Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

sábado, 6 de agosto de 2016

Angola – Os factos da quinzena VII

Os Factos da Quinzena

1º Facto: Do monopólio petrolífero ao monopólio na diversificação

Como há muito o venho exprimindo, a maior parte dos males de Angola são consequências da mãe de todos os males: a centralização e concentração dos poderes essenciais do Estado, nas mãos do presidente José Eduardo dos Santos que agora os começa a repartir com seus filhos e outros parentes próximos, à medida que vão crescendo; passando algumas migalhas, por vezes não negligenciáveis, a mais afastados do seu sanguíneo e afim parentesco, desde que haja uma reiterada e comprovada fidelidade canina. É assim que completada a colocação de tudo que havia de mais importante, no tempo das vacas petrolíferas (cimentos, telecomunicações com satélites e tudo, bancos, alguns partidos políticos, personalidades nacionais e internacionais, isso para não falar de algumas pátrias contíguas e longínquas) à mão de semear de quem tudo manda e pode, já se vê que a chamada “diversificação económica” será objecto do mesmo tipo de monopolização. Não tenho muitas dúvidas que seja deste novo rumo de coisas que, do sul de Angola, vamos ouvindo notícias preocupantes, sobre alegadas ocupações de terras de pastores autóctones, que com base numa propositadamente mal amanhada “lei de terras” (se é que alguma lei é respeitada em Angola, quando em causa estão interesses de quem manda) começam a sentir o peso do poder de um “colonialismo negro”, mais amargo e impiedoso do que o “branco”. Assim, a proclamada diversificação da economia, que de tão serôdia nasce já com o handicap da seca do poço de divisas para sustentá-la, crescerá com a aceleração da ruina do que sobra de um mundo rural castigado pelo prolongamento de guerras civis e empobrecido pelos tentáculos do polvo centralista.

2º Facto: Brexit e consequências possíveis para a África

Estaria perfeitamente preparado para as dores do Brexit, na manha do dia 24 de Junho, não fora a mentira das sondagens que me ofereceram uma noite tranquilamente dormida, para acordar com a inacreditável notícia. Uma vez mais, dirão os “africanistas genuínos”: não nos preocupemos, nós os africanos, com isso, tratando-se de um problema europeu.

Muitos aspectos do Brexit parecem indicar que se trata da inaptidão com que a Europa e o Ocidente, em geral, que em certa medida, ainda se encontram no comando do mundo contemporâneo, não conseguiram incorporar convenientemente, os valores por si próprio alardeados, a saber, preservá-los a seu nível e só levá-los para fora, no âmbito de um diálogo com outros universos culturais, independentemente das apetências materiais (sobretudo petrolíferas) que tais contactos envolvam. É neste contexto que incluo a questão migratória, que parece ter estado na base imediata do sucesso do Brexit, mas que pode ser remotamente associada à forma truculenta como os EUA se intrometeram no Iraque, em 2003, comportando-se da forma mais selvática possível, sob a presidência de Bush filho, e ao modo desajeitado como tentaram solucionar o problema da Líbia que, diga-se, já havia sido criada da forma mais artificial possível, a seguir à Segunda Guerra Mundial. É essa mesma apetência imediatista por interesses, quase exclusivamente, à volta de recursos minerais, que alimentam os meus receios de que amanhã, quando já forem insustentáveis vários regimes da África sub-saariana como o angolano, apareçam então soluções precipitadas que poderão agravar vários itens das relações intercontinentais.

A ideia de que o Brexit possa ser o prenúncio da desagregação da União Europeia (UE) – como aliás o insinuou, em pleno Parlamento Europeu, Nigel Farage, dirigente da extrema-direita que o capitaneou, ao afirmar que a UK não seria o último país a abandonar a UE – não significaria apenas um mau presságio para a UA (União Africana), no plano da construção das instituições africanas que têm na UE um modelo, pelo menos, de remota inspiração, mas para os próprios povos africanos, principalmente, com a possibilidade do reforço daquilo a que alguns já vão chamando de endocolonialismo em curso, que é hoje mais ou menos atenuada com a existência daquela entidade supranacional, que ainda há tempos, ouvimos pronunciar-se em desfavor do sistema opressivo angolano, contra jovens activistas cívicos e defensores de direitos humanos. Tenho sérias dúvidas que esse problema grave, o da superveniência de um “colonialismo negro”, contra os seus próprios povos, se possa atenuar, no quadro das comunidades euro-africanas (Common Wealth, Francofonia e CPLP-Comunidade dos Países de Língua Portuguesa), quando vemos, por exemplo, a CPLP a ser transformada num estábulo de acolhimento de ditaduras, como a da Guiné Equatorial, que nada tem a ver nem com a história, nem com os valores democráticos formalmente proclamados nos seus estatutos, perante a impotência do Portugal democrático, em nome da defesa de interesses meramente petrolíferos.

3º Facto – A denúncia de Waldemar Bastos

No mesmo dia em que acordei com as dores do Brexit, pude beneficiar de um alívio da ligeira enfermidade, com a coragem (ou saturação) com que o renomado músico angolano Waldemar Bastos denunciou a acção persecutória de que é vítima assídua do sistema “securitário” angolano (mais propiamente “sistema securitário eduardista”). Por que tem a “inteligência” de um Estado de se preocupar com os passos de um homem que apenas se dedica à música e na forma mais despolitizada que se conhece? Não fosse eu próprio vítima do mesmo processo, na minha apolítica vida académica, estaria, certamente, incrédulo perante tal denúncia. Mas, em 2009, na defesa da minha tese de mestrado, em que, já à cautela, evitei temas que colidissem com posturas do regime, ainda assim eu e testemunhas nos vimos perante descarada intervenção “securitária”, que nesta longínqua data tive de silenciar, perante tamanha surpresa. Por isso, como não acreditar no autor do “xé menino, não fala política!”? Hoje sei qual é o mesquinho objectivo: pôr a Arte e a Ciência ao serviço da bajulação, em pleno século XXI. Não penso que homens da Arte e da Ciência que se sujeitem a isso ganhem alguma coisa de consistente. Daí a importância exemplar do grito de Waldemar.

4º Facto - Flexibilidade nos últimos discursos do Presidente e aceitação, finalmente, de outro rumo?

Embora não seja a primeira vez que JES nos tenta adormecer com aparentes tons conciliatórios no seu discurso, sempre deslocados para o foro partidário de onde são emitidos, desta vez, no Moxico e ainda no Comité Central do MPLA, essa tonalidade pareceu mais acentuadamente intensa. Queira Deus que seja desta vez. Mas conhecedor da distância que vai do discurso político à concretização das intenções expressas, na nossa África e em Angola, em particular, esperarei … como São Tomé. Marcolino Moco – Angola in “Moco Produções”
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Marcolino José Carlos Moco – Nasceu em Chitue, Município de Ekunha, Huambo a 19 de Julho de 1953Licenciado em Direito e mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade Agostinho Neto, e doutorando em Ciências Jurídico-Políticas na Universidade Clássica de Lisboa. Advogado, Consultor, Docente Universitário, Conferencista. Primeiro-ministro de Angola, de 2 de Dezembro de 1992 a 3 de Junho de 1996 e Secretário-Executivo da CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – de 1996 a 2000. Governador de duas províncias: Bié e Huambo, no centro do país, entre 1986 e 1989, Ministro da Juventude e Desportos, 1989/91.  



Marcolino Moco & Advogados - Ao serviço da Justiça e do Direito

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