Erline Moreira é um caso de sucesso do ensino musical
português. Tem um percurso brilhante como estudante de fagote. Lançou uma
campanha de angariação de fundos para fazer mestrado na Royal Northern College
of Music, em Inglaterra. De Vialonga a Manchester a distância é mais curta do
que parece. Em concreto, da Escola EB 2,3 daquela vila ribatejana até à Royal
Northern College of Music (RNCM), um dos estabelecimentos de ensino artístico
mais reputados do Reino Unido, com raízes no século XIX. Um percurso que
parecia pouco óbvio para a cabo-verdiana Erlina Moreira, 22 anos de idade,
candidata na RNCM a um mestrado em fagote, seu instrumento de eleição, depois
de uma licenciatura de brio na Academia Nacional Superior de Orquestra, em
Lisboa
Erline
tem em curso uma campanha de angariação de fundos. Precisa de dez mil euros
para garantir o pagamento do mestrado. No final de julho já ultrapassado os
seis mil. A campanha acontece na plataforma Go
Fund Me.
A
história de Erline Moreira é um caso exemplar
de vencer dificuldades. Filha de uma empregada de limpezas imigrada em Portugal
desde 2002, a instrumentista entrou no mundo da música em Vialonga, numa turma
integrante da Orquestra Geração, projecto de intervenção social instalado em
mais de 20 escolas da Grande Lisboa e Coimbra. A Orquestra Geração aplica o El
Sistema, uma metodologia de ensino de sucesso global criado em 1975 na
Venezuela pelo economista e músico José Antonio Abreu (Prémio Príncipe das
Astúrias e Erasmus).
Sob
a orientação do professor Ricardo Santos, Erline escolheu o fagote – um
instrumento de grande beleza, popularizado, entre outros temas, pela famosa
ária “Una Furtiva Lagrima” da ópera O Elixir do Amor de Donizetti, ou a
abertura de “A Sagração da Primavera” de Stravinsky. Erline explica: “à medida
que fui aprendendo, comecei a tocar em orquestra e a fazer estágios, concertos
e apresentações. A adrenalina das prestações, o calor do público, a energia do
meu professor, a forma apaixonada como tocava nas nossas aulas, as histórias e
experiências que partilhava, tudo isto me fez perceber que era isto que eu
realmente queria fazer para o resto da vida”.
Em
2013 Erline fez provas para a Escola de Música do Conservatório Nacional e para
a Escola Profissional Metropolitana. Entrou em ambas. Optou pelo Conservatório,
onde seguiu as aulas de Arlindo Santos.
“Um
episódio marcante daquela altura foi assistir à apresentação da Orquestra
Teresa Carreño, uma das formações de topo do El Sistema. Ouvi-los tocar fez-me
sentir algo inexplicável. Transmitiam uma energia tão boa, tão positiva. Eu
queria ser um deles, queria tocar assim e fazer o público sentir o que eu senti
ao ouvir aqueles músicos.”
“Eu
e os meus colegas do meu ano fomos os primeiros do núcleo de Vialonga a seguir
música. O objetivo inicial do projecto não era fazer músicos, mas ajudar
crianças de famílias carenciadas e de bairros ditos problemáticos a alcançarem
uma oportunidade rara. Para além disso, enquanto os meus colegas entraram na
orquestra quando estavam no 2.o ano escolar, eu só entrei quando estava no 6.o.
Isto notou-se quando fui para o Conservatório. Só tocava há três anos e não
estava no mesmo nível que os meus colegas. Tinha muita musicalidade, mas não
chegava, faltava-me todo um trabalho técnico. Tinha muito trabalho pela
frente”, explica Erline.
Erline
reconhece as dificuldades: “mesmo trabalhando o dobro, ao final de três anos
não me sentia preparada para entrar no ensino superior. Apesar de ter acabado o
12o ano com boas notas, decidi ficar mais um ano para me dedicar às aulas de
instrumento. Nesse ano fui convocada para tocar na Orquestra Sinfónica e na
Orquestra de Sopros do Conservatórios. Portanto, esse ano resumiu-se às aulas
de fagote, orquestra e muito estudo individual. Quando fiz 18 anos resolvi
trabalhar nas férias. O meu primeiro emprego foi numa cadeia de fast food, onde
senti uma grande pressão racista por parte da chefia e mesmo de alguns colegas.
Acredito que tenha sido um caso à parte e que isto não aconteça em todos os
restaurantes dessa cadeia, mas prometinunca mais trabalhar para esta empresa.
Nas férias seguintes fui trabalhando sempre em limpezas e restauração.”
Finalmente,
as coisas começam a compor-se: “em 2017 entrei para a Academia Nacional de
Orquestra com o professor Roberto Erculiani, uma peça imprescindível no meio
disto tudo. Em 2019 fui selecionada para participar no Estágio Gulbenkian para
Orquestra. Neste mesmo ano comprei o meu próprio instrumento, com as minhas
poupanças e as da minha mãe e com a ajuda de alguns amigos e familiares. Um
ano, duas conquistas.”
No
início de 2020 a jovem foi a Manchester fazer provas de acesso na escola onde
quer tirar o mestrado, a Royal Northern College of Music. “Devido aos problemas
financeiros não pude ir conhecer antes a escola e o professor, mas sabia que
era o que queria. Quando fui fazer a prova fui recebida por uma amiga que
também está la a tirar o mestrado, que me ajudou imenso. Eu sentia que estava
num sonho, foi tudo tão incrível!”, confessa. “No dia a seguir à prova recebi o
e-mail de confirmação, tinha entrado! Não disse a ninguém, tirando a minha mãe,
os meus professores e uma amiga. Não queria alimentar espectativas nem em mim,
nem nos outros pessoas, pois sabia que iria ser difícil ir para lá estudar.”
Ou
talvez não. Faltam menos de quatro mil euros a Erline Moreira para conseguir os
dez mil necessários para entrar no mestrado em Manchester. E todos podem ajudar
clicando aqui.
In “Bom dia Europa” - Luxemburgo
Sem comentários:
Enviar um comentário