Crianças de origem brasileira
e portuguesa têm aulas da língua de herança com apoio dos departamentos de
Educação dos diversos cantões suíços. O bom desempenho rende reconhecimento aos
alunos na escola regular e facilita na integração dos estudantes no país
Todas as manhãs a menina
Amanda Pauli penteia o cabelo em chiquinhas antes de ir à escola fundamental do
vilarejo de Glattfelden no cantão de Zurique. Como qualquer criança suíça, ela
aprende sobre a Eterna Aliança de 1291, a lenda de Guilherme Tell e as geleiras
dos Alpes. Mas é às tardes de segundas-feiras que o olhar dela se deixa estender
para além da Europa e do oceano Atlântico, chegando até à amada e tropical
Bahia.
Amanda participa semanalmente
das aulas de cultura e língua portuguesa oferecidas pelo programa HSK (Heimatliche
Sprache und Kultur) e aprende com a professora brasileira mais sobre o idioma
de herança da mãe. Experimentando a cada encontro um pouquinho da cultura
verde-amarela que tanto lhe pertence, Amanda constrói para si uma identidade
transnacional.
“Eu me divirto e gosto muito.
Acho que saber português facilita na hora de aprender o francês e assim também
posso falar com os meus primos”, conta a jovem risonha. Ela é personificação do
lema “Zweisprachig, ein Gewinn!”, ou “Fala duas línguas? Isso é uma vitória!” -
em adaptação livre.
O pai de Amanda concorda: “É
um tesouro para o futuro. Ela vai estar preparada para trabalhar e viver num
mundo global, transitando em culturas e línguas diferentes”, diz com sotaque
orgulhoso, o progenitor Markus Alexander Pauli.
As aulas de idioma de herança
estão disponíveis em toda a Suíça e os projetos HSK são geridos pelos
departamentos de educação de cada cantão. Na média há cerca de 40 opções de
cursos e as aulas ensinam além do idioma, tradições e geografia dos países de
origem.
O conteúdo das classes é
desenvolvido por organizações independentes que trabalham em parceria com os
governos cantonais. No caso do idioma português há opções distintas para cada
grupo lusófono: a Associação Brasileira de Educação e Cultura (ABEC), que
responde pelo currículo brasileiro e o Instituto Camões, responsável pelo
currículo lusitano.
“Tudo começou com a
preocupação de manter a criança estrangeira em contato com o idioma dos pais.
Isso vem justamente da noção de pertencimento”, explica a professora Claudine
Fialho Isele, que leciona no grupo da ABEC de Bülach, do qual Amanda faz parte.
O ensino de língua portuguesa
é um direito dos cidadãos portugueses garantido na constituição do país. Desde
os anos 1970 o governo português tem subsidiado o ensino da língua.
Inicialmente esse compromisso era tutelado pelo ministério da Educação, e desde
2010 está sob os cuidados do Instituto Camões e no orçamento do Ministério das
Relações Exteriores.
“Nos anos 1960-1970, os
trabalhadores que vinham passar temporadas aqui traziam as suas famílias e
faltava às crianças o aprendizado formal da língua. Ter aulas de idiomas era
importante para que elas não se desconectassem do país de origem e também para
que pudessem se integrar localmente cientes do seu pertencimento: para que não
ficassem à deriva entre duas culturas”, conta a professora Isele.
Integração
pela educação
O especialista Rolf Gollob é
doutor do Departamento de Projetos Internacionais em Educação da Universidade
de Educação de Zurique. Gollob publicou diversos livros sobre o tema e
acompanha de perto a questão do ensino de idiomas de herança na Suíça. Ele
explica que apoiar o indivíduo de modo total na sua identidade é importante
para fomentar a integração:
“A realidade dessas crianças é
transcultural. Não podemos deixar isso de lado. Precisamos aceitar e apoiar.
Até porque ao aprender um primeiro idioma com competência a criança terá
melhores condições de compreender bem um segundo ou um terceiro idioma. Pela
forma como o cérebro está interconectado é positivo estudar mais de uma língua
ao mesmo tempo”, afirma Gollop.
A colega dele, Dra. Wiltrud
Weidinger Meister concorda: “você só pode pertencer a uma sociedade
multicultural se sabe a respeito de sua própria identidade, o que inclui lingua,
hábitos e tradições. Acreditamos que você só poderá formar a sua própria
identidade se abraçar essa parte de si mesmo na sua personalidade. E isso
também enriquecerá a cultura do povo suíço como um todo”.
Os acadêmicos avaliam que a
dinâmica de integração é bidirecional, ou seja; ao mesmo tempo em que os
estrangeiros se integram à Suíça, a Suíça se conecta com o mundo por meio do
plurilinguismo.
“É uma ponte que tem duas
direções porque as crianças estrangeiras não estão isoladas. Elas estão
inseridas na mesma sala de aula das crianças suíças, que por sua vez ganham
conhecimento sobre as diversas culturas do mundo”, resume a Dra. Weidinger
Meister.
Comunidades
ativas
Além do poder de despertar
conexões globais, o ensino de idioma de herança promove também a coesão das
famílias estrangeiras no ambiente local. Tanto entre brasileiros, quanto entre
portugueses, o curso HSK serve de ponto de encontro semanal, onde mães, pais e
crianças convivem com novos e velhos amigos.
A coordenadora do ensino da
ABEC, Arlete Baumann, reconhece esse papel do curso e estima que as aulas
mobilizem uma comunidade de mais de 250 brasileiros em 22 pontos em todo o
país.
Desde que foi fundado há 16
anos o grupo se define como uma organização sem fins lucrativos. Segundo
Baumann é graças a essas pessoas “admiráveis” e ao “empenho” delas que é
possível continuar expandindo o projeto. “Sem a contribuição de cada um não
teríamos tido condições de chegar até aqui”, afirma.
O Instituto Camões desempenha
um papel semelhantemente na comunidade lusa, servindo de elo entre as famílias
portuguesas. A coordenadora do ensino na Suíça, Lurdes Gonçalves, reconhece
essa responsabilidade e calcula que o curso atenda cerca de 10 mil alunos de 7
a 18 anos em todo o país.
A forte demanda pelas aulas
tem feito o número de mestres aumentar. Em 2018 foram contratados mais três
instrutores, cuja formação pedagógica é específica no idioma lusitano.
“Atualmente já temos 79 professores e se houver necessidade, contrataremos
ainda mais”, avisa Gonçalves com orgulho.
E conclui com um convite:
“Estamos abertos a todos alunos. Inclusive crianças brasileiras e suíças.
Aqueles que querem aprender português podem vir estudar connosco, que sempre
serão bem-vindos”. Marina Wentzel –
Suíça In “Swissinfo”
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