James Swe quer que a comunidade de descendentes de
portugueses no Myanmar conheça essa herança cultural. O seu livro sobre os
portugueses que por lá passaram durante a primeira dinastia birmanesa vai ter
lançamento em língua portuguesa no próximo ano. “Se formos até estas vilas [na
zona de Ye U, em Myanmar] falar com as pessoas e perguntar qual a sua
nacionalidade, dizem que são portugueses. Não sabem onde fica Portugal nem
falar português, mas sentem-se portugueses. Mesmo o Governo, até cerca de 1970
não os reconhecia como birmaneses, chamava-lhes estrangeiros”
Myanmar, à época Birmânia, foi
um dos países por onde os portugueses se chegaram a fixar enquanto exploravam a
Ásia. “Cannon Soldiers of Burma”, um livro de James Swe que retrata os
portugueses que passaram pela antiga Birmânia e assumiram a posição de mercenários
entre lutas pelo poder de reis, vai ser traduzido para a língua de Camões.
Espera-se que seja lançado em meados do próximo ano.
James Swe, autor da obra, é
ele próprio descendente de portugueses que se radicaram na Birmânia no século
16, embora viva no Canadá. O livro vai sair numa publicação conjunta entre a
Gradiva e a Macaulink, com o apoio do Instituto Internacional de Macau. No
território vai contar com o lançamento de 200 exemplares, enquanto em Portugal
planeiam lançar 500.
Foi em 1510 que os portugueses
chegaram à Birmânia. Realizavam trocas comerciais com a comunidade local e actuavam
como mercenários a favor dos reis, outras vezes como inimigos. O autor explicou
que os mercenários portugueses em 1613 perderam uma guerra contra o rei Anaukpetlun,
tornando-se prisioneiros e se deslocaram para o centro da Birmânia.
Os portugueses que aí ficaram,
dados pelo nome de “Bayingyi”, concordaram em servir como soldados por várias
gerações. Anos mais tarde, foi-lhes concedida uma terra, Ye U, onde construíram
a primeira aldeia portuguesa. Foi neste local que também nasceu James Swe. É descendente
de portugueses na 14ª ou 15ª geração, conseguindo traçar a árvore genealógica
até ao século 17.
Um dos motivos que o inspirou
a escrever o livro foram as histórias que ouvia durante os Verões passados na
terra natal. “A maior história que todos os católicos conhecem é que quando os
portugueses foram presos e tomados como prisioneiros de guerra, todos os jovens
soldados tiveram o tendão de Aquiles cortado, porque assim não conseguiam
controlar o pé. Então não podiam fugir nem lutar”, recordou James Swe.
Histórias passadas de geração em geração que agora partilha com a sua família.
O autor tem três filhos e
quatro netos. “A minha neta Maya, tem muito interesse nestas coisas. Quando era
mais nova disse à professora que os avós ajudavam refugiados na fronteira da
Birmânia. E depois de dois ou três dias havia pessoas a deixarem-nos coisas à
porta”, disse, referindo-se o episódio ao facto de tanto James como a sua
mulher terem trabalhado numa clínica na fronteira com a Tailândia que dava
apoio a campos de refugiados.
Para além disso, quer que a
actual população de Myanmar saiba a história dos portugueses. “A população só
conhece uma versão, de que [os portugueses] foram destruir os pagodes budistas.
Tenho de lhes dizer que não foi isso que fizeram, até construíram um pagode
para o casamento budista de uma princesa. E ainda está lá”, sublinhou,
acrescentando que “os portugueses foram os principais actores na construção de uma
Birmânia contemporânea”.
A ligação não morreu. “Se
formos até estas vilas falar com as pessoas e perguntar qual a sua
nacionalidade, dizem que são portugueses. Não sabem onde fica Portugal nem
falar português, mas sentem-se portugueses. Mesmo o Governo, até cerca de 1970
não os reconhecia como birmaneses, chamava-lhes estrangeiros. Só agora é que os
aceitam como cidadãos”, disse. James Swe apontou também para outras
características de ligação: “Ainda mantemos alguma comida ou nomes parecidos.
Cozinhamos salsichas de forma muito parecida, o meu pai adorava fazer esses
pratos”.
James Swe é agora mais
canadiano do que birmanês, dado que durante quase 40 anos não pôde pisar o chão
da sua terra natal. Quando lhe foi autorizado o regresso, em 2012, já levava oito
anos de investigação feitos. Com grande parte da biblioteca dos reis birmaneses
no Reino Unido, o autor explicou que passou muito tempo a voar entre
Inglaterra, Portugal e o Canadá.
Em Myanmar, a informação
era escassa e pouco acessível. “Quando o governo militar tomou o poder em 1962
fecharam a universidade. Há livros na universidade mas não nos é permitido
ter-lhes acesso”, comentou. Salomé
Fernandes – Macau in “Jornal Tribuna de Macau”
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