Os
cenários que Maria Antónia Jardim idealiza em “Sir Fernando Pessoa e a Flor de
Lótus” são inspirados nos poemas de Camilo Pessanha que, num Macau onírico, se
encontra com o seu grande e real amigo, o poeta Fernando Pessoa. A escritora
encerra assim uma trilogia através da qual reescreve o passado de Pessoa
recriando a “vida merecida que não teve”
O gosto pelas palavras floriu
aos 11 anos, e quatro anos depois publicava o primeiro livro. Hoje, Maria
Antónia Jardim desdobra-se em vários quadrantes, explora várias artes mas
assume-se como “Pessoana desde sempre”. Esta proximidade com a literatura do poeta
português motivou a trilogia “Sir Fernando Pessoa” por querer “criar um Pessoa
mais perto, mais sensível, de carne e osso, que tivesse toda essa inquietação
mais humana e não só poética”, explicou em entrevista à Tribuna de Macau.
Além disso, Maria Antónia
Jardim quis deixar claro que Pessoa foi “muito mais do que um escritor”.
“Fernando Pessoa não foi apenas escritor, foi o grande psicólogo do século XX
porque ensinou que nós somos todos seres plurais e temos vozes dentro de nós
que nos assombram”, disse.
Por outras palavras, estas
facetas e uma “ficção desejada” materializaram o último da série de três livros
de “Sir Fernando Pessoa”. Nesta última obra, Maria Antónia Jardim escreve sobre
a relação de grande proximidade entre Pessoa e Pessanha. “Neste livro, tudo o
que Camilo Pessanha lhe diz antes de partir vai ensinar Fernando Pessoa a viver
a vida de outra maneira, a encarar a morte e amor de outra maneira”,
contextualiza a autora de “Sir Fernando Pessoa e a Flor de Lótus”.
Através de uma escrita “muito
visual e sensitiva”, o leitor conseguirá “perceber que é pelo sonho que vamos e
que o mundo onírico traz emoções fascinantes”. Tanto que, a história
“completamente ficcional” retrata um território do imaginário. “É uma casa
onírica de Camilo Pessanha. É um Macau que tem a ver com a poesia de Camilo
Pessanha. É como se estivéssemos a ver os barcos de flores do Pessanha. Falo
nos violoncelos e nos tambores, outro poema de Pessanha. No fundo, os cenários
que estão neste livro são os poemas do próprio Pessanha”, explicou.
Das obras esta última será
talvez a mais terapêutica porque “lida com perdas, com desassossego pessoano,
com as interrogações que tem acerca do próprio amor e depois o confronto, a
união e o grande encontro com Pessanha que surge através de um sonho”, contou
Maria Antónia Jardim, embora notando que o “mundo do maravilhoso” é uma
constante nas três obras.
Neste livro, o “sonho é
determinante” para toda a viagem de Pessoa que tem Macau como destino último.
“Encontram-se precisamente no final [da vida] de Camilo Pessanha e é aí que
Fernando Pessoa renasce, e se encontra a ele próprio, como na vida real: É
perante a morte de alguém, de um ente querido – e neste caso era de um amigo
muito querido dele [Fernando Pessoa], era o mestre dele – que o obriga a
renascer, a celebrar a vida de outra maneira e a não ter dúvidas sobre o que
quer”, explica.
“Claro que, pelo meio, há
objectos simbólicos, uma Flor de Lótus simbólica e toda uma simbologia porque
lido muito com isso. A escrita é muito metafórica, muito simbólica, mas tudo
isso vai-se encaixando como um puzzle”, vinca.
Esta obra é, de resto, o ponto
de partida para a palestra “O encontro em Macau de Fernando pessoa com Camilo
Pessanha” organizada pela Tribuna de Macau com o apoio institucional do
Consulado-Geral de Portugal em Macau e Hong Kong. O evento realiza-se na quarta-feira,
às 18:30, no Salão Hoi Yin do Clube Militar com a presença da escritora e com
apresentação a cargo de José Rocha Diniz. O livro estará disponível para venda
podendo ser adquirido em Portugal, na Livraria Lello, no Porto.
Encerra-se assim uma série em
que Maria Antónia Jardim, enquanto escritora, dá a Fernando Pessoa a “vida
merecida que não teve” e, para isso, desdobra-o ficcionalmente nas obras “Sir
Fernando Pessoa e o Relógio de Bolso que Esconde uma História” e “Sir Fernando
Pessoa e o Arcano d’Óbidos”.
“Sou
caleidoscópica”
Tal como disse em tempos o seu
poeta de eleição, Maria Antónia Jardim gosta de “ser e sentir tudo de todas as
maneiras”. É, por isso, “caleidoscópica”, afirmou. “Estou sempre com milhentas
ideias” que, por sua vez, materializa não só na escrita como também na pintura
e no ensino. Além de dar formação e orientar pós-graduações em arte terapia,
biblioterapia, cineterapia e “waking
dream terapy”, Maria Antónia Jardim também tem cartas dadas na joalharia –
algo que, à semelhança da escrita, também surgiu numa fase precoce. E,
curiosamente, já conseguiu o melhor dos dois mundos ao criar jóias a partir de
quadros que também produziu.
“Comecei a pintar aos 11 anos
mas o primeiro quadro foi pintado aos 18. A minha carreira de pintora e
escritora esteve sempre lado-a-lado com o meu lado académico mas há 10 anos
comecei uma coisa nova e única no mundo e que até agora só a Rainha de
Inglaterra é que parece que deu por ela porque me enviou uma carta a elogiar o
projecto”, explicou, referindo-se à “Jóia do Douro” – réplica de um quadro e
cuja jóia é, basicamente, um cálice com os socalcos do Douro e uma hóstia
vermelha, numa aproximação ao famoso Vinho do Porto.
Neste processo de transformar
quadros em jóias, Maria Antónia Jardim criou em 2008 a “Jóia de Pessoa”. “Criei
10 mandalas a partir das mesmas que tinham pintado e todas a ver com Pessoa:
uma mais musical, outra estava relacionada com elementos marítimos de que ele
fala na ‘Ode Marítima’… tudo a ver com a poesia dele e esteve exposto no
Palacete dos Viscondes de Balsemão, no Porto”.
Entre vários projectos, como a
Jóia da Alice – baseada na personagem de Lewis Caroll – e outros associados à
parceria com a Topázio, entre os quais uma peça inspirada no poema “Violoncelo”
de Camilo Pessanha e que, de resto, já tinha motivado um quadro. “A partir da
figura do violoncelo desse quadro faço o esboço da jóia de Pessanha e na
Topázio gostaram muito: tem o violoncelo, o sol e a lua – alquimia que o
Pessanha preconiza no Deslumbramento em Flor, etc, e depois tem dois pauzinhos
a comer o sol que quer dizer ver para além de, uma faceta muito Oriental e
ligada a esta terra”.
Depois, surgiu a “Jóia de
Pessoa”. “Nasceu graças a um objecto dele, um ícone, que era o relógio de bolso
e acrescentei esta jóia a um quadro meu que já esteve no Louvre e que se chama
‘Fernando Pessoa, o mago’. A Peça tem movimento, desliza a parte de cima do
mostrador e é “um despertador de consciências que, no fundo, foi o que Pessoa
foi. Quando uma pessoa desliza e vê a frase [tudo vale a pena quando a alma não
é pequena], não vê horas, porque os ponteiros estão parados, e aquela frase
ganha outro e vários sentidos”, concluiu. Catarina
Almeida – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”
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