Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quinta-feira, 25 de agosto de 2016

Angola – Os factos da quinzena IX

Os Factos da Quinzena

1º Facto: Amnistia entre um gordo pacote legislativo, à entrada de um período pré-eleitoral

Neste múltiplo facto da quinzena, em que assistimos a uma inusitada azáfama legislativa, aparentemente normal e à margem do colapso governativo que grassa no país, só não levado a situações reivindicativas mais acutilantes da comunidade nacional, pelo sucesso da “domesticação” popular pelo medo, releva a questão da aprovação da Lei da Amnistia. Entretanto, não se me afigura recomendável avançar muito sobre este aspecto, uma vez que o enquadramento da questão da injustiça que se abateu (se abate!) sobre os cidadãos submetidos ao “processo dos 17”, que se me apresenta central para essa amnistia, não me é técnico-juridicamente claro. O que posso agora adiantar, de acordo, aliás, com o meu pensamento jurídico humanista, é que interessa-me que, no plano material, a esses inocentes, sejam restituídas as suas liberdades.

Já muito do resto do conjunto legislativo, alegadamente enquadrado no esforço de dar continuidade à adaptação do nosso ordenamento jurídico à ordem constitucional vigente, suscita-me algumas preocupações e ideias, baseadas nas práticas a que temos assistido, desde o limiar da aprovação da Constituição de 2010. Rememoremos brevemente esta situação confrangedora que nos envergonha a todos, especialmente os que têm ou já tiveram responsabilidades institucionais: um chefe de Estado a exercer o comando de todos os poderes há 37 anos (como só acontece em mais um país africano que em nada merece ser imitado) sem que o fim da guerra pareça alterar alguma coisa, pelo contrário; um descomando quase total das estruturas éticas e morais, sob o incentivo da própria família presidencial, desde logo, pelo desprezo que dedica aos mais basilares princípios da probidade política e administrativa, visando apenas a manutenção e o fortalecimento do poder e do seu enriquecimento sem limites; como metodologia essencial o cerceamento do papel do Parlamento e da comunicação social massiva, o que resulta na obliteração da divulgação das mensagens das oposições e a consequente irresponsabilidade das estruturas centrais e provinciais da administração do Estado e o incentivo ao esquecimento do papel real e construtivo das estruturas do poder local autárquico; como consequência, uma anemia estadual completa que se destapou com a crise petrolífera (e não nos espantemos, se um dia, por ventura, se descobre que esta crise que não é salva com tanto dinheiro que se arrecadou em anos sucessivos anteriores, não é mais forma oportuna para por de joelhos tudo o que tente contrariar, mínima e legitimamente o rumo das coisas) com, só a título de exemplo, a vulgarização da extrema carestia de produtos básicos, nas nossas aldeias e bairros urbanos e da morte por toda a parte.

Para quem está atento como o estará, por exemplo o versado na matéria, jornalista Reginaldo Silva, que acompanhei nos seus comentários em relação à central questão que é a da comunicação social e da informação, vê-se que passados alguns anos sobre a primeira tentativa de “impor” um ordenamento inconstitucional para consagrar práticas abusivas e ilegais nesse domínio, volta-se à carga. Pois, poderão, agora, determinadas consciências estar mais amolecidas e os mecanismos de imposição mais afinados. Julgo que a seguir ao esforço, tanto quanto saiba, conseguido, da “executivização” das competências da CNE, o regime de dos Santos reforça o monopólio do controlo das eleições de 2017.

2º Facto: Terrorismo jihadista: uma conspiração de políticos ocidentais contra os seus próprios povos?

Desconfio que alguém que se terá apercebido da inconsistência da “teoria da conspiração contra Angola”, no caso dos chamados “revus”, por isso, e até pelo teor de alguns comentários manipuladores de gente conhecida, ocorreu-me interrogar-me se não se trata aqui de justificar o que alguns regimes fazem com os seus povos, em vez de se dedicarem em promove-los. Não digamos que os líderes ocidentais sejam santos. Aliás, temos aqui criticado muitos dos equívocos e até mesmo crimes de líderes ocidentais, na defesa de seus interesses meramente materiais. Mas daí a afirmar-se que os actos terroristas são incentivados por eles para se manterem no poder, condicionando as liberdades dos seus concidadãos?! Se isso pudesse, ao menos, lembrar o diabo! Aliás, mesmo que que isso fosse uma verdade tão evidente, é preciso recusar essa ideia propalada por certos comentadores e lobistas angolanos, dentro e no exterior do país, de que tudo o que houver de ruim lá fora, deve ser tolerado, em Angola ou em África, em geral.

3º Facto: Moçambique: a metade do nosso coração batendo no outro lado da costa

Devia estar relativamente descansado sobre a matéria do estabelecimento/consolidação da paz em Moçambique e deixar este espaço para outros factos. Com efeito, no acto de entrega, a si, do prémio Norte-Sul do Conselho da Europa, tive uma breve confabulação com o antigo presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, que me pode transmitir a sua convicção pessoal sobre as possibilidades reais da superação do actual problema do país irmão.

Infelizmente, durante a quinzena que cessa, continuamos a ouvir notícias de acontecimentos semelhantes àqueles que vivemos em Angola, até muito depois de pensar-se ultrapassado, em Moçambique, o problema da guerra civil. Ante a, aparentemente, não fácil de entender, reivindicação de uma parte, que chega a invocar a legitimidade de governar algumas províncias, por acaso contíguas, no centro do país, alegando ter aí ganho as últimas eleições legislativas (não locais!), contrapõe-se a outra que, ancorada na sua clara legitimidade formal, reconhece a necessidade de diálogo, mas não cede em determinados princípios do foro constitucional, deixando, no entanto, entrever que algo de substantivo subjaz no plano dos interesses. Não estará aqui, na verdade, um caso concreto do que teorizo no meu último livro, Angola: estado-nação ou estado-etnia política? (aliás, ali mesmo respigado) do problema quase generalizado, do estado africano subsaariano, não talhado na base da sua realidade antropológica, sociológica e étnico-regional? Do último dos lados, da banda dos mais afoitos formalistas, já se vai falando de uma “solução angolana”, quer dizer da necessidade de eliminação física do “líder rebelde”, esquecendo-se, no calor da defesa de interesses, que a liquidação de um homem não resolve problemas fundamentais. Em Angola, francamente, a morte de Jonas Savimbi, se para alguma coisa vai servindo, é para reabilitá-lo e recordar aos vivos que ninguém é perfeito e, por isso, tudo deve ser feito para nos entendermos. Mas isso leva sempre muito tempo. Urgente é que se calem as armas em Moçambique. Com a disponibilidade de homens de fé serena mas inquebrantável como Chissano, acredito que isso seja possível. Marcolino Moco – Angola in “Moco Produções”
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Marcolino José Carlos Moco – Nasceu em Chitue, Município de Ekunha, Huambo a 19 de Julho de 1953Licenciado em Direito e mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Agostinho Neto, e doutorando em Ciências Jurídico-Políticas na Universidade Clássica de Lisboa. Advogado, Consultor, Docente Universitário, Conferencista. Primeiro-ministro de Angola, de 2 de Dezembro de 1992 a 3 de Junho de 1996 e Secretário-Executivo da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – de 1996 a 2000. Governador de duas províncias: Bié e Huambo, no centro do país, entre 1986 e 1989, Ministro da Juventude e Desportos, 1989/91.  



Marcolino Moco & Advogados - Ao serviço da Justiça e do Direito

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