A Guiné Equatorial foi o
último país a integrar a CPLP. Descobertos por um navegador português,
consideram que esta integração foi um “regresso a casa”. Saiba mais sobre este
país e o que pode representar para a lusofonia e para o mundo com Tito Mba Ada,
embaixador da Guiné Equatorial em Portugal.
A
Guiné Equatorial é um país de cerca de um milhão de habitantes. Conte-nos um
pouco mais sobre o país e as suas principais atividades económicas.
A Guiné Equatorial é um
pequeno país em extensão, mas com grandes ambições. Está geograficamente
situada na África Central, por baixo do Equador. Temos fronteiras terrestres
com os Camarões e Gabão e fronteiras marítimas com a Nigéria e São Tomé e
Príncipe. É um país suis generis porque nele convivem pacificamente vários
grupos étnicos. A Guiné Equatorial é um epicentro pois, para além dos seus
grupos nativos, recebe cidadãos de vários países africanos e europeus. É,
portanto, um país muito pacífico. A Guiné Equatorial conta, atualmente, com
ligações aéreas das principais companhias mundiais, estando ligada a todo o
mundo. Embora tenha sido considerada, até aos anos 90, como um dos países mais
pobres do continente africano, a Guiné Equatorial, graças à descoberta dos seus
recursos naturais e às decisões acertadas dos dirigentes, ocupa hoje um lugar
privilegiado no contexto do mundo. É um país que deixou de ser apenas recetor
de cooperação externa e passou a ser ele mesmo um grande contribuidor de
cooperação mundial. No dia 4 de dezembro, o governo da Guiné Equatorial
entregou um importante prémio Unesco, posto à disposição da comunidade
internacional, que premeia a investigação em ciências naturais. Este ano foi
especial, já que o vencedor foi um investigador português da Universidade do
Minho, Rui Luís Gonçalves dos Reis. Além disso, a Guiné Equatorial está a fazer
um grande contributo para a investigação em áreas como a malária e ébola. Não
somos um país com muitos recursos, mas partilhamos os poucos que temos com a
comunidade internacional. Fruto desse esforço na cooperação, a Guiné Equatorial
vai ocupar, a partir de 1 de janeiro de 2018, o seu assento como membro não
permanente no Conselho de Segurança das Nações Unidas. Economicamente é o
terceiro maior produtor de petróleo de África e é o sexto país africano a
tornar-se membro da OPEP. Além do petróleo e do gás, também tem boa madeira, um
mar imenso e uma terra fértil. Esta é a Guiné Equatorial.
Em
2014 tornaram-se membros de pleno direito da CPLP. Que portas abriram essa
conquista?
A Guiné Equatorial tornou-se
oficialmente membro da CPLP na cimeira de Díli. Digo oficialmente porque a
Guiné Equatorial foi descoberta por um cidadão português, Fernando Pó. Já
nascemos lusófonos. Temos uma relação antiga com o mundo lusófono, uma relação
bilateral direta com Portugal, portanto a entrada oficial na CPLP é
simplesmente para nós um regresso a casa. Somos lusófonos e esse é um direito
que ninguém pode mudar. A integração na comunidade também foi reforçada pelas
excelentes relações de amizade e de cooperação que a Guiné Equatorial mantém
com cada um dos estados-membros da CPLP. Com São Tomé e Príncipe temos
históricas relações de amizade; com o Brasil temos assinado acordos de
cooperação em vários domínios; Angola é um país irmão, tal como a Guiné-Bissau
e Cabo Verde, com quem mantemos uma cooperação magnífica. O país que estava
mais longe era Timor, mas a Guiné Equatorial conseguiu mobilizar várias visitas
de estado entre os dois países para que possa haver uma cooperação mútua. Estes
são sinais de que a Guiné Equatorial nasceu lusófona, é lusófona e continuará a
ser um país membro de pleno direito da CPLP. É claro que por razões óbvias da
colonização passamos a pertencer, na área política, a Espanha. Recebemos de
Espanha muita cultura. O importante é celebrar esse triângulo com muitas
potencialidades culturais, económicas e políticas, cujo epicentro é a Guiné
Equatorial. Em África, somo o único país com três línguas oficiais: espanhol,
francês e português, além de outras línguas nacionais. Um cidadão da Guiné
Equatorial fala no mínimo quatro idiomas. É uma grande potencialidade.
