I
A exemplo do que Carlos
Drummond de Andrade (1902-1987) disse do poeta argentino Rodolfo Alonso, o
poeta Marcos Barrero não usa as palavras pela sensualidade que desprendem, mas
pelo silêncio que concentram, procurando com sua poesia tentar exprimir o
máximo de valores no mínimo de matéria vocabular. De fato, a poesia de Barrero
impõe-se por uma concisão que chega à mudez, como diria Drummond. É o que o
leitor pode comprovar em Pra machucar meu
coração (São Paulo, Editora Patuá, 2017), sua segunda experiência no
gênero, depois da estreia com Catchup,
Mostarda e Calorias (São Paulo, Editora Artrífice, 2008).
Nascido em Assis, na região
Oeste do Estado de São Paulo, Barrero vive há mais de quatro décadas na capital
paulista, embora nunca tenha abandonado suas ligações com a terra natal, como é
prova o livro Assis de A a Z – a
Enciclopédia do Século 1905-2005 (São Paulo Editora L2m, 2008), em que reúne verbetes sobre personagens notáveis
daquela cidade em seu primeiro século de existência, o que inclui não só figuras
locais, mas também nacionais e internacionais,.
Em outras palavras: embora o
título deste livro renda homenagem ao compositor carioca Ary Barroso
(1903-1964), o coração do poeta é essencialmente paulistano, como mostram
vários poemas em que procura reinventar o cotidiano de uma cidade que hoje já
pouco tem da paulicéia desvairada de Mário de Andrade (1893-1945). Um bom
exemplo é “Bar da Rua do Chora Menino”, que flagra um instante numa artéria
situada no bairro do mesmo nome na Zona Norte de São Paulo, distrito de
Santana, local inicialmente ocupado por chácaras de imigrantes portugueses e,
mais tarde, habitado também por imigrantes armênios:
Banha
do dono derramada no balcão.
Moleque de havaianas
sonhando num canto.
Sol.
Um carro funerário
atravessa a rua.
Pés empoeirados e flores
murchas.
Um cão entre as pernas.
Cai a tarde.
E a viúva da rua de
baixo passa com olhos espertos sob a sombrinha.
II
Se nem todo poema carrega
poesia, é verdade que nem toda poesia aparece como poema. Mas, às vezes, é
preciso procurar descobrir o que está por trás do poema ou, quem sabe, por
dentro do poema. Por isso, mesmo quando se trata aparentemente apenas da
apreensão de um flagrante da vida ou de uma tentativa de reprodução de um
momento, uma “fotografia” da realidade, ainda assim há poesia por trás dos
versos secos. No caso de Barrero, suas peças perfeitas são as pequenas, como
disse certa vez Lêdo Ivo (1924-2012) da poesia de Manuel Bandeira (1886-1968).
Leia-se, por exemplo, “Manzanero”:
O nosso amor quase sempre é fevereiro
Às vezes, agosto.
Certos meses, incerto
Alguns anos melhor do que outros.
Nada mais quero
Só esse bolero no alto-falante.
Me gusta así:
o flash, o insight, o instante.
Em vários seus versos, há também uma nítida
preocupação com o ocaso inevitável das coisas, a degeneração ou decadência do
ser humano, enfim, o sentimento da aproximação da morte, como se pode ver no
poema “PS”:
Vai o
vulto
das dores físicas
do desabamento do corpo
arrastando o chinelo
desenhando com os pés
os percalços da carne veterana.
A cada passo
lento nos corredores
o mapa da dor
a geografia do fim.
Adepto do verso livre e de
poemas breves, elípticos e sugestivos – alguns, até epigramáticos –, Barrero,
com esta obra, dá uma demonstração inequívoca do vigor de sua poesia,
conduzindo-se sempre de modo harmonioso neste ofício, o que deixa entrever que
pode oferecer muito mais em próximos livros, pois, com certeza, há de ter
gavetas cheias de textos à espera para saírem à luz.
Resenhista de mão cheia e,
portanto, leitor contumaz, além de bibliófilo à la José Mindlin (1914-2010), o que o fez até reservar um imóvel
só para abrigar suas preciosidades literárias, Barrero não é um poeta
principiante, embora não seja vasta a sua produção poética publicada. Poeta de
estilo apurado e profundo conhecedor da vida e da obra dos maiores poetas do
Brasil e do mundo, ele, que sempre viveu (e sobreviveu) das palavras, sabe o
valor exato que cada uma tem quando precisa manifestar o que lhe vai pela alma.
E, por isso mesmo, sempre foi muito rigoroso com sua própria obra.
III
Jornalista, escritor e professor
de Jornalismo, é autor ainda dos livros História
dos Campeonatos Regionais (esportes), Casa
da Fazenda (co-autoria), Dez Décadas
– a História do Santos FC (co-autoria) e Empresários Brasileiros (co-autoria). Foi roteirista e diretor da
Rede Globo e o primeiro ombudsman de
rádio do mundo na Bandeirantes/AM, em 1996, conforme registra a Organization of News Ombudsman, de San
Diego/Califórnia. Atuou como professor de Jornalismo, Telejornalismo e
Radiojornalismo na Pontifícia Universidade Católica (PUC), de São Paulo, de
1990 a 2004.
Foi apresentador, diretor
artístico e um dos fundadores da allTV,
com a qual ganhou o Prêmio Esso de Melhor Contribuição ao Telejornalismo
Brasileiro em 2005. Formou-se em Jornalismo pela Faculdade Casper Líbero, de
São Paulo, e possui curso de especialização em Jornalismo Brasileiro pela mesma
instituição.
Foi chefe de redação do
extinto jornal A Gazeta Esportiva e
editor da Revista Placar, da Editora
Abril. Fez várias coberturas internacionais e ganhou os principais prêmios
jornalísticos do País, inclusive o Prêmio da Associação Paulista dos Críticos
de Arte (APCA). Desempenhou ainda as funções de repórter, redator e editor na
revista Manchete, nos jornais O Estado de S. Paulo, Gazeta Esportiva e Diário de S. Paulo, na Editora Abril e nas rádios Jovem Pan e
Bandeirantes. Escreveu para Veja, Isto É, Folha de S. Paulo e Leia
Livros. Adelto Gonçalves - Brasil
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Pra machucar meu
coração, de Marcos Barrero. São Paulo: Editora
Patuá, 116 págs., R$ 38,00, 2017. E-mail: barrero@uol.com.br Site:
www.editorapatua.com.br
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Adelto Gonçalves, jornalista, mestre em Língua Espanhola e Literaturas Espanhola e
Hispano-americana e doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de São
Paulo (USP), é autor de Os Vira-Latas da
Madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra
Selvagem, 2015), Gonzaga, um Poeta do
Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo,
Publisher Brasil, 2002), Bocage – o
Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás
Antônio Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado
de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça
em Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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