Os Factos da
Quinzena
1º Facto: Amnistia entre um gordo pacote legislativo, à entrada de um período
pré-eleitoral
Neste múltiplo facto da
quinzena, em que assistimos a uma inusitada azáfama legislativa, aparentemente
normal e à margem do colapso governativo que grassa no país, só não levado a
situações reivindicativas mais acutilantes da comunidade nacional, pelo sucesso
da “domesticação” popular pelo medo, releva a questão da aprovação da Lei da
Amnistia. Entretanto, não se me afigura recomendável avançar muito sobre este
aspecto, uma vez que o enquadramento da questão da injustiça que se abateu (se
abate!) sobre os cidadãos submetidos ao “processo dos 17”, que se me apresenta
central para essa amnistia, não me é técnico-juridicamente claro. O que posso
agora adiantar, de acordo, aliás, com o meu pensamento jurídico humanista, é
que interessa-me que, no plano material, a esses inocentes, sejam restituídas
as suas liberdades.
Já muito do resto do conjunto
legislativo, alegadamente enquadrado no esforço de dar continuidade à adaptação
do nosso ordenamento jurídico à ordem constitucional vigente, suscita-me
algumas preocupações e ideias, baseadas nas práticas a que temos assistido,
desde o limiar da aprovação da Constituição de 2010. Rememoremos brevemente
esta situação confrangedora que nos envergonha a todos, especialmente os que
têm ou já tiveram responsabilidades institucionais: um chefe de Estado a
exercer o comando de todos os poderes há 37 anos (como só acontece em mais um
país africano que em nada merece ser imitado) sem que o fim da guerra pareça
alterar alguma coisa, pelo contrário; um descomando quase total das estruturas
éticas e morais, sob o incentivo da própria família presidencial, desde logo,
pelo desprezo que dedica aos mais basilares princípios da probidade política e
administrativa, visando apenas a manutenção e o fortalecimento do poder e do
seu enriquecimento sem limites; como metodologia essencial o cerceamento do
papel do Parlamento e da comunicação social massiva, o que resulta na
obliteração da divulgação das mensagens das oposições e a consequente
irresponsabilidade das estruturas centrais e provinciais da administração do
Estado e o incentivo ao esquecimento do papel real e construtivo das estruturas
do poder local autárquico; como consequência, uma anemia estadual completa que
se destapou com a crise petrolífera (e não nos espantemos, se um dia, por
ventura, se descobre que esta crise que não é salva com tanto dinheiro que se
arrecadou em anos sucessivos anteriores, não é mais forma oportuna para por de
joelhos tudo o que tente contrariar, mínima e legitimamente o rumo das coisas)
com, só a título de exemplo, a vulgarização da extrema carestia de produtos básicos,
nas nossas aldeias e bairros urbanos e da morte por toda a parte.
Para quem está atento como o
estará, por exemplo o versado na matéria, jornalista Reginaldo Silva, que
acompanhei nos seus comentários em relação à central questão que é a da comunicação
social e da informação, vê-se que passados alguns anos sobre a primeira
tentativa de “impor” um ordenamento inconstitucional para consagrar práticas
abusivas e ilegais nesse domínio, volta-se à carga. Pois, poderão, agora,
determinadas consciências estar mais amolecidas e os mecanismos de imposição
mais afinados. Julgo que a seguir ao esforço, tanto quanto saiba, conseguido,
da “executivização” das competências da CNE, o regime de dos Santos reforça o
monopólio do controlo das eleições de 2017.
2º Facto: Terrorismo jihadista: uma conspiração de políticos ocidentais contra os
seus próprios povos?
