I
Quem não conhece a secular
história de Pedro e Inês? Provavelmente, as novas gerações não a conheçam muito
bem, mas, com certeza, já ouviram a expressão “agora Inês é morta” que equivale
a dizer “agora é tarde demais”. Por isso, não custa nada dizer que é possível
encontrar essa história em várias obras literárias, desde Fernão Lopes
(1385-1459), cronista e guarda-mor da Torre do Tombo de 1418 a 1454, passando
pelo poeta Sá de Miranda (1481-1558), até chegar ao grande Luís de Camões
(ca.1524-1580).
Trata-se da história da infeliz
Inês de Castro (1325-1355), nobre galega que foi para Portugal como aia de dona
Constança Manuel, futura esposa de dom Pedro I (1320-1367), de Portugal. Se há
uma história de amor marcante na História de Portugal, como a de Romeu e Julieta, tragédia do poeta
inglês William Shakespeare (1564-1616), essa é a do amor proibido entre o
infante d. Pedro e Inês de Castro.
Como se sabe, apesar do
casamento, o infante mantinha encontros furtivos com a dama de companhia de sua
esposa. E, depois da morte de d. Constança em 1345, passou a viver maritalmente
com ela, o que acabou por afrontar o rei d. Afonso IV (1291-1357), que mandou
assassinar Inês de Castro em janeiro de 1355. Magoado e tresloucado, Pedro
liderou uma revolta contra o rei e, quando finalmente assumiu a coroa em 1357,
mandou prender e matar os assassinos de Inês, arrancando-lhes o coração, o que
lhe valeu o cognome de Cruel.
Mais tarde, jurando que se
havia casado secretamente com Inês, d. Pedro impôs o seu reconhecimento como
rainha de Portugal. Em abril de 1360, ordenou a trasladação o seu corpo para o
Mosteiro Real de Alcobaça, onde mandara construir dois magníficos túmulos, para
que pudesse descansar para sempre ao lado da sua eterna amada.
É o desenrolar desse amor
proibido, vivido em meio a uma atmosfera pesada e de disputas palacianas de
poder, que o leitor irá encontrar em linguagem polida e culta, mas ao estilo de
cordel, em O Caso de Pedro e Inês –
Inês(quecível) até o fim do mundo (São Paulo: Kapulana Editora, 2015), de
Francisco Maciel Silveira, em que o autor alia criatividade e rigor poético. Segundo
o seu autor, a obra, fartamente ilustrada por Dan Arsky, é dedicada aos
leitores jovens adultos que estão à procura de uma literatura menos
conservadora e com profundidade literária, mas distante dos calhamaços acadêmicos.
Por isso, chama o seu livro de “ABC de Literatura”, pois, imaginariamente, teria
sido escrito para ser lido e repetido em voz alta por cantadores de feira. Eis
uma amostra:
(...) Rainha eterna (na memória
para
sempre viva do povo
lenda
na futura História)
só
trazendo-a à vida de novo:
exumá-la
da triste cova,
sagrá-la
numa vida nova.
Fazê-la
do Reino rainha,
reinando-o
além da vida,
era
ter promessa cumprida:
brotar
dentre a erva daninha
rasa,
da corte mal cheirosa,
pétalas
de rosa amorosa.
(Amor
além da vida, desbordante,
exige
que metro se mude e rima,
para
cadenciar sua extensão.
Que,
sepulta em marmórea obra-prima,
não
cabe na exígua dimensão
da
rasa sepultura limitante.)
Pedro,
o Cru, mandou construir
no
sacro templo de Alcobaça
morada
que lá no porvir,
dirá
ao vivente que passa:
“Tal
foi teu amor – coeterno?
Vivo
na morte, sempiterno?” (...)
II
Em linhas gerais, nesta obra,
o professor Francisco Maciel Silveira deixa de lado os títulos acadêmicos – e
que são muitos – para se assumir como o vate Xico Maciel, contador de casos. E
o faz, em formato de literatura de cordel, a partir de um texto clássico da
Literatura Portuguesa.
Na apresentação que escreveu
para este livro, a professora Flávia Maria Corradin, coordenadora na Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo
(USP) do projeto Autor por Autor: a
Literatura e História portuguesas à luz do teatro, do qual o professor
Maciel é o diretor, diz que o autor, em seu novo percurso numa arte tão popular
como a do cordel, procura brincar com a estrutura da epopeia clássica, ao
dividir o seu texto em introdução, narração e epílogo. No caso, a Narração
apresenta a história do “amor que, contra tudo e todos,/ acabou virando
infração./Infração contra as leis de Deus,/infração contra as leis da grei”.
