O
português não é só a língua da primeira vaga da globalização pelo mar. É a
língua da quarta revolução industrial, dominada pela tecnologia e pela
robotização
Tendemos a medir o sucesso da
integração da Europa principalmente pela perspetiva económica e política.
Analisamos as trocas comerciais e a livre circulação de pessoas.
Esquecemos, todavia, que a
mais rápida e bem-sucedida integração na Europa foi a de caráter linguístico. A
União Europeia é, hoje, um império anglófono.
Não é preciso recuar muito
para encontrar uma história bem diferente. Em 1990, o francês era claramente a
língua dominante na CEE. Era a única língua falada na sala de imprensa da
comissão e a esmagadora maioria da legislação era produzida em francês.
Isso mudou no espaço de uma
geração. Os alargamentos sucessivos da União para países onde o inglês é quase
sempre o segundo idioma mais falado fizeram da língua de Shakespeare a mais
bem-sucedida e orgânica forma de comunicação dentro do clube europeu.
Mas o Brexit expõe um
paradoxo: como manter o inglês como uma das três línguas de trabalho das
instituições europeias (a par do francês e do alemão) se, na verdade, com a
separação entre o Reino Unido e Bruxelas, o inglês não tem estatuto de primeira
língua oficial em qualquer dos Estados-membros?
Em número de falantes nativos,
o inglês passa a ter um peso institucional semelhante ao do eslovaco.
Como aqui argumentei há um par
de meses, Portugal e Espanha têm uma oportunidade única neste contexto. O
português e o castelhano são as maiores línguas globais dentro da União
Europeia.
Isto deveria ser motivo para,
enquanto país, lançarmos uma enorme ofensiva idiomática.
Os argumentos são muitos. E
fortes.
A família lusófona tem
presença nos cinco continentes. O português é a segunda língua mais popular no
hemisfério sul e a quinta mais popular da internet, sendo mesmo a segunda
língua estrangeira mais usada no Twitter na cidade de Nova Iorque.
Os países falantes de
português têm o sexto maior PIB conjunto do mundo. Somada, a família lusófona
ascende a 250 milhões de pessoas. Mais do que Rússia, Canadá ou França juntos.
Em área terrestre, a lusofonia representa 22 milhões de quilómetros quadrados.
Mais do que os Estados Unidos da América. É uma comunidade-continente, com
portos que dão acesso a três oceanos e a segunda zona do mundo com mais
aeroportos.
Podia falar da lusofonia nas
artes, nas letras ou na diplomacia, onde o poder suave da língua portuguesa é
extraordinário. Mas estes dados crus permitem ter uma perceção do que é a
pegada global da lusofonia.
A comunidade lusófona é um
gigante económico e demográfico. Mas ainda é um anão político.
Cascais, à sua escala, dará um
contributo para que uma verdadeira comunidade lusófona global possa emergir. Em
maio, nos dias 3 e 4, a vila atlântica será palco da Assembleia-Geral da UCCLA,
a União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa. Nessa reunião, todos os
participantes partilham do espírito de que temos uma oportunidade histórica
para consolidar e aumentar a esfera de influência do português no mundo. As
cidades terão, nesse sentido, uma palavra importante a dizer. Mas é ao governo
que cumpre uma arquitetura ambiciosa de promoção do português.
Discute-se muito o apoio às
artes e à cultura. E ele é muito importante. Mas, além disso, o que os partidos
deveriam estar a consensualizar era a atribuição de 1% do PIB à promoção da
língua portuguesa na Europa e no mundo.
E porquê? Porque isso é um
investimento que paga. E porque tem ramificações estratégicas e políticas de
larguíssimo alcance.
Em Portugal tendemos a
associar o discurso lusófono a saudosismo. Perdemos de vista o essencial: a
lusofonia não é coisa do passado. É futuro.
O português não é só a língua
de Camões e de Pessoa. É a língua dos blogues, dos sites e das redes sociais.
O português não é só a língua
da primeira vaga da globalização pelo mar. É a língua da quarta revolução
industrial, dominada pela tecnologia e pela robotização.
Emmanuel Macron, presidente
francês, percebeu a oportunidade que tem à sua frente. O seu governo vai gastar
centenas de milhões de euros na promoção do francês: dobrando o número de
estudantes da língua nas escolas francesas espalhadas pelo planeta, aumentando
o contingente de professores e reforçando os orçamentos dos centros de francês
no mundo. Objetivo? Tornar a língua de Dumas a primeira em África e ultrapassar
o uso do inglês nas instituições europeias.
E nós, vamos continuar a
fingir que não é nada connosco?
Vamos perder a oportunidade?
Vamos deixar o caminho aberto para os outros? Se os franceses podem ter
ambição, por que razão não podem os portugueses?
Por um Portugal mais forte e
mais ambicioso na aldeia global, pela prosperidade da comunidade lusófona, pela
nossa cultura e identidade: vamos lá investir 1% do PIB na promoção da língua.
Mais do que a conversa estafada dos orçamentos, é isto que definirá o lugar de
Portugal nos ratings. Carlos Carreiras –
Portugal in "Jornal I"
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