O processo de independência do
povo catalão, promovido através da convocatória ao voto em 1 de outubro e suportado
pela lei do referendo e pela lei da transitoriedade, encontrou uma incalculável
resistência do governo presidido por Mariano Rajoy, cujas medidas confirmam que
a Constituição de Francisco Franco continua em vigor na sua essência.
O ditador governou o país com
uma mão de ferro. Dados aproximados indicam que cerca de 150 mil pessoas
morreram entre 1936 e 1943, de acordo com documentos desclassificados e vários
historiadores, em tempos da guerra civil e violência generalizada, sofrida
tanto por republicanos como por outros opositores e membros de organizações
políticas e sindicais.
Numa aplicação duma estratégia
política, cultural, social, económica e laboral, aplicaram-se multas, apreensão
de activos, arresto de contas bancárias, despedimentos, desqualificação laboral
e profissional. Anulou-se a liberdade de expressão mediante a censura aos meios
de comunicação social, juntamente com a proibição de reunião e a prisão ou a
morte como medidas imparáveis. A repressão era a bandeira.
Em coerência com tal legado,
Mariano Rajoy ordenou um pacote repressivo que inclui a obrigação para os autarcas
investigados por assegurarem o referendo, comparecer perante juízes e
procuradores sob pena de sanções. De igual modo, suspende a autonomia
financeira da Catalunha e controla as suas contas, exigindo que os bancos
controlem estritamente todos os movimentos do governo catalão e condicionem o
pagamento de salários a milhares de funcionários públicos, servidores públicos
e fornecedores.
Além disso, a Guarda Civil
apreendeu milhares de cartazes de propaganda da Generalitat, notificações para
as assembleias de voto e registos de eleitores, tudo no quadro de registos em
empresas de distribuição, tipografias e comunicação social, bem como fez detenções
arbitrárias.
Não é necessário grande
esforço para recordar o regime fascista quando as forças de segurança confiscam
urnas, votos e propaganda, fecham sítios de informação sobre o referendo e, até
mesmo proíbem actos a favor da consulta, são medidas destinadas a atemorizar. Cabe
recordar que o Tribunal Superior da Justiça da Catalunha solicitou à TV3, a
televisão pública catalã, que limite a sua informação sobre o referendo de
autodeterminação.
A Generalitat, por sua vez,
insistiu na continuação do processo e interpôs recurso ao Supremo Tribunal
espanhol para evitar a perda de sua autonomia financeira. Oriol Junqueras,
vice-presidente do sistema autonómico catalão, expõe que o congelamento de
contas tem por objetivo acabar com a autonomia da Catalunha, uma decisão que só
poderia ser tomada pelo artigo 155 da Constituição, o que exigiria um debate
prévio e uma votação de maioria absoluta no Senado. Juntamente com a comunidade
catalã, muitos sectores da Espanha apoiam a luta pelos direitos civis na
Catalunha, aos quais são adicionados avisos dos líderes internacionais sobre o
caminho que este processo pode levar se não se recorrer à prudência.
Num país onde o neoliberalismo
ou o capitalismo selvagem se instalou nos seus limites extremos, especialmente a
partir do ex-primeiro-ministro Felipe González - caminho ractificado com Rajoy
- e onde estima-se que cinquenta e oito mil novos ricos e um milhão e
quatrocentos mil novos pobres são o resultado dos últimos quatro anos, seria
preciso perguntar o que aconteceria agora.
No caso da votação for
impedida através da violência do Estado, é muito provável que a situação
interna se agrave e obrigue a um estado de excepção, recolher obrigatório e
mais agressão, devido à resposta previsível dos cidadãos catalães. Como se sabe,
os resultados da consulta, antes da repressão de Rajoy, poderiam ter negado a
independência; agora é possível que um sector maioritário o aprove, dado os atropelos
contra a população, a sua liberdade e os seus direitos.
Também é possível que uma percentagem
que se opõe à independência não vá votar, e aumentará com aqueles que temem
pelas suas vidas e das suas famílias e as sanções da máquina estatal.
Se a situação ficasse
incontrolável, também poderia acontecer que, cooptando o PSOE, o Artigo 155 da
Constituição Nacional seria activado para suspender a autonomia da Catalunha e
remover todos os poderes transferidos pelo Estado, deixando-a indefesa
financeiramente e sem poder real. Tudo isso agravaria a escalada repressiva e
consequências imprevisíveis.
Independentemente do
resultado, todas as pessoas têm o direito de manifestar o seu próprio
pensamento, que pode ser aprovado ou não. Um governo inteligente deve ter a
capacidade de concordar com a autonomia em vez de provocar a separação real.
Certamente, os catalães, na maioria das vezes, nunca queriam chegar a uma
situação extrema como a que levou muitos não-independentistas a considerar
seriamente essa alternativa, depois de serem atacados por um governo central
que até viola o seu direito ao salário. Assim, o único caminho razoável,
próprio de estadistas sérios, é entrar num diálogo para avançar com projectos
que garantam o bem-estar da Espanha e a justa autonomia da Catalunha.
Quando algumas cidades amanhecem
com cartazes que mostram o ditador Franco pedindo para não votar no referendo
independentista, parece ser que um regime herdeiro do franquismo renasceu
novamente das cinzas. Carlos Santa María
– Chile in “RT”
Tradução "Baía da Lusofonia"
As
declarações e opiniões expressas neste artigo são da exclusiva responsabilidade
do autor
Carlos
Santa María – Director e Professor na Universidade Católica de
Valparaíso - Chile, Doutor em Filosofia e Educação pela Universidade de
Barcelona, especialista em Estudos Latinoamericanos, Educação e Investigação
pela Universidade de Nariño - Colômbia, Psicólogo Social na UNAD – Colômbia.
Conferencista, palestrante, escritor, 18 livros publicados em geopolítica,
pedagogia e desenvolvimento humano, fundador da Associação de Trabalhadores
Sociais e da Comissão de Direitos Humanos - Colômbia
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