Desconfio que alguém que se
terá apercebido da inconsistência da “teoria da conspiração contra Angola”, no
caso dos chamados “revus”, por isso, e até pelo teor de alguns comentários
manipuladores de gente conhecida, ocorreu-me interrogar-me se não se trata aqui
de justificar o que alguns regimes fazem com os seus povos, em vez de se dedicarem
em promove-los. Não digamos que os líderes ocidentais sejam santos. Aliás,
temos aqui criticado muitos dos equívocos e até mesmo crimes de líderes
ocidentais, na defesa de seus interesses meramente materiais. Mas daí a
afirmar-se que os actos terroristas são incentivados por eles para se manterem
no poder, condicionando as liberdades dos seus concidadãos?! Se isso pudesse,
ao menos, lembrar o diabo! Aliás, mesmo que que isso fosse uma verdade tão
evidente, é preciso recusar essa ideia propalada por certos comentadores e
lobistas angolanos, dentro e no exterior do país, de que tudo o que houver de
ruim lá fora, deve ser tolerado, em Angola ou em África, em geral.
3º Facto: Moçambique: a metade do nosso coração batendo no outro lado da costa
Devia estar relativamente
descansado sobre a matéria do estabelecimento/consolidação da paz em Moçambique
e deixar este espaço para outros factos. Com efeito, no acto de entrega, a si,
do prémio Norte-Sul do Conselho da Europa, tive uma breve confabulação com o
antigo presidente de Moçambique, Joaquim Chissano, que me pode transmitir a sua
convicção pessoal sobre as possibilidades reais da superação do actual problema
do país irmão.
Infelizmente, durante a
quinzena que cessa, continuamos a ouvir notícias de acontecimentos semelhantes
àqueles que vivemos em Angola, até muito depois de pensar-se ultrapassado, em
Moçambique, o problema da guerra civil. Ante a, aparentemente, não fácil de
entender, reivindicação de uma parte, que chega a invocar a legitimidade de
governar algumas províncias, por acaso contíguas, no centro do país, alegando
ter aí ganho as últimas eleições legislativas (não locais!), contrapõe-se a
outra que, ancorada na sua clara legitimidade formal, reconhece a necessidade
de diálogo, mas não cede em determinados princípios do foro constitucional,
deixando, no entanto, entrever que algo de substantivo subjaz no plano dos
interesses. Não estará aqui, na verdade, um caso concreto do que teorizo no meu
último livro, Angola: estado-nação ou estado-etnia política? (aliás, ali mesmo
respigado) do problema quase generalizado, do estado africano subsaariano, não
talhado na base da sua realidade antropológica, sociológica e étnico-regional?
Do último dos lados, da banda dos mais afoitos formalistas, já se vai falando
de uma “solução angolana”, quer dizer da necessidade de eliminação física do
“líder rebelde”, esquecendo-se, no calor da defesa de interesses, que a
liquidação de um homem não resolve problemas fundamentais. Em Angola,
francamente, a morte de Jonas Savimbi, se para alguma coisa vai servindo, é
para reabilitá-lo e recordar aos vivos que ninguém é perfeito e, por isso, tudo
deve ser feito para nos entendermos. Mas isso leva sempre muito tempo. Urgente
é que se calem as armas em Moçambique. Com a disponibilidade de homens de fé
serena mas inquebrantável como Chissano, acredito que isso seja possível. Marcolino Moco – Angola in “Moco
Produções”
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Marcolino
José Carlos Moco – Nasceu em Chitue, Município de Ekunha, Huambo a
19 de Julho de 1953. Licenciado em Direito e mestre em Ciências
Jurídico-Políticas pela Universidade Agostinho Neto, e doutorando em Ciências
Jurídico-Políticas na Universidade Clássica de Lisboa. Advogado, Consultor, Docente
Universitário, Conferencista. Primeiro-ministro
de Angola, de 2 de Dezembro de 1992 a 3 de Junho de 1996 e Secretário-Executivo
da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – de 1996 a 2000.
Governador de duas províncias: Bié e Huambo, no centro do país, entre 1986 e
1989, Ministro da Juventude e Desportos, 1989/91.
Marcolino
Moco & Advogados - Ao serviço da Justiça e do Direito
Marcolino
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Portugal, Torre Zimbo. Nº 704, 7º andar
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