I
Depois
de ambientar os seus dois primeiros romances – A última adolescência (Bom Texto, 2004) e Ladeira do Tempo-Foi (Synergia Editora, 2017) – no tradicional bairro de São Cristóvão, no Rio
de Janeiro, o escritor Helio Brasil retorna aos contos, gênero em que fez sua
estreia tardia na literatura, aos 64 anos de idade, com a publicação de O anjo de bronze e outros contos
(Oficina do Livro, 1994). Desta vez, em O
perfume que roubam de ti... e outras histórias (Synergia Editora, 2018),
título assumidamente inspirado nos versos da famosa canção “As rosas não
falam”, dos compositores cariocas Angenor de Oliveira, o Cartola (1908-1980), e
Guilherme de Brito (1922-2006), reúne 26 contos que retratam personagens de
diversos momentos da vida brasileira, desde o Brasil Colônia até os dias atuais.
Aparentemente,
estas histórias são o resultado de uma vida inteira dedicada ao vício da
literatura, amor escondido a sete chaves até que, já na idade madura, o autor,
arquiteto de talento reconhecido por suas obras no Rio de Janeiro e também
celebrado como professor universitário, resolveu deixar o excesso de modéstia
de lado e transformar-se também em escritor. Ganhou a literatura de Língua
Portuguesa, pois, desde então, o autor passou a fazer parte de um seleto grupo
de escritores cujas carreiras começaram tardiamente, o que não os impediu de
alcançar a fama e o reconhecimento literário, de que bons exemplos são José
Saramago (1922-2010), Pedro Nava
(1903-1984) e Cora Coralina (1889-1985).
Agora,
Helio Brasil decidiu revirar o baú para dar a público histórias inéditas que
reúnem todos os sentimentos humanos, os bons e os maus, como amor, violência,
solidão, preconceito, heroísmo, conspirações, desejo, fé, traição, intrigas,
sedução, mistério e outros. Ao mesmo tempo, reedita alguns contos que já haviam
sido publicados anteriormente em coletâneas.
São
narrativas que podem ter como cenário um trem lotado no subúrbio carioca ou os
salões do palácio real ou ainda os quartos e salas de casas modestas ou
apartamentos grã-finos do Rio de Janeiro. Assim, figuras históricas como o
holandês Maurício de Nassau (1604-1679), Estácio de Sá (1520-1567), dom João VI
(1767-1826) e Domitila de Castro Canto e Melo (1797-1867), amante de dom Pedro
I (1798-1834), primeiro imperador do Brasil, são recriadas por Helio Brasil em
alguns destes contos, que trazem também personagens populares como uma faxineira,
“agridoce rosa suburbana”, que é assediada por um empresário, seu patrão, um
padre às voltas com a volúpia carnal, um empreiteiro que enriquece com a
construção de Brasília, participando do jogo sujo do poder, ou um escritor ghost writer endividado e atormentado pela necessidade de entregar
um livro a ser assinado por algum endinheirado.
II
Em
outros contos, o leitor vai encontrar as peripécias da vida de uma amazona de
um circo decadente, um jovem assediado e atormentado pela atração física que
lhe produz sua suposta tia, ou ainda uma viúva cinquentona “esquecida por
Deus”, moradora numa casa de cômodos no
decadente bairro do Catumbi, que, de repente, é descoberta e escolhida
por um jovem interessado apenas em alguns minutos de prazer.
Para
se ter uma ideia do estilo conciso e direto, que, de certa maneira, lembra o de
outro escritor carioca famoso, Machado de Assis (1839-1908), segue um trecho do
conto “Um alguidar cheio de frutas”, que conta a história daquela viúva, que
nunca imaginaria que um rapaz ainda pudesse querer se aproximar dela apenas
pelo deleite carnal, sem nenhuma má-intenção :
(...) Ziza percebeu que
o medo não chegava aos olhos. Espanto. Não era o medo que lhe acelerava o
peito. Suspendeu a respiração ao sentir os lábios do rapaz sobre os seus,
enquanto o corpo forte a prendia contra o colchão. A mulher enlaçou-o com os
braços e as pernas. Entre estranhas névoas de desejo, entregou-se inteira.
