Os Factos da
Quinzena
1º Facto: Do monopólio petrolífero ao monopólio na diversificação
Como há muito o venho
exprimindo, a maior parte dos males de Angola são consequências da mãe de todos
os males: a centralização e concentração dos poderes essenciais do Estado, nas
mãos do presidente José Eduardo dos Santos que agora os começa a repartir com
seus filhos e outros parentes próximos, à medida que vão crescendo; passando
algumas migalhas, por vezes não negligenciáveis, a mais afastados do seu
sanguíneo e afim parentesco, desde que haja uma reiterada e comprovada
fidelidade canina. É assim que completada a colocação de tudo que havia de mais
importante, no tempo das vacas petrolíferas (cimentos, telecomunicações com
satélites e tudo, bancos, alguns partidos políticos, personalidades nacionais e
internacionais, isso para não falar de algumas pátrias contíguas e longínquas)
à mão de semear de quem tudo manda e pode, já se vê que a chamada
“diversificação económica” será objecto do mesmo tipo de monopolização. Não
tenho muitas dúvidas que seja deste novo rumo de coisas que, do sul de Angola,
vamos ouvindo notícias preocupantes, sobre alegadas ocupações de terras de
pastores autóctones, que com base numa propositadamente mal amanhada “lei de
terras” (se é que alguma lei é respeitada em Angola, quando em causa estão
interesses de quem manda) começam a sentir o peso do poder de um “colonialismo
negro”, mais amargo e impiedoso do que o “branco”. Assim, a proclamada diversificação
da economia, que de tão serôdia nasce já com o handicap da seca do poço de
divisas para sustentá-la, crescerá com a aceleração da ruina do que sobra de um
mundo rural castigado pelo prolongamento de guerras civis e empobrecido pelos
tentáculos do polvo centralista.
2º Facto: Brexit e consequências possíveis para a África
Estaria perfeitamente
preparado para as dores do Brexit, na manha do dia 24 de Junho, não fora a mentira
das sondagens que me ofereceram uma noite tranquilamente dormida, para acordar
com a inacreditável notícia. Uma vez mais, dirão os “africanistas genuínos”:
não nos preocupemos, nós os africanos, com isso, tratando-se de um problema
europeu.
Muitos aspectos do Brexit
parecem indicar que se trata da inaptidão com que a Europa e o Ocidente, em
geral, que em certa medida, ainda se encontram no comando do mundo
contemporâneo, não conseguiram incorporar convenientemente, os valores por si
próprio alardeados, a saber, preservá-los a seu nível e só levá-los para fora,
no âmbito de um diálogo com outros universos culturais, independentemente das
apetências materiais (sobretudo petrolíferas) que tais contactos envolvam. É
neste contexto que incluo a questão migratória, que parece ter estado na base
imediata do sucesso do Brexit, mas que pode ser remotamente associada à forma
truculenta como os EUA se intrometeram no Iraque, em 2003, comportando-se da
forma mais selvática possível, sob a presidência de Bush filho, e ao modo
desajeitado como tentaram solucionar o problema da Líbia que, diga-se, já havia
sido criada da forma mais artificial possível, a seguir à Segunda Guerra
Mundial. É essa mesma apetência imediatista por interesses, quase
exclusivamente, à volta de recursos minerais, que alimentam os meus receios de
que amanhã, quando já forem insustentáveis vários regimes da África
sub-saariana como o angolano, apareçam então soluções precipitadas que poderão
agravar vários itens das relações intercontinentais.
