I
Algumas teorias políticas, como as do comunismo e do anarquismo,
atraíram multidões não só porque pregavam a igualdade entre os homens como
prometiam aos descrentes em mudanças graduais a revolução dos costumes e o fim
dos privilégios e das classes sociais, ou seja, o paraíso na Terra. O
anarquismo esgotou-se logo porque defendia que não existia ditadura do
proletariado, mas apenas ditadura de um partido ou de meia-dúzia de
espertalhões. Mas o comunismo durou décadas e levou muitos jovens idealistas
que não acreditavam mais nas religiões a sacrificar a própria vida em favor de
um futuro que não existiria.
Apesar do fracasso dessas teorias, volta e meia, ainda existem
demagogos que se aproveitam da chamada democracia burguesa para empolgar as
massas com promessas mirabolantes. Como mostra a experiência, essas aventuras
invariavelmente acabam em desastres, pois, quando chegam ao poder, os demagogos
precisam não só cuidar dos negócios particulares e dos de sua família como
favorecer apaniguados, pois o que mais desejam é se locupletar com os recursos
públicos ou com as mamatas que os negócios feitos à sombra frondosa do Estado
sempre propiciam.
Tudo isso resulta em decepção para as massas, que continuam
famélicas e errantes, ao menos nos países do Terceiro Mundo. Diante dessa
situação de caos, as religiões ressurgem periodicamente porque, de certa
maneira, respondem às ameaças que são feitas cotidianamente, colocando em risco
a sobrevivência da humanidade. E trazem solidariedade às vítimas, o que nunca
se viu nos regimes que defendiam que a vida dos homens se esgotava no âmbito da
animalidade.
É o que mostra o professor e sacerdote Silvio Firmo do
Nascimento em O homem diante
do Sagrado: Alguns elementos da
antropologia das religiões (Londrina:
Humanidades, 2008), livro que não discute uma religião específica, mas que
trata da religião como obra humana edificada em torno do sublime, como diz o
filósofo José Maurício de Carvalho, que foi professor do Departamento de
Filosofia da Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ) e, atualmente, do
Instituto de Ensino Superior Presidente Tancredo de Almeida Neves (Iptan), no
percuciente prefácio que escreveu para este trabalho. Segundo Maurício de
Carvalho, neste livro, a religião é examinada como fato cultural, “produto da
nossa ação transformadora do mundo, ainda que esse fato não invalide o
reconhecimento da inspiração divina” (NASCIMENTO,
2008, p. 9).
II
De fato, num tempo como o de hoje em que a precariedade humana é
tão presente no dia-a-dia da população, depois do fracasso das experiências
totalitárias, as religiões, sejam as tradicionais ou as chamadas pentecostais,
ainda cumprem o seu papel fundamental, que é o de infundir esperança e
alimentar os sonhos de amor e paz, ou seja, manter o homem vivo, para se
repetir aqui uma expressão do poeta e dramaturgo alemão Bertold Brecht
(1898-1956).
Depois de discutir a conceituação de antropologia, de religião e
de antropologia da religião, Firmo do Nascimento avalia as teorias psicológicas
e sociológicas que falam da origem da religião, analisando as hipóteses do
sociólogo francês Émile Durkheim (1858-1917), do neurologista austríaco Sigmund
Freud (1856-1939), criador da Psicanálise, e do filósofo inglês Herbert Spencer
(1820-1903), sem deixar de penetrar na obra do poeta e filósofo latino Tito
Lucrécio Caro (Ca.99aC-143).
“Estarrecidos pelos males provocados na humanidade em nome da
religião – guerras, divisões, imposições, sacrifícios humanos, explorações,
conquistas, matanças –, alguns pensadores antigos e modernos desconfiaram da
seriedade da religião e quiseram ver a sua origem na maldade do coração ou na
perversão da mente”, diz o professor, adicionando entre os pensadores modernos
adeptos dessas teorias o filósofo britânico Bertrand Russel (1872-1970) e o
escritor e dramaturgo argelino Albert Camus (1913-1960).
