Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Galiza - O Reino de Galiza nas escolas galegas

Do mesmo jeito que falar em galego não é sinónimo de defendermos o galego, ministrar aulas de história em galego não é sinónimo de visibilizarmos a nossa historia. Estava a repassar com a minha filha os apontamentos de Ciências Sociais e História de 5º de Primária, quando me dei conta do longe que chegou o nosso bem conhecido auto-ódio pós-colonial. Assim descrevem os apontamentos dela o início da Idade Média:
“Coa caída do I Romano os territorios da P Ibérica terminaron baixo o control dun pobo bárbaro: os visigodos. Os visigodos convértense ao catolicismo e crean un só reino peninsular que gobernan ata a invasión musulmá no ano 711 d.c”
Não houvo suevos, não houvo conversão ao catolicismo dos reis suevos antes que os visigodos, nem houvo um reino galego na antiga Gallaecia. O Decreto do Galego obriga as crianças a que estudem as Ciências Sociais e a História em galego, mas o professorado tem liberdade para ministrar os conteúdos que considere mais apropriados, incluídos aqueles elaborados no século XIX polos vencedores e que invisibilizam os colonizados e os perdedores. Encontrei facilmente a fonte dos apontamentos da minha filha, que não são mais que uma tradução literal para o galego dos apontamentos on-line duma escola de Logronho: Colegio Bretón de los Herreros. Quando o colonizador não precisa de colonizar é porque já nos auto-colonizamos sem imposições. Somos nós mesmos quem nos invisibilizamos. É a principal característica do pós-colonialismo, e que se manifesta no auto-ódio antes citado.

Enquanto estudávamos a lição, contei à minha filha a história dos Suevos na Galiza: o Martinho de Dume, que nos animou a utilizar segunda, terça, quarta feira para os dias da semana, o Reliquiário, que foi o primeiro rei da Europa pós-romana a cunhar moedas com a sua imagem e o seu nome. Aproveitei para dizer-lhe que, após a chegada dos árabes, os primeiros reis cristãos eram conhecidos como reis de Galiza, falavam galego e mesmo alguns deles foram enterrados na Catedral de Santiago de Compostela. Apontei-lhe que os árabes chamavam de Galiza (Ŷilliquia) os territórios da península que ficavam fora da Spania árabe (ou Al-Ándalus) e, portanto, os galegos eram os cristãos que ficavam fora da Spania. O termo galego utilizava-se para referir-se aos habitantes do noroeste peninsular, incluídos portugueses (galegos do sul), astur-leoneses e castelhanos. Para os árabes, mesmo o Cid Campeador era um “cão galego”. Aproveitei a situação para fazer um chisco de relativismo cultural e comentei-lhe que os galegos éramos vistos polos árabes daquela altura como um povo bruto e atrasado. Após o meu relato, ela disse para mim que tudo esse conto era bem divertido mas que não entrava no exame. Com pragmatismo e frialdade, assinalou com o dedo uma pergunta que tinha no caderno e pediu-me que a lesse:
  
– Que povo bárbaro entrou na Península Ibérica depois dos romanos?, fum forçado a perguntar.

– Os visigodos, respondeu com confiança.

Entre dous relatos históricos, escolhe-se o que dá de comer. Amiginho sim, mas a vaquinha polo que vale. Paulo Gamalho – Galiza in “Portal Galego da Língua”


Paulo Gamalho - Nasceu em Freixeiro (Vigo) em 1969. É licenciado em Filologia Hispânica pola USC e Doutor em Linguística pola Université Blaise Pascal, França. É docente-investigador especializado em linguística computacional.

Sem comentários:

Enviar um comentário