Pesquisador
Adelto Gonçalves desvenda a estrutura judiciária na capitania de São Paulo
(1709-1822) em livro que ajuda a entender o momento que o País vive
SÃO PAULO – Para entender o
Brasil de hoje, é preciso conhecer o de ontem. Essa é a oportunidade que
oferece o livro Direito e Justiça em
Terras d´El Rei na São Paulo Colonial (1709-1822), publicado em julho de
2015 pela Imprensa Oficial do Estado de
São Paulo. Resultado de bolsa de pesquisa concedida pela Universidade Paulista
(Unip), o livro é um trabalho de investigação sobre a atuação de ouvidores,
juízes de fora, corregedores, provedores, juízes ordinários e vereadores à
época da capitania de São Paulo (1709-1822), por meio da descrição dos casos
mais significativos, constituindo um diagnóstico da estrutura judiciária. Por
seu caráter inédito e recorte específico, é uma contribuição aos estudos da
aplicação do Direito e da Justiça na São Paulo colonial e deverá se tornar referência
nos planos de ensino da cadeira de História do Direito.
Para o pesquisador, o patrimonialismo, que ainda sobrevive não só
nas regiões mais arcaicas do Brasil, é apenas uma continuação de um sistema
social que veio de Portugal à época da colônia e que define a organização do
Estado como se fosse propriedade familiar, de uma casta ou de uma oligarquia.
“Desde aqueles tempos, o Estado é usado para proteger e favorecer grupos ou
empresas que fazem negócios lucrativos sob a sua sombra”, diz Gonçalves.
O
pesquisador lembra ainda que, a partir da presença dos ouvidores e juízes de
fora, a partir da segunda metade do século XVII, as câmaras municipais
começaram a perder poderes e atribuições judiciárias e administrativas, mas
continuaram a acumular funções que atraíam uma elite formada quase exclusivamente
por comerciantes, como a de arrematação de contratos, como os da carne,
aferição e estanques. “As câmaras serviriam como instrumento político para a
viabilização de negócios tutelados pelo governo, que eram assumidos por clãs locais.
Foram o embrião que daria origem aos chamados coronéis”, explica.
Para
o estudioso, a corrupção é prática tão antiga quanto o Brasil. “Não raro, a
corrupção partia daqueles que estavam encarregados de fiscalizar os descaminhos ou contrabandos, que aceitavam
suborno para deixar passar irregularidades”, diz. Segundo ele, o mau exemplo
vinha de cima. “Foram raros os capitães-generais e governadores que voltaram
para Portugal com as mãos limpas e vazias. Embora fossem proibidos por lei régia
de 1755, faziam negócios por interpostas pessoas. Como entendiam que ganhavam
mal, sempre concluíram que deveriam aproveitar o período em que ficavam longe
do Reino para amealhar recursos, ainda que de maneira ilícita, para compensar o
sacrifício que faziam em nome do rei”,
observa. E acrescenta: “Deixar de recolher tributos seria permitido se a pessoa
envolvida tivesse certo status, ou
seja, uma folha de serviços prestados à Coroa ou ascendentes de prestígio”.
Por
isso, diz, os magistrados não tinham uma bússola para seguir: o que seria
ilícito para uns seria permitido para outros. “As penas variavam de acordo com
a qualidade das vítimas e dos réus. Até porque não havia o pressuposto de que
todos os homens seriam iguais. Nobres, clérigos, grandes comerciantes e governantes,
senão estavam explicitamente acima das leis, dificilmente, seriam passíveis de punição”,
explica.
Ele
lembra ainda que d. Rodrigo de Sousa Coutinho, ministro do príncipe regente d. João,
ao final do século XVIII, reconheceu que a magistratura na América portuguesa
seria, além de numerosa, extremamente venal e dependente não só dos
governadores como de comerciantes e arrematantes de contratos.
Currículo do autor
Doutor em Literatura Portuguesa
e mestre em Língua
Espanhola e Literaturas Espanhola e Hispano-Americana pela
Universidade de São Paulo (USP), Adelto Gonçalves, 63 anos, é jornalista desde
1972, com passagens pelos jornais Cidade
de Santos, A Tribuna, de Santos, O Estado de S. Paulo e Folha da Tarde e pela Editora Abril.
É também autor de Gonzaga, um poeta do Iluminismo (Rio de
Janeiro, Nova Fronteira, 1999), sua tese de doutoramento, biografia do poeta
árcade Tomás Antônio Gonzaga (1744-1810), que obteve em 2000 o Prêmio Ivan Lins
de Ensaios da União Brasileira dos Escritores e da Academia Carioca de Letras.
Com bolsa de estudos da
Fundação de Amparo à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), Gonçalves
desenvolveu investigações em 1999-2000 em arquivos e bibliotecas de Portugal
para escrever uma biografia do poeta Manuel Maria de Barbosa du Bocage (1765-1805),
seu primeiro trabalho de pós-doutorado. O livro Bocage: o perfil perdido foi publicado em 2003 pela Editorial
Caminho, de Lisboa, seguindo o mesmo destino do romance Barcelona brasileira, que foi lançado primeiro em Portugal, em
1999, pela editora Nova Arrancada, de Lisboa, e, em 2003, pela Publisher
Brasil, de São Paulo.
Colaborador do quinzenário As Artes Entre as Letras, do Porto, e Jornal Opção, de Goiânia, Gonçalves
publicou ainda o livro de contos Mariela
Morta (Ourinhos Complemento Editorial, 1977), o romance Os vira-latas da madrugada (Rio de
Janeiro, José Olympio, 1981; Taubaté: Editora Letra Selvagem, 2015), o livro de
ensaios e artigos Fernando Pessoa: a voz
de Deus (Santos, Editora da Unisanta, 1997) e Tomás Antônio Gonzaga, antologia e estudo crítico-biográfico
(Academia Brasileira de Letras/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2012).
O escritor conquistou os
prêmios José Lins do Rego (1980), da Livraria José Olympio Editora, Fernando
Pessoa (1986), da Fundação Cultural Brasil-Portugal, e Assis Chateaubriand
(1987) e Aníbal Freire (1994), ambos da Academia Brasileira de Letras. É
sócio-correspondente da Academia Brasileira de Filologia (Abrafil) e assessor
cultural do Centro Lusófono Camões da Universidade Estatal Pedagógica Hertzen,
de São Petersburgo, na Rússia. Imprensa Oficial do Estado de São Paulo - Brasil
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Direito e Justiça em
Terras d´El Rei na São Paulo Colonial, de Adelto Gonçalves.
São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 364 págs., R$ 55,00, 2015.
Site: www.imprensaoficial.com.br
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