A
cooperação com Portugal já se fazia em áreas como a educação e a promoção da
língua portuguesa. Que iniciativas foram desenvolvidas em prol destes dois
temas?
Com Portugal precisamos de
reforçar ainda mais a cooperação ao nível do ensino. A formação do capital
humano é um dos principais objetivos do meu governo e cremos que Portugal tem
boas condições para ajudar a Guiné Equatorial. É sabido que ninguém pode falar
uma língua não materna em dois dias. A Guiné Equatorial integrou-se
voluntariamente na CPLP e tomou a decisão de assumir a língua portuguesa como
terceira língua oficial. Esta decisão está-se a implementar com determinação. O
governo já está a cumprir a parte que lhe corresponde: já a declarou como
idioma oficial; está a introduzir a língua nas escolas; os programas
informativos da televisão e da rádio estão a ser transmitidos em português; a
Universidade Nacional da Guiné Equatorial tem aulas em português; os políticos,
começando pelo Presidente da República, estão a fazer os seus discursos em
português. O país está a desenvolver esforços consideráveis para ser um difusor
da língua portuguesa nessa parte do mundo, mas para isso precisamos da
cooperação dos estados-membros. Estamos a tentar criar bolsas de estudo para os
jovens, que são a garantia da integração, para que possam vir a Portugal
estudar e falar com os seus homólogos o mesmo idioma. O setor agroalimentar,
das pescas e da pequena indústria seriam setores a desenvolver, também com a
cooperação portuguesa.
Os
empresários portugueses já estão alertados para o investimento na Guiné
Equatorial?
A Guiné Equatorial tem um
programa de desenvolvimento que foi desenhado quando o país desenvolveu os
recursos petrolíferos. O governo, tendo em conta as experiências do petróleo em
diferentes países, convocou uma cimeira nacional e convidou parceiros
bilaterais para ajudar a Guiné Equatorial a refletir sobre como gerir os
recursos. Esta cimeira resultou num programa de desenvolvimento a realizar em
etapas: a primeira etapa, que já terminou, prendia-se com a criação de
infraestruturas. Não tínhamos estradas, não tínhamos um aeroporto condigno.
Hoje temos cinco. Ainda há muito a fazer, mas estamos contentes com as
infraestruturas criadas. A segunda fase destina-se a evitar a dependência do
setor petrolífero. Queremos a diversificação da economia e, para isso, temos
que criar novas fontes de crescimento. As prioridades são os setores marítimo e
agroalimentar, nos quais Portugal também pode retirar vantagens. Portugal tem
muita experiência nessas áreas e queremos que colabore e faça negócios na Guiné
Equatorial. Acreditamos que os empresários portugueses já podem avançar para
aproveitar as oportunidades que oferece este país.
Em
termos da entrada no país, que exigências são feitas para se entrar legalmente
na Guiné Equatorial?
Em diplomacia, impera a
reciprocidade. A Guiné Equatorial já tem instalada uma missão diplomática em
Portugal que está a oferecer serviços de todo o tipo aos cidadãos portugueses e
aos cidadãos da Guiné Equatorial que residam em Portugal. Para obter o visto é
simples, basta ter o passaporte válido, o boletim de vacinação internacional
atualizado, o certificado de registo criminal e um seguro de viagem. Gostaríamos
que Portugal também prestasse este mesmo apoio aos equato-guineenses.
Infelizmente, a missão diplomática portuguesa na Guiné Equatorial ainda não
pode conceder vistos, o que dificulta o programa de cooperação entre os dois
países, o processo de integração e a livre circulação de pessoas.
Podemos
dizer que a Guiné Equatorial é um país seguro?
Sim. A questão da segurança é
uma prioridade para o meu governo. Um país que não tem paz é um país que não
tem desenvolvimento. Fruto dessa estabilidade, a Guiné Equatorial, nos últimos
anos, converteu-se no epicentro de grandes eventos internacionais. Organizámos
a Cimeira da União, os Jogos Africanos, a cimeira com a União Europeia, a
cimeira com os Países Árabes, a Cimeira ACP (Países de África, Caraíbas e Pacífico).
Se não houvesse garantia de paz e estabilidade, esse tipo de eventos não se
realizaria na Guiné Equatorial.
O
turismo é uma atividade que já se destaca na economia da Guiné Equatorial? Já
existem infraestruturas para corresponder à procura?
