Os Factos da
Quinzena
1º Facto: Aparente reviravolta positiva no sistema judicial angolano
Na quinzena anterior,
referimo-nos à libertação condicionada dos do “processo dos 17”, alertando para
a necessidade comprovada de contextualizar esta cedência, que se seguiu à
libertação de Marcos Mavungo, no quadro do funcionamento do sistema que nos rege:
uma autocracia ao serviço do abuso do poder e da usurpação ilimitada dos
recursos nacionais, tentando, permanentemente, apresentar-nos um rosto
plenamente democrático e humano. Durante a quinzena que termina, a inopinada e
coincidente erupção da normalidade da nossa justiça foi longe, de modo a nem
precisar da intervenção do Tribunal Supremo, para na primeira instância de
Cabinda, agora sim, descobrir-se a inconsistência de factos alegados para
castigar o pacífico defensor de direitos humanos e advogado Arão Bula Tempo. E
fala-se até – que maravilha! – do arrogante juiz do Tribunal de Luanda que não
teve qualquer pejo em passar por desconhecedor das normas processuais mais
básicas que devem orientar um magistrado do seu nível, que poderá ser objecto
de uma acção disciplinar. Haverá mesmo quem acredite que as instâncias
judiciais de Cabinda agiram por medo de uma acção similar, neste universo de
uma suposta justiça independente. Com a experiência das manipulações a que
temos sido sujeitos, especialmente desde que emergiu isolado o chamado
“arquitecto da paz”, é ingenuidade pensar que tudo isso sejam meras
coincidências, para concluirmos, piamente, que o senhor “ordens superior”
desapareceu para sempre. É preciso ter-se presente que tudo isso resulta da
positiva pressão nacional e internacional que foi oposta; da reusa à submissão
ao abuso do poder, como a não comparência em tribunal de individualidades
arrogantemente citadas através de um jornal, sem qualquer pública e notória
ligação com uma causa judicial. O mais certo é que tudo isso é devido à
necessidade de descompressão temporária de tensões, em meio de uma crise
económico-financeira grave e de novos factores do agravamento dessas tensões,
com a nova fase do forçar a ascensão da descendência de José Eduardo dos Santos
ao que alguns já chamam de reinado ou dinastia, em vésperas de prováveis
“atípicas” eleições legislativo-presidenciais. Muito mais se poderia e deveria
dizer-se, mas quem sabe isso contribuiria para apagar ilusões benfazejas e,
sobretudo, que se não apagaria o júbilo que todos nós devemos sentir, ante a
reposição de mais algum espaço de liberdade para os nossos irmãos!?
2º Facto: Lembrar Mandela perante tanta falta de liderança de um mundo pacífico
No dia de Nelson Mandela,
penso no facto triste do porquê este homem singular não tem quase seguidores,
no mundo em que hoje vivemos. Falo de seguidores que alguma vez alcançaram
lugares de vulto político, nos seus países, regiões ou continentes.
No meu país, pedir perdão e ou
perdoar do fundo da alma, depois de tanto estrago devido a nossas
intransigentes intolerâncias é qualquer coisa tida como estupidez; ideia como
que retirada do livro “Mein Kampf”, de Adolfo Hitler, segundo a qual os fortes
(e forte é quem chegou ao poder) têm o direito de triturar, até ao
desaparecimento, os fracos porque escolhidos pela força da Natureza para serem
eliminados.
No meu continente, a ideia
mandelista do perdão e do apelo à participação pacífica de todas as entidades e
grupos sociais, mesmo daqueles cujos líderes se equivocaram e provocaram cada
vez mais do mal definido ideário democrático e participativo, estabelecido
depois do putativo fim do mundo bipolar, aquando da queda do Muro de Berlim.
Hoje temos esta colectânea grandes sofrimentos ao “outro”, é cada vez mais
esquecida, quando não ridicularizada. Talvez por isso o dia de Mandela seja
mais formalmente universal do que africano. África, sobretudo a subsaariana,
que se distancia de líderes, cuja meta a atingir tem apenas estas vertentes:
ganhar o poder em nome da sua etnia ou raça, embora invocando a nação por
construir, seguir em frente espalhando migalhas àqueles que os forem apoiando
em determinadas etapas das suas “brilhantes” carreiras, não importa de onde
sejam e quem sejam, manter o poder e preparar a sua passagem para os filhos. E
enriquecer, enriquecer, enriquecer … … sem limites, morra quem morrer das
misérias decorrentes de tanta ganância, sobre tantos recursos que mais vale
partilha-los no exterior do que dentro do continente e de cada país em
particular; não venham fazer crescer outros grupos poderosos entre nós e
provocar-nos inúteis canseiras.
É talvez o reflexo do mundo
que se vai esquecendo cada vez mais das lições ganhas com o fim das grandes
guerras mundiais que colocavam no centro do mundo o Homem e os seus valores.
Isso e o seu reflexo na materialização da axiologia humana, colocando-a abaixo
dos instintos animais que, aparentemente, impõem limites. Por isso, durante a
quinzena que termina e depois do Brexit, que considerámos um retrocesso,
perante um mundo que devia consolidar os polos de união entre estados e seus
cidadãos, tivemos mais manifestações de intolerância para com “o outro”, como
uma viatura que se atira contra uma multidão alegre e pacífica em Nice/França
ou um jovem do Afeganistão acolhido como imigrante, que se mobiliza em facadas
e machadadas contra viajantes de um comboio, na Alemanha. E políticos da
extrema direita a esfregarem as mãos de contentes, para fazerem os
aproveitamentos necessários, em próximas eleições. E por isso um golpe militar
tão mal sucedido, na Turquia, tão perto ou mesmo dentro da tão “civilizada”
Europa do século XXI, apresenta-nos aspectos de cinismos tão semelhantes aos do
nosso distante 27 de Maio de 1977, quando muitos de nós apenas começávamos a
ser gente pensante.
De Mandela, a ideia de que a
“educação é a arma mais poderosa para transformar o mundo”, tem de ganhar maior
amplitude: não apenas educação na carteira de uma escola qualquer, mas no campo
de liderança dos nossos países, regiões e do mundo. Marcolino Moco – Angola in “Moco Produções”
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Marcolino
José Carlos Moco – Nasceu em Chitue, Município de Ekunha, Huambo a
19 de Julho de 1953. Licenciado em Direito e mestre em Ciências Jurídico-Políticas
pela Universidade Agostinho Neto, e doutorando em Ciências Jurídico-Políticas
na Universidade Clássica de Lisboa. Advogado, Consultor, Docente Universitário, Conferencista. Primeiro-ministro de Angola, de 2
de Dezembro de 1992 a 3 de Junho de 1996 e Secretário-Executivo da CPLP –
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa – de 1996 a 2000. Governador de duas
províncias: Bié e Huambo, no centro do país, entre 1986 e 1989, Ministro da
Juventude e Desportos, 1989/91.
Marcolino
Moco & Advogados - Ao serviço da Justiça e do Direito
Marcolino
Moco International Consulting
www.marcolinomoco.com
Avenida de
Portugal, Torre Zimbo. Nº 704, 7º andar
Tel:
930181351/ 921428951/ 923666196
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Angola
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