África, era o nome de uma
província romana, cuja sede era Cartago.
Talvez seja esta a primeira
referência que se conhece a África, uma terra feita de gente extraordinária, de
Santo Agostinho, Bispo de Hipona, no século IV, ao norte, até Nelson Mandela,
ao sul, no século XXI.
Gente como o escritor Wole
Soyinka, na Nigéria, Albert Camus na Argélia, ou Amílcar Cabral na Guiné Cabo
Verde.
Para além de alguns mares
regionais, que existem graças a excentricidades geográficas, África encontra-se
banhada por três mares: o Mediterrâneo, o Atlântico e o Índico.
O Mediterrâneo ao norte é
culto, o Atlântico, a ocidente é prático e lógico, o Índico a oriente, é
místico e cerimonial.
É claro, que a expressão,
culto, tem a ver com a eterna visão egoísta e pretensiosa, quando não
sobranceira, que nós europeus, mesmo quando nascidos em África, como é o meu
caso, temos do mundo.
Muito provavelmente o Homem
terá nascido em África, na região central oriental, há cerca de dois milhões e
meio de anos, e daqui com uma origem única e comum, espalhou-se por toda a
Terra.
Contudo, apesar de ter sido o
berço da humanidade, África é particularmente marcada pelas sucessivas chegadas
de forasteiros ao continente, e pela forma como eles utilizaram os três mares
para o fazer.
Do Mediterrâneo chegou um
mundo antigo, a civilização grego romana, depois reformulada na civilização
judaico-cristã, com a solidez e estabilidade de tudo aquilo que é do centro, ou
médio, como foi a Idade Média, caracterizada esta por um gradual mas lento
ocaso da luminosidade mediterrânica, para um gradual crescimento da luz brumosa
do Atlântico.
Mas este estado de coisas foi
abruptamente interrompido, quando na transição do século XV para XVI,
portugueses e espanhóis, enfrentaram o grande oceano, e atravessaram-no sem
quaisquer referências de costa. O mundo ia deslocar-se do Mediterrâneo para o
Atlântico, da Idade Média para a Moderna, do velho para o novo.
A epopeia atlântica dos
descobrimentos, molda toda a vida de África ocidental. Africanos e europeus
encontram-se e conhecem-se pela primeira vez, um acontecimento de enorme
importância, e muito diferente do que vinha a acontecer na bordadura mais ou
menos extensa do Mediterrâneo, onde europeus, árabes e africanos, contactavam
desde há muito tempo, e iam aprofundando esse contacto de forma gradual, à
medida que mercadores árabes se embrenhavam no interior do continente.
Os portugueses de quinhentos
desceram o Atlântico africano em duas navegações distintas. Uma próximo da
costa, feita no célebre bombordo, destinada a ir registando a sua passagem,
assinalando terras com marcos, com as quais iriam construir o império, e outra
pelo grande mar fora, destinada a apanhar os ventos propícios que lhes
permitisse dobrar o extremo meridional do continente, ultrapassar o Cabo da Boa
Esperança, entrar no Índico e chegar à Índia.
Quando finalmente dobrámos o
Cabo em 1488, deixámos para trás o Atlântico e entramos no Índico, tudo se
alterou.
Na costa oriental de África,
os portugueses depararam-se com uma civilização antiga, feita de camadas
sobrepostas, por sucessivas presenças, em tempo e espaço.
À medida que se adentrava o
Indico, e que se encontravam as gentes e os costumes locais, o tempo
cristalizava, preso ao mormaço dos golfões.
Na Índia, o panteão dos deuses
era inesgotável, e fazia realçar a menoridade dos nossos patriarcas bíblicos,
quando comparados com a vetustez das divindades hindus.
No momento em que começaram a
conversar sobre religião, os cristãos descobriram que o seu Deus feito Homem,
tinha pouco mais do que mil anos, e foram apresentados a deuses que tinham a
idade suficiente para se julgarem pais dos Himalaias.
A China era tão velha, que já
estava ali quando todos os outros chegaram. Se lhe chamavam o império do meio,
era porque se calhar havia outro tanto para o lado de lá. E o seu interior
ficava inacessível por uma grande muralha.
Depois, quanto mais navegavam
rumo ao sol nascente, mais envelheciam, porque rumar ao oriente era subir o
curso da história.
Ao regressassem a casa iam
poder falar de coisas que ali, ainda estavam por acontecer.
Toda esta civilização de
civilizações, tinha vindo sem pressas tocar a costa oriental de África,
embalados pela brisa suave que enfunava as velas dos dhows, comerciar de tudo.
Aprender tudo e ensinar tudo.
Esta imensa sabedoria, ainda
hoje pode ser observada no contraste da alvenaria branca do casario da Ilha de
Moçambique, com a esmeralda liquida do
mar envolvente.
Quando Vasco da Gama aqui
chegou em 1498, encontrou uma população suáli, de onde vêm as mulheres mais
bonitas de África, numa mistura de árabes e negros, governada por um xeque
vassalo do Sultão de Zanzibar, nómadas marítimos, que viajavam por entre o Mar
Vermelho, a Pérsia, a Índia, até às primeiras espumas do Pacífico.
Rodeada dos seus três mares,
África constitui uma unidade cultural coerente, nomeadamente quanto à tão
desejada diversidade.
África, são estes três mares.
E um outro, um quarto mar, imenso e interior, feito de terras sem mar algum, o
que constitui um obstáculo mais ao desenvolvimento do continente.
Numa altura em que o mundo vai
voltar a ser dividido entre as nações, agora na base não da força mas do
direito, por pessoas qualificadas, com conhecimentos jurídicos, científicos,
técnicos e políticos, para o cálculo e a atribuição das plataformas
continentais, ou seja de mar, penso que era um gesto digno e altruísta, mesmo
que provavelmente de difícil execução e desprovido de resultados práticos,
identificar e registar áreas marítimas, no grande mar ainda devoluto das águas
internacionais, que pudessem ser atribuídas a todos os povos cujas agruras e
injustiças históricas privaram de mar. Artur
M Pires – Portugal in “Jornal da Economia do Mar”
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