A ideia de que o Brexit possa
ser o prenúncio da desagregação da União Europeia (UE) – como aliás o insinuou,
em pleno Parlamento Europeu, Nigel Farage, dirigente da extrema-direita que o
capitaneou, ao afirmar que a UK não seria o último país a abandonar a UE – não
significaria apenas um mau presságio para a UA (União Africana), no plano da
construção das instituições africanas que têm na UE um modelo, pelo menos, de
remota inspiração, mas para os próprios povos africanos, principalmente, com a
possibilidade do reforço daquilo a que alguns já vão chamando de
endocolonialismo em curso, que é hoje mais ou menos atenuada com a existência
daquela entidade supranacional, que ainda há tempos, ouvimos pronunciar-se em
desfavor do sistema opressivo angolano, contra jovens activistas cívicos e
defensores de direitos humanos. Tenho sérias dúvidas que esse problema grave, o
da superveniência de um “colonialismo negro”, contra os seus próprios povos, se
possa atenuar, no quadro das comunidades euro-africanas (Common Wealth,
Francofonia e CPLP-Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), quando vemos,
por exemplo, a CPLP a ser transformada num estábulo de acolhimento de
ditaduras, como a da Guiné Equatorial, que nada tem a ver nem com a história,
nem com os valores democráticos formalmente proclamados nos seus estatutos,
perante a impotência do Portugal democrático, em nome da defesa de interesses
meramente petrolíferos.
3º Facto – A denúncia de Waldemar Bastos
No mesmo dia em que acordei
com as dores do Brexit, pude beneficiar de um alívio da ligeira enfermidade,
com a coragem (ou saturação) com que o renomado músico angolano Waldemar Bastos
denunciou a acção persecutória de que é vítima assídua do sistema “securitário”
angolano (mais propiamente “sistema securitário eduardista”). Por que tem a
“inteligência” de um Estado de se preocupar com os passos de um homem que
apenas se dedica à música e na forma mais despolitizada que se conhece? Não
fosse eu próprio vítima do mesmo processo, na minha apolítica vida académica,
estaria, certamente, incrédulo perante tal denúncia. Mas, em 2009, na defesa da
minha tese de mestrado, em que, já à cautela, evitei temas que colidissem com
posturas do regime, ainda assim eu e testemunhas nos vimos perante descarada
intervenção “securitária”, que nesta longínqua data tive de silenciar, perante
tamanha surpresa. Por isso, como não acreditar no autor do “xé menino, não fala
política!”? Hoje sei qual é o mesquinho objectivo: pôr a Arte e a Ciência ao
serviço da bajulação, em pleno século XXI. Não penso que homens da Arte e da
Ciência que se sujeitem a isso ganhem alguma coisa de consistente. Daí a
importância exemplar do grito de Waldemar.
4º Facto - Flexibilidade nos últimos discursos do
Presidente e aceitação, finalmente, de outro rumo?
Embora não seja a primeira vez
que JES nos tenta adormecer com aparentes tons conciliatórios no seu discurso,
sempre deslocados para o foro partidário de onde são emitidos, desta vez, no
Moxico e ainda no Comité Central do MPLA, essa tonalidade pareceu mais
acentuadamente intensa. Queira Deus que seja desta vez. Mas conhecedor da
distância que vai do discurso político à concretização das intenções expressas,
na nossa África e em Angola, em particular, esperarei … como São Tomé. Marcolino Moco – Angola in “Moco
Produções”
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Marcolino
José Carlos Moco – Nasceu em Chitue, Município de Ekunha, Huambo a
19 de Julho de 1953. Licenciado em Direito e mestre em Ciências
Jurídico-Políticas pela Universidade Agostinho Neto, e doutorando em Ciências
Jurídico-Políticas na Universidade Clássica de Lisboa. Advogado, Consultor, Docente
Universitário, Conferencista. Primeiro-ministro
de Angola, de 2 de Dezembro de 1992 a 3 de Junho de 1996 e Secretário-Executivo
da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – de 1996 a 2000.
Governador de duas províncias: Bié e Huambo, no centro do país, entre 1986 e
1989, Ministro da Juventude e Desportos, 1989/91.
Marcolino
Moco & Advogados - Ao serviço da Justiça e do Direito
Marcolino
Moco International Consulting
www.marcolinomoco.com
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Portugal, Torre Zimbo. Nº 704, 7º andar
Tel:
930181351/ 921428951/ 923666196
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Angola
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