Em suas considerações finais, Firmo do Nascimento (2008, p. 124)
defende não podemos ficar restritos à expressão “só Jesus salva”, mas acreditar
e agir como seres verdadeiramente humanos comprometidos com a verdade através
do homem bom: zeloso, sigiloso, honesto e objetivo. “A fé precisa descer das
altas esferas transcendentes para ocupar-se com o homem como habitação divina.
Noutras palavras: não se pode separar a experiência religiosa das outras
experiências humanas”, diz (idem),
acrescentando que “a religião possui essência libertadora e deve questionar o
imperialismo cultural europeu e norte-americano” (idem).
Enfim, o leitor que adentrar este livro, com certeza, sairá dele
diferente, mais fortalecido espiritualmente, pois, como diz o autor, em suas
derradeiras palavras, o homem precisa da harmonia consigo mesmo, com os outros,
com a natureza e com Deus, para viver humanamente o sentido da vida. Ou seja:
“a experiência da solidão leva-nos à solidariedade, da fraternidade à comunhão,
da finitude ao infinito e da consciência do limite dos bens naturais à
revalorização da natureza” (NASCIMENTO, 2008, p. 128).
III
Sílvio Firmo do Nascimento (1956), sacerdote diocesano em São
João del-Rei, Minas Gerais, é doutor em Filosofia pela Universidade Gama Filho,
do Rio de Janeiro (2001), mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Juiz
de Fora, Minas Gerais (1992), bacharel em Teologia pela Pontifícia Universidade
Católica (PUC), do Rio de Janeiro (1987), e fez Licenciatura Plena em Estudos
Sociais e Filosofia pela Fundação Educacional de Brusque, Santa Catarina, hoje
Faculdade Dehoniana (1983).
É autor dos livros Teses
morais do tradicionalismo do século XIX (Londrina:
Edições Humanidades, 2004), A
religião no Brasil após o Vaticano II: uma concepção democrática da religião (Barbacena: Unipac, 2005), A Igreja
em Minas Gerais na República Velha (Curitiba: Juruá, 2008), A pessoa
humana segundo Erich Fromm (Curitiba: Juruá, 2010),
A centralidade da eucaristia na vida da
humanidade (Garapuava: Pão e Vinho, 2011), Gotas de sabedoria (Curitiba:
Instituto Memória, 2012), A educação em um mundo globalizado, em coautoria com o professor Kennedy Alemar da Silva (Belo Horizonte: O
Lutador, 2014) e Pressupostos
epistemológicos e antropológicos da ética do tradicionalismo (Curitiba: CRV, 2ª ed., 2016), além de artigos sobre filosofia, ética, educação e religião.
Atuou como docente na Universidade Presidente Antônio Carlos
(Unipac), de Barbacena, Minas Gerais, de 1992 até 2008. Atualmente, é membro do
Comitê de Ética em Pesquisa da Unipac, membro efetivo da Academia de Letras de
São João del-Rei e docente do Iptan, de São João del-Rei. Atua como editor da Revista Saberes Interdisciplinares,
periódico semestral multidisciplinar do Iptan. Tem experiência na área de
Educação, com ênfase em Filosofia da Educação, atuando principalmente com os
seguintes temas: liberdade- propriedade-educação, tradicionalismo, educação,
catolicismo e ética. Adelto Gonçalves -
Brasil
______________________________________________
O homem diante do Sagrado: Alguns elementos
da antropologia das religiões, de
Sílvio Firmo do Nascimento, com prefácio de José Maurício de Carvalho.
Londrina: Edições Humanidades, 126 págs., R$ 40,00, 2008. E-mail:
silviofirmodonascimento@gmail.com Site: www.iptan.edu.br
_____________________________________
Adelto
Gonçalves é doutor em
Literatura Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de Janeiro, José Olympio Editora,
1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga,
um poeta do Iluminismo (Rio
de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona
brasileira (Lisboa, Nova
Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil, 2002), Bocage – o perfil perdido (Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio Gonzaga (Academia
Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012), e Direito e Justiça em Terras
d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa
Oficial do Estado de São Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
Sem comentários:
Enviar um comentário