De fato, como aponta a
professora, Maciel saiu-se bem mais uma vez ao trabalhar um conteúdo canônico
por intermédio de um meio de comunicação extremamente popular, “dialogando
intertextual e criticamente com a História, com a Literatura, suscitando no
leitor o desejo de explorar as sugestões aí contidas, de modo a que o amor de
Pedro e Inês continue se perpetuando na memória dos brasileiros, portugueses,
espanhóis, franceses, ingleses...” E acrescentamos nós: dos galegos, que ainda
um dia hão de se tornar uma nação independente e integrante de Comunidade dos
Países de Língua Portuguesa (CPLP).
III
Francisco Maciel Silveira |
Professor titular de
Literatura Portuguesa na FFLCH-USP, onde obteve os títulos de mestre, doutor e
livre-docente, com trabalhos em torno da oratória sagrada dos padres António
Vieira (1608-1697) e Manuel Bernardes (1644-1710) e da comediografia de António
José da Silva (1705-1739), o Judeu, Francisco Maciel Silveira é crítico
literário, com ensaios e resenhas publicados em periódicos do Brasil e do exterior.
Poeta, ficcionista, dramaturgo e ensaísta com mais de duas dezenas de prêmios,
atua na docência, pesquisa e orientação com ênfase no Classicismo, no Barroco,
no Realismo e no Teatro Português.
É autor dos livros de contos Esfinges (1978) e A caixa de Pandora: aquela que nos coube (1996) e de poemas Macho e fêmea os criou, segundo a paixão...
(1983), além de outros ainda na gaveta. Nas áreas didática e ensaística,
publicou ainda Português para o segundo
grau (São Paulo: Cultrix, 1979; 5ª ed. 1988); Aprenda a escrever (São Paulo: Cultrix, 1985; 2ª ed. 1989); Padre Manuel Bernardes – Textos doutrinais
(São Paulo: Cultrix, 1981); Poesia
clássica (São Paulo, Global, 1988); Literatura
barroca (São Paulo: Global, 1987); Concerto
barroco às óperas do Judeu (São Paulo: Perspectiva/Edusp, 1992); Palimpsestos – uma história intertextual da
Literatura Portuguesa (São Paulo: Paulistana, 1997; 2ª ed., 2008, Santiago
de Compostela: Laiovento, 1997); Fernando
Pessoa(s) de um drama (São Paulo: Reis Editorial, 1999); Ó Luís, vais de Camões? (São Paulo: Reis
Editorial, 2001; São Paulo: Arauco, 2ª ed,. 2008); Saramago – eu-próprio o outro? (Aveiro: Universidade de Aveiro, 2007);
Eça de Queiroz: O mandarim do Realismo português
(São Paulo: Paulistana, 2010); Canteiro
de obras (São Paulo: Todas as Musas, 2011), e Exercícios de caligrafia literária: Saramago quase (Curitiba: CRV
Editora, 2012). É responsável pelo site Pinceladas
em que discorre sobre a pintura alheia: http://www.pinceladas-fms.com.br
Dan Arsky, formado em
Direito, é design editorial é ilustrador de livros. Suas paixões são filmes,
fotografia, quadrinhos, seriados e jogo de videogame. Adelto Gonçalves - Brasil
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O caso de Pedro e Inês
– Inês(quecível) até o fim do mundo (ABC de Literatura), de Francisco
Maciel Silveira, com apresentação de Flávia Maria Corradin e ilustrações de Dan
Arsky (Série Intersecções Literárias). São Paulo: Kapulana Editora, 78 págs.,
R$ 29,90, 2015. Site: www.editora@kapulana.com.br E-mail: www.kapulana.com.br
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Adelto Gonçalves é doutor
em Literatura
Portuguesa pela Universidade de São Paulo (USP) e autor de Os vira-latas da madrugada (Rio de
Janeiro, José Olympio Editora, 1981; Taubaté, Letra Selvagem, 2015), Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona
brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; São Paulo, Publisher Brasil,
2002), Bocage – o perfil perdido
(Lisboa, Caminho, 2003), Tomás Antônio
Gonzaga (Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2012), e Direito e Justiça em
Terras d´El-Rei na São Paulo Colonial (Imprensa Oficial do Estado de São
Paulo, 2015), entre outros. E-mail: marilizadelto@uol.com.br
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