
finalmente uma lei que é muito organizada e que se inspirou na de Singapura e
de Hong Kong que, na Ásia, são os dois centros de arbitragem internacional”.
No
entanto, falta o “hardware”, ou seja, “a formação dos profissionais aqui e
também os centros de arbitragem, porque até agora os que nós temos têm muito
pouca actividade e para uma instituição crescer é muito importante ter casos,
ter experiência”. “É assim que uma instituição se torna mais sofisticada e
também atrai mais empresas para virem a Macau resolver os litígios por meios
alternativos”, defendeu ainda.
“Pelo
que sei, no Brasil e em Portugal já é um meio bastante comum [a arbitragem],
mas têm as instituições e as pessoas têm formação. Macau tem um grande
potencial mas falta mesmo isso. Precisamos de ter uma câmara de arbitragem como
deve ser”, frisou Fátima Dermawan.
A
advogada que trabalha na firma “MdME Lawyers” explica que há uma diferença
entre o que acontece em Hong Kong ou Singapura e a situação em Portugal, uma
vez que na RAEHK, por exemplo, as câmaras de arbitragem são empresas privadas.
“Em Portugal, acho que não é totalmente privado, é preciso apoio do Governo. E,
como o nosso ordenamento jurídico tem matriz portuguesa, é preciso ter o apoio
do Governo para isso acontecer”, e que “os próprios profissionais tenham
formação para aconselhar os clientes a recorrer a arbitragem”.
Além
disso, “se nos contratos que fazemos em Macau indicarmos sempre os tribunais
para resolver os litígios, assim, nunca vai haver casos suficientes para os
centros de arbitragem”.
No
artigo que escreveu, Fátima Dermawan refere que o Governo estava, no final do
ano passado, a estudar a possibilidade de combinar os cinco centros de
arbitragem existentes no território criando uma instituição internacional
especializada, o que seria positivo. “Em vez de termos vários centros
dispersos, porque não fazemos só um muito bom? Nos países ou regiões que
apostam mais na arbitragem conseguimos identificar um centro, é aquele
específico. Em Macau isso não acontece. Ainda estamos numa fase inicial, o bom
é concentrar os recursos”, sustenta a advogada.
Arbitragem internacional ficou por definir
No
referido artigo, a causídica refere que as principais mudanças trazidas pela
nova Lei da Arbitragem incluem a aglomeração dos conceitos de arbitragem
doméstica e internacional, anteriormente definidos por dois diferentes decretos-lei.
No entanto, ressalva Fátima Dermawan, “ao contrário do antigo regime, não
fornece uma definição para arbitragem internacional ou arbitragem comercial
externa”. “Além disso, a nova lei não distingue o regime aplicável à arbitragem
doméstica e o aplicável à arbitragem internacional”.
No
texto pode ler-se que, embora a opção de regular a arbitragem doméstica e
internacional de uma maneira uniforme seja uma tendência, na maioria das
legislações a nível internacional há disposições “aplicáveis exclusivamente à
arbitragem doméstica e/ou à arbitragem internacional”, referindo uma definição
de arbitragem internacional, abordagem que em Macau não foi adoptada.
Por
outro lado, a nova lei continua a exigir que um acordo de arbitragem continue a
ser firmado por escrito. Porém, a nível internacional, os regimes mais recentes
nomeadamente os adoptados com base no modelo definido pela Comissão das Nações
Unidas para o Direito Comercial Internacional (UNCITRAL, na sigla inglesa)
incluem uma definição mais abrangente do que constitui um acordo de arbitragem
por escrito, incluindo “qualquer documento assinado pelas partes, troca de
cartas, fax, e-mail ou outros meios de telecomunicação escrita”.
A
nova legislação também inclui “importantes disposições de alívio em situações
de emergência, incluindo a adopção de um conjunto de regras específicas e a
adopção de um capítulo separado, dedicado à definição de medidas provisórias e
ordens preliminares, em linha com o modelo da UNCITRAL”.
Nas
conclusões do artigo, Fátima Dermawan frisa que a nova lei “fornece uma nova
ferramenta para o desenvolvimento da arbitragem” no território, no entanto, “o
hardware é determinante no sucesso de Macau” nesta matéria.
Centro de Arbitragem de Consumo instaurou 635 casos desde
1998
O
Centro de Arbitragem de Conflitos de Consumo de Macau instaurou 635 casos de
arbitragem desde a sua criação, em 1998, indicou o director dos Serviços de
Assuntos de Justiça numa resposta a uma interpelação de Ho Ion Sang. Liu Dexue
indicou ainda que o Centro de Arbitragens Voluntárias da Associação dos
Advogados e o Centro de Arbitragem do Centro de Comércio Mundial de Macau
lidaram, por sua vez, com dois e quatro casos respectivamente. No documento,
assegura ainda que o Governo vai aumentar “ainda mais o nível de
internacionalização e de profissionalização dos árbitros, bem como desenvolver
plenamente as vantagens de Macau como plataforma de serviços para a cooperação
económica e comercial entre a China e os Países de Língua Portuguesa”. Inês
Almeida – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”
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