Escritora
e poetisa, Geni versa sobre uma vida simples, bucólica e expõe conflitos
raciais com potência
Mulher simples, da roça do interior
de São Paulo, Geni Guimarães veio de família grande. Conversava com os bichos e
ao se alfabetizar, começou a escrever sem um objeto específico e logo viu que
escrevia. Descrevendo seus familiares negros, se firmou na literatura negra.
Histórias inventou para além
do tempo, mas versar, não. Versar começou aos 8 anos. De lá para cá, tantas
luas. Não sabe dizer que poesia gosta mais. “É o mesmo que perguntar para mãe qual
filho gosta mais”, brinca. “Mas tem um poeminha chamado ‘Visão de Mim’ que me
resume: Plantei árvores e poeta, fiz poemas redondos, do vento extrai minhas
raízes saudáveis de negrume e altivez, no entanto isso tudo me indefine e o
gosto do que fiz me incompleta, sou inacabada até que a morte me separe”.
A infância da escritora e
poetisa foi colorida, barulhenta de ruído do mato e das vozes dos nove irmãos,
pai, mãe, avó. Tem uma irmã mais nova especial que cuidava. “Eu me revoltei
quando percebi que a Cema era diferente de mim, porque eu escrevia, lia e ela
nada. Eu tinha uns 11 anos e só depois entendi que ela veio assim para me
ensinar a humildade e simplicidade, que no fim as coisas são boas dependendo da
sua visão”, relembra.
Ainda no ginásio começou a
publicar nos jornais da cidade e, quando viu, estava nascendo seu primeiro
livro de poemas, “O terceiro filho”, publicado em 1979.
Leito
do peito
A relação com a mãe,
Sebastiana, está bem presente em seus versos e prosa. Ela era conectada com o
abstrato, com as energias divinas. Benzedeira, ensinava simpatias, era
conhecedora das ervas. “Ela era uma ternura. Muito bonita. Fazia repentes. O
que tenho (o dom de escrever), herdei dela. Não é nada meu, me deram”, conta.
Na dedicatória de um dos seus
livros, Geni agradece a sua mais velha: “Pelo
útero, pelo leite, pela fé, pela paz, por essa herança poética que transcende.”
Em “Lei do Peito”, seu livro
de contos autobiográficos publicado em 1988, a escritora conta que quando
criança mamava em pé enquanto a mãe trançava seus cabelos. Vez ou outra
perguntava: “Mãe, a senhora gosta de
mim?”. Ela estendia os braços e mostrava a medida do amor. “Era o tanto certo do amor que precisava,
porque eu nunca podia imaginar um amor além da extensão dos seus braços”,
escreveu Geni.
Sebastiana tinha "A cor
da ternura", nome que batiza o livro de Geni de 1989. Ela faleceu aos 87
anos. “Queria entrar dentro dela para partir com ela”, suspira. Sua mãe era
cheia de fantasia. Mesmo cega no final da vida, pedia com ternura para Geni
abrir a porta para que ela pudesse "ver" as flores que ficavam do
lado de fora. “Ela olhava com o olho do coração…Várias pessoas me ensinaram a
vida, mas ela e minha irmã Cema foram especiais”.
Racismo
Geni escreve de maneira
simples e potente. Só na hora de combater o racismo, enrijece. “Não tenho meias
palavras até por que meu passado não deixa. Não da para levar tudo com
suavidade”, pontua.
Para ela, ser mulher negra no
mundo exige “muita coragem e força”, principalmente por ter a função natural de
ensinar o que é ser negro. “Tenho netos e netas e converso muito com eles e com
todas as crianças, inclusive as brancas, para elas saberem que somos
diferentes, mas não inferiores”, diz.
Afirmar a negritude, nesse
contexto, é muito importante. “Eu gosto de ser negra, gosto de me mostrar
negra, porque a gente chega a isso com muita dificuldade, é muito
enfrentamento”. Pena mesmo, sente das pessoas negras que ainda não se
conscientizaram. “Elas não sabem que vacilando a gente se torna escravo de
novo”, opina.
Geni vê com alegria a busca
por igualdade racial na sociedade, mas ainda teme que o racismo “aperte tanto”
a população negra e que ela desista. “Nunca devemos deixar de ser negro, de
levar a todos os meios possíveis a mensagem do negro, a vida negra. É da gente
essa terra!”, afirma potente.
Entrevista com Geni Guimarães aqui.
Escritoras
Da sua casa em Barra Bonita
(SP), acompanha a movimentação de jovens escritoras negras para quem Geni é uma
referência. “Tem muita mulher escrevendo, muitas dessas terão seus filhos como
seguidores”, fala ao se referir as escritoras Elizandra Souza, Raquel Almeida,
Jenyffer Nascimento e tantas outras.
Com a literatura não se
deslumbra. Gosta mesmo é de sentar na calçada todas as tardes com as outras
mulheres do bairro e bater um bom papo. “Isso preenche minha vida e dá opção de
escolha na minha literatura”, finaliza sorrindo. Juliana Gonçalves – Brasil in
“Brasil de Fato”
Obras
Poesia
Terceiro filho - Bauru:
Editora Jalovi, 1979
Da flor o afeto, da pedra o
protesto - Barra Bonita: Ed. da Autora, 1981
Balé das emoções - Barra
Bonita: Ed. da Autora, 1993
Contos
Leite do peito - São Paulo:
Fundação Nestlé de Cultura, 1988; Belo Horizonte: Mazza Edições, 2001 (reedição
revista e ampliada)
A cor da ternura - São Paulo:
Editora FTD, 1989. 12 ed. 1998
Literatura infantil
A dona das folhas - Aparecida:
Editora Santuário, 1995
O rádio de Gabriel -
Aparecida: Editora Santuário, 1995
Aquilo que a mãe não quer -
Barra Bonita: Ed. da Autora, 1998
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