Neste artigo, quero fazer memória de
retalhos biográficos que aconteceram na Crunha dos anos 90. Foram os anos de
juventude, dos que tenho agora saudade, estando servidor a ponto de cumprir os
cinquenta. De facto, fui testemunha e partícipe de como se geriu um grupo de
poetas herdeiros e continuadores da lírica galaico-portuguesa.
Na
faculdade de filologia estudámos a poesia trovadoresca. Ensinaram-nos que os
séculos XIV e XV foram o final do esplendor. Os Séculos escuros aconteceram desde o XV ate o
XVIII, época na que, no nosso país, a criação literária em língua galega fora
nula.
Foi
no século XIX, no ressurgimento,
quando Carolina Michaëlis de
Vasconcelos , Teófilo
Braga, Manuel
Murguia e Noriega
Varela reconheceram a devida contraída das primeiras manifestações
líricas.
Eu próprio, como filólogo
amante da poesia, quero constatar esta devida pela lírica
galaico-portuguesa. Tenho que agradecer às pessoas coas que compartilhei
recitais, leituras comentadas de muitos textos de literatura e cultura
galego-portuguesa. Tudo isso motivou a minha intenção de ser um modesto
continuador desta lírica.
Aos
começos dos noventa, era membro do conselho de redação da revista
universitária Gaveta. No número
dois da revista, em 1991, publicáramos uma secção de poesia lusófona com poemas
de Pedro Casteleiro, Iolanda Aldrei, Angelo Brea e Alfredo Ferreiro.
E
foi no verão deste mesmo ano quando conheci ao meu grande amigo Pedro Casteleiro e com ele a
existência de Herberto
Helder. Pedro, já
tinha lido por aquela altura boa parte da obra do insigne poeta português.
Passamos várias tardes falando da poesia surrealista portuguesa, comentando o
livro EDOI LELIA DOURA, antologia das
vozes comunicantes da poesia moderna portuguesa, organizada
por Herberto Helder.
Herberto Hélder (Funchal,
1930) – (Cascais- Portugal, 2015). Foi sem dúvida o poeta português mais
salientável da segunda metade do século XX. É considerado o responsável da
introdução nos anos 50 do movimento surrealista em Portugal. A sua primeira
obra foi O amor em visita (1958). Publica
em 1963 a sua celebre obra narrativa, Os
passos em volta.
Foi um poeta de verso longo,
visionário. Trabalhador de metáforas e símbolos. Construiu todo um universo
poético:
A colher na boca, Poemacto, Ofício cantante, O bebedor nocturno, entre outras
obras. Em 1973 publicaria a sua Poesia
Toda, volume de 575 págs., reeditado em 1981 e 1991.
O
poeta fugiu da notoriedade, criando ao seu arredor uma atmosfera misteriosa.
Recusou em 1994 o Prémio
Pessoa.
Fez
parte de jovens artistas do Café
Gelo por volta do 58. Depois teve uma vida errante, viajando
por toda Europa, trabalhando em ofícios vários: estivador, cortador de patacas
e verduras, guia de marinheiros em bairros de prostitutas. Foi jornalista
de guerra em Angola.
No
60, já em Lisboa, foi bibliotecário. Torna-se encarregado da Fundação Calouste Gulbenkian,
percorrendo as vilas e aldeias do baixo Alentejo, beira Alta e Ribatejo.
A partir da segunda metade do
70 retira-se da vida pública, permanecendo quase no anonimato.
O
grande poeta português teve um eco na Galiza.
Xosé Lois Garcia conheceu a Hélder em Agosto do 1982. Garcia estava a preparar uma
antologia de poesia portuguesa do século XX. Forneceu uma amizade com o Herberto durante mais de 30
anos. Fruto desta amizade foi a entrevista que lhe concedeu ao escritor galego,
que foi publicada em Luzes
de Galiza e republicada no Jornal português Público em 1990.
