I
Foi
o escritor catalão Eduardo Mendoza, o romancista espanhol que mais vende livros
na Espanha contemporânea, quem, a propósito da obra da escritora brasileira (de
origem galega) Nélida Piñon, alertou este resenhista para o fato de que as
mulheres olham para a vida por uma janela que sempre esteve vedada aos homens. Por
isso, quando escrevem romances, criam personagens mais densas, provavelmente,
porque as veem com maior sensibilidade.
Esta
observação foi feita em janeiro de 1990, a uma mesa do café Samoa, que fica em
frente à Casa Milà, também conhecida como La Pedrera, em Barcelona, e sua
validade só tem sido confirmada ao longo destes 28 anos. De fato, essa
observação pode ser confirmada também com a leitura do recém-lançado de Desamores da portuguesa, primeiro
romance da escritora brasileira Marta Barbosa Stephens, que conta a história de
vida de uma portuguesa, de 41 anos, sem nome, que vive um triplo autoexílio: do
país, da língua e do passado.
Escrito
em linguagem em que a autora demonstra domínio do ofício, como observa o
escritor Luiz Ruffato na contracapa do livro, Desamores da portuguesa
reconstitui a trajetória de uma mãe de três filhos que, em poucos anos,
fracassara por três vezes na tentativa de formar uma família estável. E optara
pela solidão, vivendo na fria Londres, longe de tudo e de todos, mas sem
entender o que falavam nas calçadas, limitada apenas a rápidos diálogos com
compatriotas. “Sua maior frustração era não ajudar as filhas nas tarefas
escolares”, escreve a personagem que conta a história, uma brasileira, que, a
exemplo da autora, também vive um autoexílio. “Ela não tentou aprender inglês,
nem antecipou sua volta para casa. Insistiu a seu modo, esperando que um
milagre a salvasse”.
Em
poucas e resumidas palavras, o enredo começa com o primeiro casamento da
portuguesa com um brasileiro, Estevão, que a levara para morar na casa de sua
família num bairro elegante e verde da cidade de São Paulo. A vida corria com
certa folga: a portuguesa era auxiliada por empregadas no serviço doméstico, a
filha crescia, até que, um dia, aconteceu o inesperado. Ao portão da casa,
apareceram alguns bandidos e anunciaram um assalto quando a família chegava em
seu automóvel. Os marginais levaram o carro e por pouco não levaram também a criança
que estava no banco traseiro. “Foi naquele momento que a portuguesa sentiu
raiva do Brasil pela primeira vez”, conta a autora. Depois disso, ela isolou-se
cada vez mais, com medo de sair às ruas onde já não conseguia distinguir um
operário de um bandido. A consequência é que, um dia, resolveu largar tudo:
aquele país violento, o marido, a sogra, as empregadas, o conforto. Voltou para
Portugal.
II
Em
Lisboa, conheceu Laerte. E passou a viver com ele, mas sobrevivia da pensão do
ex-marido. Cuidava de uma criança e da tia idosa. Teve uma filha com ele, mas o
relacionamento igualmente não durou muito. Como os pais já haviam emigrado para
a Inglaterra, um dia, ela resolveu largar tudo de novo e foi embora sozinha
para Londres. Lá, numa reunião de uma igreja que fazia cultos em português,
conheceu Martinho, um português de 65 anos de idade, de quem logo engravidou. A
vida, porém, não seguiria o rumo esperado: Martinho logo sofreria um derrame e,
depois de semanas no hospital, passaria a viver com o auxílio de uma cadeira de
rodas.
Por
este pouco alentado resumo, o leitor já pode ter uma ideia do que vai encontrar
neste romance que representa a expatriação, tema tão presente no Brasil de hoje
em que as cabeças mais pensantes não encontram outra saída para o País que não
seja o portão de embarque dos aeroportos internacionais. Mais importante: vai
encontrar um enredo bem urdido, que o estimula a conhecê-lo de uma assentada.
Provavelmente, porque a autora como diria Mendoza, sabe passar para suas
personagens a sua vivência feminina, sua sensibilidade e emoção, o que
romancistas homens, dificilmente, conseguem quando têm de transmitir para o
papel o sentimento de uma mulher.
Em
outras palavras: como bem observa o editor, cronista e escritor Alexandre Staut
na apresentação que fez para o livro, este romance permite que o leitor conheça
por dentro as “personagens, em suas frustrações e desencantos”, mas, ao mesmo
tempo, constitui um libelo “sobre a esperança possível e a fé na vida”, ou
seja, a vontade de se reconstruir depois de cada fracasso pessoal. É o que o
leitor vai encontrar aqui num texto bem escrito, direto e maduro, apesar da
juventude da autora, o que permite antever que o leitor ainda será brindado com
outros excelentes romances desta autora.
III
Marta
Barbosa Stephens, nascida no Recife, Pernambuco, é jornalista e crítica
literária, com mestrado pela Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São
Paulo. Residente em Londres há alguns anos, divide seu dia-a-dia com tarefas
como cuidar de seus dois filhos e dedicar-se à escrita, além de trabalhar como
jornalista para garantir a sobrevivência da família, inclusive como
correspondente da revista eletrônica Prazeres
da Mesa. Quando encontra tempo, costuma ir a National Gallery, onde busca
inspiração para seus exercícios literários.
É
autora também de Voo luminoso de alma
sonhadora (2013), seu primeiro livro de contos. Alguns de seus contos estão
em diversas coletâneas, como A mulher em
narrativas (2017) e Perdidas –
histórias para crianças que não têm vez (Imã Editorial, 2017). Tem
concluído o seu segundo romance, As
viúvas passam bem. Adelto Gonçalves - Brasil
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Desamores da
portuguesa, de Marta Barbosa Stephens. Rio de Janeiro: Livros de
Criação: Ímã Editorial, 112 páginas, 2,99 euros, 2018. Site da editora:
imaeditorial.com
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Adelto Gonçalves
é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São
Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito
e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2015) e Os Vira-latas
da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981;
Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), entre outros. E-mail:
marilizadelto@uol.com.br
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