Como
observa o escritor, lexicólogo e tradutor Ivo Korytowski na apresentação que
escreveu para este livro, a nova obra de Helio Brasil exala um metafórico cheiro
que faz lembrar de O perfume (1985),
romance de sucesso internacional do alemão Patrick Süskind. Diz: Além do “perfume que roubam de ti”,
perpassam pelas narinas do leitor “o perfume forte dos abacaxis, das laranjas e
o odor sensual dos pêssegos”, “o perfume do jasmin”, “o perfume de tia Celeste”
e “a suave e perfumada mão de Dorothy”. Para Korytowski, desde o livro de
Süskind, “não se escrevia uma obra literária tão... perfumosa!”. Pois bem,
depois desta apresentação, não resta ao leitor outra alternativa que não seja a
de abrir bem as narinas e sair à procura deste novo livro de Helio Brasil. Não
irá se arrepender.
III
Nascido
no Rio de Janeiro em 1931, Helio Brasil, formado em 1955 em Arquitetura pela Faculdade
Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil, hoje Universidade Federal do
Rio de Janeiro (UFRJ), trabalhou no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE), atual BNDES, de 1955 a 1984, tendo supervisionado o projeto de
construção da nova sede da entidade, inaugurada em 1982. Projetou em equipe
edifícios residenciais, comerciais e industriais no Rio de Janeiro e em outros Estados.
Lecionou durante 20 anos a disciplina Projeto de Arquitetura na Universidade
Santa Úrsula e foi professor-visitante na UFRJ e na Universidade Federal
Fluminense (UFF).
Depois
que se aposentou pelo BNDES, passou a se dedicar à literatura, tornando-se um
dos mais importantes ficcionistas brasileiros da atualidade. Dedica-se à
escrita ficcional desde 1958, tendo obtido menções em concursos de contos.
Frequentou a Oficina Literária do professor e escritor Ivan Cavalcanti Proença,
editor da Livraria José Olympio Editora, do Rio de Janeiro, na década de 1980,
pela qual teve trabalhos publicados em coletâneas.
Sobre
o bairro de São Cristóvão escreveu uma trilogia, composta de um livro de não-ficção
– São Cristóvão: memória e esperança (Prefeitura
do Rio de Janeiro, 2004) – e dois
romances: A última adolescência e Ladeira do Tempo-Foi, romance dramático
que tem como fulcro uma ladeira imaginária do bairro de São Cristóvão, à época
da redemocratização pós-Estado Novo (1937-1946).
É
autor também de O Solar da Fazenda do
Rochedo e Cataguases (Synergia Editora, 2016), em co-autoria com José
Rezende Reis; Cadernos (quase) esquecidos
(2016), edição artesanal; Tesouro: O
Palácio da Fazenda, da Era Vargas aos 450 anos do Rio de Janeiro (Editora
Pébola, 2015), em co-autoria com Nireu Cavalcanti; e Pentagrama acidental, novelas (Editora Ponteiro, 2014).
Participou
também das coletâneas de contos Doze autores
e suas histórias (2003); A Marquesa de
Santos (2004); Tempos de Nassau
(2005); Ásperos e Macios (2010); O feitiço do boêmio 2010 (comemorando
100 anos de Noel Rosa), publicadas pela Editora Bom Texto; e O Rei, o Rio e suas histórias (2013),
publicada pela Editora 7 Letras. Adelto
Gonçalves - Brasil
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O perfume
que roubam de ti... e outras histórias, de Helio Brasil, com apresentação
de Ivo Korytowski. Rio de Janeiro: Synergia Editora, 1ª edição, 220 páginas, R$
40,00, 2018. E-mail:comercial@synergiaeditora.com.br
Site: www.synergiaeditora.com.br
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Adelto Gonçalves
é doutor em Letras na área de Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São
Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Imprensa Oficial
do Estado de São Paulo/Academia Brasileira de Letras, 2012), Direito
e Justiça em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do
Estado de São Paulo, 2015) e Os Vira-latas
da Madrugada (Rio de Janeiro, Livraria José Olympio Editora, 1981;
Taubaté-SP, Letra Selvagem, 2015), entre outros. E-mail:
marilizadelto@uol.com.br
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