A carne do peixe-leão é
branca, sutil, consistente, complexa e gostosa. Tudo isso e algo mais, com
acentuadas notas iodadas que o distinguem de outros peixes-pedra — como o
peixe-escorpião e seus parentes nos mercados espanhóis, ou o peixe-diabo, se
vamos ao Pacífico peruano. O chef colombiano Jorge Raush, que comanda os
restaurantes Criterion, em Bogotá, e Marea, em Cartagena das Índias, acrescenta
virtudes: “É um peixe muito nutritivo e com boa dose de ômega 3”. Não parece
estranho. Come de tudo e com tal voracidade que se tornou uma ameaça para
lagostas, camarões, ciobas (também conhecido como areocó ou carapitanga no
Brasil), abadejos, moluscos e outras espécies.
Come tanto e sua força é de
tal magnitude que está aniquilando populações tradicionais dos recifes de
corais do Caribe, ameaçando seu instável equilíbrio. Habitante das águas
tropicais do Pacífico, o peixe-leão deu o salto ao Atlântico no começo dos anos
noventa. A invasão começou quando alguns deles foram soltos de tanques
particulares no sul da Flórida, e se consolidou como resultado dos aquários
destruídos pelo furacão Andrews. Hoje é uma praga que põe em perigo os
ecossistemas do Caribe, das Bahamas, das Antilhas e do Golfo do México,
colonizando além disso a costa norte-americana, da Flórida para além da
Carolina do Norte.
À primeira vista, o peixe-leão
não parece um inimigo terrível. É um animal vistoso e colorido, mesclado de
vermelho e branco, as barbatanas formam leques em suas bordas e se move com
parcimônia e majestade. Poderia ter um papel de protagonista na sequência do
filme Procurando Nemo.
Sua grande vantagem é que
chegou a um meio onde não havia predadores naturais. Dizem que o mero é seu
único inimigo, mas é uma espécie ameaçada nesta zona do Atlântico. Alguns
governos, como o colombiano, inclusive chegaram a proibir seu consumo. O
compararam ao baiacu, devido à venenosa substância irritante armazenada nas
espinhas das barbatanas. Há dois anos, o Ministério do Meio Ambiente
reconsiderou a decisão com uma campanha que incentivava o consumo do
peixe-leão.
Hoje todos estão contra o
peixe-leão. A lista de inimigos declarados cresce a cada dia. Pescadores,
conservacionistas, institutos de investigação, instituições internacionais,
governos e empresários do turismo compartilham uma estranha unanimidade. Assim
como os chefs. Deve ser o único peixe no mundo que não tem amigos. Pela
primeira vez, a regra poderia se tornar exceção: o homem pode ajudar a
conservar o meio ambiente provocando a extinção de uma espécie.
Rausch trabalha ativamente na
Colômbia para frear a praga, incentivando a incorporação do peixe-leão na
cadeia alimentar. Trabalha em colaboração com o Governo, com a Fundação Clinton
e com empresas privadas para transformá-lo num produto de consumo diário. O
primeiro fruto foi o livro Peixe-leão, no qual oferece uma sólida gama de
receitas: tiradito (prato peruano com peixe cru semelhante ao sashimi),
almôndegas ao curry, arepas (massa de pão feita com milho típica em países como
Venezuela, Colômbia e Panamá), tacos (pastel mexicano feito com milho ou
trigo), sopas, hambúrgueres... incluindo pratos que Rausch mantém no cardápio
de seus restaurantes, como o ceviche com frutas tropicais e peixe-leão ao
forno.
A captura do peixe-leão é
realizada atualmente na Colômbia na região do Rincón del Mar, em Sucre,
mobilizando 150 pescadores. A venda ocorre em Bogotá, através da rede de
supermercados Olímpica. Ainda não está disponível nas peixarias, mas essa é a
segunda parte do desafio assumido por Rausch, para o qual busca financiamento.
O peixe-leão é consumido em
alguns lugares do México há muito tempo, embora de forma mais discreta. Duas
cooperativas de pescadores de Cozumel, ilha caribenha de Quintana Roo, capturam
e vendem mensalmente uma tonelada dessa espécie. A maior parte acaba em
mercados locais, em Ribera Maya e Cancun. A pesca intensiva reduziu
consideravelmente a presença do peixe-leão nessas águas.
Já não existe uma só restrição
que limite sua pesca. A comunidade internacional reagiu frente a uma invasão
que ameaça o equilíbrio natural das costas do Atlântico, o sustento dos
pescadores artesanais e os interesses turísticos de muitas comunidades
costeiras. Ninguém fica de fora dessa batalha. Ignacio Medina – Espanha in
“El País”
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