Um
método transformador e o cuidado de estendê-lo a grupos antes esquecidos —
deficientes e portadores de Down, por exemplo — ensinaram um milhão de adultos
a ler e escrever
Um grupo de 40 idosos
camponeses estava pronto para nos receber para acompanhar uma aula de
alfabetização, na região rural da cidade periférica de El Alto, vizinha de La
Paz. Estávamos lá para produzir uma reportagem sobre o método Yo Sí Puedo,
programa de alfabetização cubano aplicado na Bolívia desde 2006 e que tornou o
país um território livre do analfabetismo, segundo a Unesco.
Para a Unesco, uma nação se
torna livre do analfabetismo quando a taxa de não-alfabetização está abaixo de
4%. Em 2014, a Bolívia atingiu 3,8%. Hoje, o índice é ainda menor, 2,9%. Isso
significa que mais de um milhão de bolivianos adultos aprenderam a ler e
escrever nos últimos dez anos. Deste total, cerca de 40% são idosos acima de 60
anos e 70%, mulheres. Isto se deve, principalmente, pela falta de dinheiro das
famílias que historicamente vivem em áreas rurais do país e pelo antigo sistema
educacional da Bolívia, que até 1952 não era universal.
Assim que chegamos, fomos
recebidos pelo líder comunitário Dom Quintin Pulma, policial aposentado.
Elegante, de preto dos sapatos bem lustrados até o chapéu, se apresentou e
apresentou toda a comunidade. Um a um, os senhores e as senhoras se levantaram
para se dar as boas-vindas. Dom Quintin, então com 83 anos, relatou:
“Ler e escrever era proibido!
Eu morava no sítio em que meus pais trabalhavam e o patrão dizia que se eu
fosse à escola cortaria minha língua”. Era a história de quase todos ali. A
mensagem que tinham para nós, contudo, era outra: “agora lemos e escrevemos.
Vão e contem para todos que somos capazes”.
Ao fim deste primeiro dia de
contato com o projeto, duas senhoras levantaram a voz e gritaram. “Não se
percam. Não se esqueçam de nós”, disseram. Esta foi a chave para que a
reportagem se tornasse algo maior: um documentário, para que ninguém mais se
esqueça dessas pessoas.
Assim nasceu o projeto Yo Sí
Puedo, que acompanhou cinco grupos de alfabetização desde setembro de 2014 até
fevereiro de 2016. O documentário conta de perto a história da professora Keyla
Guzmán, que batalhou quatro anos para ter seu método de ensino aprovado pelo
Ministério da Educação: Keyla leciona para 26 alunas e um aluno no Mercado
Rodriguez, espécie de feira popular localizada no Centro de La Paz. A
professora iniciou com a alfabetização e atualmente está em vias de concluir o
programa Yo Sí Puedo Seguir, continuação do programa que equivale ao ciclo
primário do sistema educacional boliviano – para crianças, dura seis anos; para
adultos, dois. Fellipe Abreu e Luiz
Felipe Silva – Brasil in “Desacato”
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