A
acção de um grupo de agentes australianos que em 2004 aproveitou um suposto
programa de assistência humanitária para colocar um sistema de espionagem no
Palácio do Governo em Timor-Leste é o mote de uma nova peça de teatro
australiana
“Greater Sunrise” – que é
também o nome de um projecto petrolífero no Mar de Timor – foi escrita por Zoe
Hogan, que viveu e trabalhou em Timor-Leste entre 2011 e 2012 (no âmbito de um
programa de voluntários do Governo australiano).
O escândalo da espionagem foi
o mote para uma história que começou por ser uma tentativa de escrever sobre a
vida de um estrangeiro em Díli e acabou a mostrar “como a Austrália tem lidado
com Timor-Leste, especialmente depois da independência”.
Os antecedentes, explicou
Hogan, em entrevista telefónica a partir de Sydney, “são chocantes” e
representam “uma violação óbvia pela Austrália da lei internacional”, apesar de
na prática serem “triste e previsivelmente decepcionantes” e mais um exemplo
“de um grande a aproveitar-se do vizinho mais pequeno”.
O caso, que só foi descoberto
em 2013, causou um dos momentos de maior tensão diplomática entre Díli e
Camberra, especialmente porque a espionagem foi feita quando os dois países
negociavam as fronteiras marítimas.
O homem que denunciou a
espionagem, conhecido apenas como Testemunha K, continua sem passaporte, na
Austrália, impedido de sair do país.
Camberra recusava aceitar a
linha mediana de fronteiras e insistia numa divisão de receitas do Mar de Timor
de recursos que estavam do lado timorense, postura a que só cedeu com a
assinatura, este ano, de um novo tratado.
Esse tratado, assinado a 6 de
Março em Nova Iorque, colocou a linha onde Timor-Leste sempre reivindicou, o
que implica que os poços explorados, cujas receitas teve que dividir com
Camberra, são totalmente timorenses.
Estima-se que cerca de cinco
mil milhões de dólares de receitas timorenses referentes a esses poços tenham
ido para os cofres australianos.
Com experiência em cinema e no
palco – foi um dos atores nos dois maiores filmes feitos em Timor-Leste (Balibo
e A Guerra de Beatriz) – o único actor timorense da peça, José da Costa,
destaca o facto de a peça mostrar um assunto que é desconhecido para muitos na
Austrália.
“Parece estar algo escondido.
Há muitos que depois da peça pedem mais informação. A obra é historicamente
baseada em factos reais mas depois é preciso explicar mais”, disse.
O mesmo ocorre com muitos dos
jovens em Timor-Leste que podem não conhecer as dimensões de um assunto
complexo, pelo que “era importante mostrar também esta peça” em Timor-Leste.
Hogan rejeita a posição dos que,
no Governo australiano, defendem que Timor-Leste deve estar agradecido pelo
apoio que a Austrália tem dado ao país, insistindo que a questão é muito mais
ampla.
“Isto é uma questão de justiça
e não sobre caridade ou generosidade”, disse.
Ainda que tenha conhecido
muitos activistas timorenses envolvidos no caso de Timor-Leste, Hogan admite
que junto do público em geral possa haver muito desconhecimento sobre este caso
e sobre a realidade timorense.
Ainda que inspirado em eventos
reais, o autor insiste que a história é essencialmente de ficção, sem ser
baseada na vida de ninguém em concreto. Especialmente positivo é o facto de no
palco estar um actor timorense, disse.
“Não teríamos produzido a peça
se não tivéssemos um actor timorense. A peça tem muito tétum, é particularmente
bonito ouvir tétum num palco em Sidney, onde muito do público nunca sequer
ouviu a língua”, explicou.
“Penso que é a primeira vez
que numa produção num palco em Sydney temos o tétum. É muito importante poder
promover a nossa língua num espectáculo com tanto público. Nas conversas com o
público, depois, muitos dizem que gostaram de ouvir a língua”, sublinha José da
Costa.
O objectivo agora é levar a
peça a outras cidades australianas, nomeadamente Melbourne e Darwin, mas também
até Timor-Leste. A peça está em cena no Belvoir Theatre até 21 de Abril. In “Ponto
Final” – Macau com “Lusa”
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