Do mesmo jeito que
falar em galego não é sinónimo de defendermos o galego, ministrar aulas de
história em galego não é sinónimo de visibilizarmos a nossa historia. Estava a
repassar com a minha filha os apontamentos de Ciências Sociais e História de 5º
de Primária, quando me dei conta do longe que chegou o nosso bem conhecido
auto-ódio pós-colonial. Assim descrevem os apontamentos dela o início da Idade
Média:
“Coa caída do I Romano os territorios da P
Ibérica terminaron baixo o control dun pobo bárbaro: os visigodos. Os visigodos
convértense ao catolicismo e crean un só reino peninsular que gobernan ata a
invasión musulmá no ano 711 d.c”
Não houvo suevos, não houvo conversão ao
catolicismo dos reis suevos antes que os visigodos, nem houvo um reino galego
na antiga Gallaecia. O Decreto do Galego obriga as crianças a que estudem as
Ciências Sociais e a História em galego, mas o professorado tem liberdade para
ministrar os conteúdos que considere mais apropriados, incluídos aqueles
elaborados no século XIX polos vencedores e que invisibilizam os colonizados e
os perdedores. Encontrei facilmente a fonte dos apontamentos da minha filha,
que não são mais que uma tradução literal para o galego dos apontamentos
on-line duma escola de Logronho: Colegio Bretón de los
Herreros. Quando o colonizador não precisa de colonizar é porque já
nos auto-colonizamos sem imposições. Somos nós mesmos quem nos invisibilizamos.
É a principal característica do pós-colonialismo, e que se manifesta no
auto-ódio antes citado.
Enquanto estudávamos a lição, contei à minha
filha a história dos Suevos na Galiza: o Martinho de Dume, que nos animou a
utilizar segunda, terça, quarta feira para os dias da semana, o Reliquiário,
que foi o primeiro rei da Europa pós-romana a cunhar moedas com a sua imagem e
o seu nome. Aproveitei para dizer-lhe que, após a chegada dos árabes, os
primeiros reis cristãos eram conhecidos como reis de Galiza, falavam galego e
mesmo alguns deles foram enterrados na Catedral de Santiago de Compostela.
Apontei-lhe que os árabes chamavam de Galiza (Ŷilliquia) os territórios da
península que ficavam fora da Spania árabe (ou Al-Ándalus) e, portanto, os
galegos eram os cristãos que ficavam fora da Spania. O termo galego utilizava-se
para referir-se aos habitantes do noroeste peninsular, incluídos portugueses
(galegos do sul), astur-leoneses e castelhanos. Para os árabes, mesmo o Cid
Campeador era um “cão galego”. Aproveitei a situação para fazer um chisco de
relativismo cultural e comentei-lhe que os galegos éramos vistos polos árabes
daquela altura como um povo bruto e atrasado. Após o meu relato, ela disse para
mim que tudo esse conto era bem divertido mas que não entrava no exame. Com
pragmatismo e frialdade, assinalou com o dedo uma pergunta que tinha no caderno
e pediu-me que a lesse:
– Que povo bárbaro entrou na Península Ibérica
depois dos romanos?, fum forçado a perguntar.
– Os visigodos, respondeu com confiança.
Entre dous relatos históricos, escolhe-se o que
dá de comer. Amiginho sim, mas a vaquinha polo que vale. Paulo Gamalho – Galiza in “Portal Galego da Língua”
Paulo Gamalho - Nasceu em Freixeiro
(Vigo) em 1969. É licenciado em Filologia Hispânica pola USC e Doutor em
Linguística pola Université Blaise Pascal, França. É docente-investigador
especializado em linguística computacional.
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