A
França estará a pressionar Portugal para não aderir formalmente à iniciativa
chinesa, quando Xi Jinping visitar Lisboa no próximo mês. Fontes garantem que a
Alemanha também está preocupada. Mas Portugal não quer desperdiçar o eventual
investimento chinês no Porto de Sines
A França pediu a Portugal para
não aderir à iniciativa “Uma Faixa, Uma Rota”, de acordo com as revelações
feitas pelo antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus, Bruno Maçães,
numa recente entrevista ao jornal i. Maçães afirmou concretamente que “tanto
quanto sei, o Presidente Macron enviou uma mensagem ao Governo português
dizendo que ficaria muito desiludido se Portugal entrasse na iniciativa
chinesa”. Ao Ponto Final, a presidente da Associação Amigos da Nova Rota da
Seda, Fernanda Ilhéu, diz não conhecer essas pressões e, a existirem,
considera-as “com certeza muito estranhas”.
A antiga directora executiva
da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Chinesa lembra que “a União Europeia
ainda não definiu uma estratégia clara sobre a sua participação na iniciativa
‘Faixa e Rota’, e embora em 2018 se tenham dado alguns passos nesse sentido,
ainda não existe uma posição estruturada para um comportamento multilateral dos
países membros, portanto o que estamos a verificar é que existem já países a
avançar com memorandos de entendimento bilaterais e alguns projectos entre
Países da União e a China no contexto ‘Faixa e Rota’ começam a tomar forma
nomeadamente da Itália, da Grécia, da Inglaterra da própria França…”.
Já o investigador Paulo
Duarte, autor do livro “A Faixa e Rota chinesa: a convergência entre Terra e
Mar”, considera, também em declarações ao Ponto Final, que “são pressões
expectáveis e naturais, sobretudo porque vêm de países que são eles próprios
motores da União Europeia ao nível geopolítico, geoestratégico e geo-económico,
França e Alemanha”.
Paulo Duarte lembra “a pressão
natural que os Estados Unidos exerceram, ainda na era Obama, para evitar que 14
Estados europeus aderissem ao Banco Asiático de Investimento e Infra-estrutura.
O certo é que as pressões do parceiro transatlântico viriam a revelar-se um
fiasco, porque contra a vontade de Washington e na ausência de qualquer
resposta coordenada da Comissão Europeia face à Faixa e Rota chinesa, uma parte
significativa dos países-membros da União Europeia aderiu à iniciativa
chinesa”, incluindo Portugal.
Para Duarte, “quem mais
legítimo para pressionar Portugal a não ser países europeus, como uma França ou
Alemanha, que querem preservar uma identidade europeia, tão abalada pelo
anúncio do Brexit, pelo terrorismo, refugiados, entre outros?”. O Ponto Final
contactou a Embaixada de França em Lisboa, solicitando explicações e outros
detalhes, sem resultado.
A
resposta de Portugal
Fernanda Ilhéu acredita que “o
Governo português com certeza saberá lidar com essa realidade e distinguir o
que são pressões concorrenciais e o que são os contornos de precaução na
assinatura de memorandos de entendimento que não infrinjam as regras da União
Europeia”.
O também investigador Paulo
Duarte acredita que “Portugal será cauteloso”. Por um lado, “pesam os
compromissos face à União Europeia, à OTAN e, em geral, a solidariedade e o
sentido de pertença face a uma Europa em pré-convulsão de vária ordem. Por
outro lado, Portugal será pragmático. Sines pesa na balança do pragmatismo, o
gás natural, o eixo Panamá-Praia da Vitória (porto de águas profundas de que se
ouvirá falar no futuro e que fica na Ilha Terceira, Açores), o sector dos
seguros e da energia, a rota ferroviária que actualmente liga Yiwu a Madrid e
que tenderá a terminar, no futuro, em Portugal (muito provavelmente em Sines,
onde a terra abraça o mar)… Tudo isso são factores importantes, especialmente
se se tiver em conta que a União Europeia é heterogénea e acusa sinais de
fraqueza”.
Em resumo, diz Duarte ao Ponto
Final: “Posso estar equivocado, mas não creio que Portugal feche a porta à ‘Faixa
e Rota’ chinesa até porque de certa forma já está inserido nela. Basta lermos
as notícias que dão conta do interesse veemente dos governantes chineses em
tentar captar o olhar da China para Sines… Viria agora Portugal, apenas por
causa das naturais pressões franco-alemãs, voltar atrás e dizer que afinal
Sines e o investimento chinês já não são importantes? Não me parece. Muito pelo
contrário. Agora, Portugal pode adoptar uma perspectiva moderada, não abrindo
incondicionalmente a porta à China nem se fazendo total mudo face aos avisos
franco-alemães, quando estes últimos pugnam por maior controlo estratégico (não
necessariamente em Portugal mas na UE ‘lato sensu’) de sectores da economia
considerados vitais”.
Já Bruno Maçães, que
recentemente publicou o livro “O Despertar da Eurásia”, entende, na entrevista
que deu ao jornal i, que “a questão é delicada e exige muita reflexão da parte
do Governo português, porque há muito a ganhar, mas também, possivelmente,
bastante a perder, qualquer que seja a decisão. Uma das razões pelas quais a
decisão está em aberto é precisamente o facto de haver pressões dos dois
lados”. O Ponto Final pediu um comentário ao Ministério dos Negócios
Estrangeiros português, sem sucesso.
A
visita de Xi Jinping
Segundo apurou o Ponto Final,
que confirmou junto de várias fontes a informação tal como o ex-secretário de
Estado a formulou, é a proximidade da visita de Xi Jinping a Portugal no
próximo mês que dita esta agenda. A França, mas também a Alemanha, pretendem
evitar que Portugal aproveite esse momento para se pronunciar abertamente sobre
a adesão à iniciativa Chinesa, preferindo uma posição mais neutral.
A verdade é que, até ao
momento, não houve uma declaração formal por parte de Lisboa, ainda que o
Presidente Marcelo Rebelo de Sousa tenha afirmado em Maio deste ano, durante a
visita a Lisboa do ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, Wang Yi, que
“Portugal apoia firmemente a iniciativa ‘Faixa e Rota’ desde o seu início.”
Bruno Maçães fala numa
“decisão estratégica e que tem também muito a ver com uma questão fundamental
da política externa portuguesa que é a de saber se a política europeia e a
nossa posição na Europa é sempre mais importante do que tudo o resto, ou se a
nossa política europeia se encaixa numa política mais global. Julgo que nos
últimos 20 anos não houve decisão mais importante para a política externa
portuguesa do que esta que vai ser tomada nos próximos meses”.
Curioso é que, sem uma
adesão formal, a França já tem projectos bilaterais com a China, que se podem
enquadrar na iniciativa. E Macron, que esteve já este ano na China, prometeu
voltar “pelo menos uma vez por ano”. João
Meneses – Macau in “Ponto Final”
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