Estamos a trabalhar para que o
turismo seja seletivo e estratégico. Temos uma biodiversidade incrível que já
se encontra a ser estudada por universidades americanas. É um turismo de
investigação. Não queremos um turismo massivo, mas sim com qualidade. Temos uma
nova cidade que se chama Djibloho, no meio da natureza, com condições
incríveis. Lá, o governo construiu uma nova universidade que vai receber
estudantes de todo o mundo. Imaginem uma construção moderna de Lisboa, mas no
meio no mato. Estamos a criar condições para abrir, paulatinamente, a Guiné
Equatorial ao mundo.
Em
que medida é que o processo de adesão da Guiné Equatorial a membro de pleno
direito da CPLP foi delicado?
O processo foi delicado porque
muitas pessoas não entendiam o regresso da Guiné Equatorial ao mundo lusófono e
não sabiam a ligação natural que a une a Portugal. Mais tarde perceberam que a
CPLP ganha mais com a integração da Guiné Equatorial: ganha espaço marítimo,
ganha mercado internacional, ganha capacidade linguística. A CPLP fica numa
posição privilegiada através da Guiné Equatorial. Algumas questões delicadas,
como a questão da língua, foram julgadas sem conhecimento de causa. Outra
questão delicada prendeu-se com a pena de morte. A Guiné Equatorial é um país
com muito respeito pelos direitos humanos. Acabámos de realizar, pela primeira
vez, três eleições ao mesmo tempo: senado, parlamento e autarquias. O relatório
por parte da comissão de observação diz tudo: transparência. A Guiné Equatorial
tem um programa chamado Ensaio Democrático. A democracia não é propriedade de
nenhum estado e nenhum tem uma democracia perfeita. Estamos a copiar as boas
práticas de uns e a evitar as más práticas de outros, sempre garantindo a paz.
Graças a esse programa, todos os políticos da Guiné Equatorial pensam no
desenvolvimento do país. A democracia está a avançar com pés firmes. Depois de
muito tempo sob herança colonial, a Guiné Equatorial fez um referendo para
instituir novas instituições democráticas no país. Antes não tínhamos Senado e
agora temos duas Câmaras, não tínhamos Tribunal de Contas e agora temos para
ajudar a controlar o Governo e a lutar contra a corrupção. Temos um Defensor do
Povo, para acompanhar o cumprimento dos direitos de todos os cidadãos. Antes, o
chefe de Estado podia desempenhar essa função eternamente. Agora, há limitação
do mandato. Temos muitas mulheres a ocupar cargos importantes, sem
descriminação de salário nem de acesso às oportunidades. Somos um Estado
católico, que tem respeito pela morte. Não nos interessa a pena de morte, uma
herança colonial. Antes de pertencer à CPLP, a Guiné Equatorial já estava a
lutar contra a pena de morte com a outorgação de amnistia e concedendo indultos
aos condenados. Tínhamos leis coloniais que previam a pena de morte, mas fazer
parte da CPLP foi a melhor oportunidade para encontrar uma solução legal para
fazer face a esse problema. E, por isso, foi adotada a Moratória, já que
legalmente não era possível abolir a pena de morte. A abolição implica alterar
a Constituição. Em 2012 fizemos um referendo, que é a expressão máxima para
mudar a lei fundamental, e não é possível voltar a tocar, em tão pouco espaço
de tempo, na Constituição. Por isso adotámos a Moratória, que na prática é o
mesmo que a abolição. Já não se pratica a pena de morte na Guiné Equatorial. No
entanto, o desafio continua, porque a ausência de acervo jurídico obriga-nos a
trabalhar para que a pena de morte tenha leis alternativas nos diferentes
códigos do país. Pedimos, assim, a Portugal apoio técnico nesta matéria, para que
a Guiné Equatorial possa terminar a obra da melhor forma.
Para
terminar, e visto que estamos no final de 2017, gostaria de deixar uma mensagem
aos nossos leitores?
Neste mês de natal gostaria de
agradecer a todos os empresários que estão a explorar o mercado da Guiné
Equatorial e, sobretudo, gostaria de deixar uma palavra de encorajamento, para
que continuem a viajar para Guiné Equatorial. Gostaria também de dizer aos meus
compatriotas para que aproveitam as oportunidades que têm ao estar em Portugal.
Quero agradecer também aos portugueses, ao presidente Marcelo Rebelo de Sousa e
ao Governo de Portugal por me abrir as portas. Portugal é uma prioridade para
Guiné Equatorial e sentimo-nos aqui como em casa. In
“Revista Business Portugal” -
Portugal
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