Herberto Hélder foi
um autor de referência a destacar para mim como para outros companheiros da
minha geração. Também autores do surrealismo português dos anos 50: Mário Cesariny, António Maria Lisboa, Alexandre O´Neill, Pedro Oom e Ernesto Sampaio
Neste
contexto de interesse pelo surrealismo e pela tradição galaico-portuguesa
nasceu o grupo Hedral com Mário j. Herrero, Pedro-Milhám Casteleiro,
José António Lozano (Chíqui), François Davó, Dulce Fernández, Alfredo Ferreiro,
Táti Mancebo e um servidor. Primeiramente foi chamado por
nós: A Fábrica, como um
método de aprendizagem entre todos os poetas, obrigando-nos a escrever para
poder ler e comentar textos entre todos. Foi uma etapa de formação muito
importante para todos os integrantes do coletivo.
Estabelecêramos
contato com escritores portugueses. Com Cândido
Franco, Avelino
de Sousa, Francisco
Soares compartilháramos em 1994 um recital no Liceu Eusébio da Guarda da Crunha.
Com Jose Manuel Capêlo, poeta
português e editor (Editora Átrio), tiveramos um projecto de edição. A intenção
de Hedral era
fazer um novo cancioneiro galego-português. Como não pudéramos conseguir em
tempo e forma os textos de escritores portugueses, o projeto mudou para uma
antologia do próprio grupo: 7
poetas, A Corunha 1995.
Considero
que 7 poetas é
um livro de referência para qualquer estudo sobre poesia galega dos 90.
Lamentavelmente ficou, como outros escritos, no lado escuro da literatura
galega.
Estando
na diretiva da A.C O
Facho, entre os anos 1994 e 2003, saliento atividades que nos
levaram a fornecer o conhecimento da cultura tanto galega como portuguesa.
Tivéramos o privilégio de compartilhar experiências com escritores da
relevância como o D.
Jenaro Marinhas del Valhe.
Lembro
aquelas sextas feiras de cultura portuguesa onde teve o prazer de conhecer a
escritores, músicos e pintores interessados na cultura lusófona. Ainda que
possuíamos no Facho uma
valiosa biblioteca de livro português, havia textos indispensáveis que
faltavam. Também material musical e audiovisual. Isso motivou a que fizesse
várias viagens a Porto e Lisboa, acompanhado de sócios do Facho e de amigos.
Uma
das viagens a Portugal, que guardo uma especial lembrança, foi a que fez pelo
ano 94 com o amigo José
António Lozano (Chíqui), companheiro de Hedral. Foi quando
conhecemos pessoalmente ao Herberto
Hélder.
Foi uma viagem que fica na minha memória
como uma travessia por Portugal de dois amigos, de dois poetas galegos que
tentavam aprofundar no mundo cultural lusófono.
O José Manuel Capêlo comentara-nos
que o Herberto parava
num bar do bairro alto lisboeta. Era uma hamburgueria sem nada a destacar, que
quadrava muito com o poeta retirado da vida pública. Um estabelecimento nada a
ver com os cafés de tertúlia literária como a Brasileira e o já referido Café Gelo.
De certo, foi o primeiro que
nos chamou a atenção, quando fôramos pela primeira vez na procura dele.
Tivéramos que fazer várias tentativas em vários dias até que, uma noite,
vimo-lo sentado sozinho numa mesa ao fundo, passando inadvertido como um
cliente mais.
Chíqui Lozano fora
o que tomara a iniciativa em achegar-se a ele. Havia no bar uma criança pequena
que estava com o seu pai. O progenitor, que estava a conversar com nós sobre o
seu filho, comentou-nos a data de nacimento do pequeno. Era Sagitário como Hélder. Habilmente o Chíqui referiu esse
dado em voz alta: Então
é que o pequeno é Sagitário.
Serviu
para que o Herberto se
integrasse na conversa rompendo o seu silêncio sepulcral: Vocês moços, são galegos?
Sim,
dois galegos orgulhosos de estreitar a mão com o grande Herberto Hélder. Um privilégio que
ficou na memória para sempre. Luís Lopez
– Galiza
Luís Mazás Lopez - Escrevo na grafia histórica do galego desde
o ano 1992. Não se pode entender o galego sem o português e a inversa. É uma
opção linguística que nos leva a ter uma projeção dentro da lusofonia. Escrevo
para as pessoas da minha comunidade existencial, para os distantes, para os que
vamos, em palavras de Thomas Bernhard, na direção contrária.
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