Pintura Arq. Eduardo Moreira Santos, Lx (28.08.1904 - 23.04.1992)

quarta-feira, 26 de agosto de 2015

CE-CPLP - Entrevista do Presidente, Salimo Abdula, ao Diário de Notícias

Foto: Orlando Almeida
O basquetebol era o seu sonho, mas o destino, acredita Salimo Abdula, 50 anos, tinha outros planos. Nascido muçulmano, numa família humilde (a mãe trabalhava em casa, o pai numa açucareira) e com sete irmãos, conquistou um lugar na universidade. Até o conseguir, foi várias vezes de Quelimane a Maputo, à boleia. Plantou-se à porta do ministério. E conquistou o lugar no primeiro curso administrado pela Universidade Eduardo Mondlane. A sua primeira empresa era um buraco: comprou-a por 400 meticais (cerca de 100 dólares na altura e descobriu que tinha dívidas de quatro mil milhões de meticais. Aos poucos deu-lhe a volta. Depois, foi sempre a crescer, no mundo dos negócios e em visibilidade. E acabou por ser convidado para integrar o Parlamento, onde não quis ficar mais de um mandato. Centrista, é amigo de Armando Guebuza, que foi seu sócio nas empresas. Hoje, com 26 anos de experiência empresarial, acumula a liderança da Comunidade Empresarial da CPLP com a presidência da sua holding Intelect (Energia, Publicidade, Turismo, Finanças, Recursos Minerais, Telecomunicações, Imobiliária e Consultoria), é presidente da mesa da assembleia geral da Confederação das Associações Económicas de Moçambique e CEO da Vodacom. Casou com uma católica, no ano em que comprou a primeira empresa,1990, e tem três filhos. “Nenhum quis ser basquetebolista: dois estão no futebol – um está cá, a treinar pelo Benfica na EliteTraining – e um no desporto motorizado.” Quanto a Salimo, benfiquista convicto, continua a preferir o basquetebol. “Ainda jogo, desafios de veteranos, às quartas e aos domingos. Com grandes craques, um deles foi jogador na seleção portuguesa, o João Domingos e o ‘Bebé’ Serrano, o David Simango…” Também ele foi craque. “Campeão nacional em 1983!” Mas é nos negócios que faz a sua vida.

Como é que se passa de empregado de mesa num restaurante para ser um dos homens mais influentes de África, de acordo com a revista Forbes? Qual é o segredo?

O segredo não sei. A vida foi-me proporcionando algumas surpresas e eu quero acreditar que é o destino. Lembro-me de quando se deu a independência nacional, tinha mais ou menos 12 anos…

Que imagem é que tinha dos portugueses nessa altura?

Tinha uma imagem boa. Porque, de facto, o país era tranquilo, na minha pequenez. Não vivia os problemas de que se falava em termos do regime colonial. Cresci na zona rural, onde os meus pais eram empregados – o meu pai; a minha mãe doméstica - e vim para a cidade de Quelimane, que era capital dessa província da Zambézia. Vinha estudar, assim como os meus irmãos, em casa de um senhor que era já muito conhecido em Moçambique dono de uma cadeia de cinemas. E tenho esta recordação de uma vida muito estável, muito boa, havia tudo.

Os seus pais eram politizados?  

Não, nunca foram. O meu pai trabalhava para uma companhia, a Sena Sugar Estates. Lembro-me de um dia na vila de Luabo, eu estava a brincar e vi um clube muito bonito, e entrei a correr – era um menino de 6,7 anos – e veio o contínuo a correr atrás de mim: “Tem de sair daqui, menino!” Eu não sabia que era o clube dos ingleses. Naquele tempo, em vez de se distinguir, dizia-se: “É o clube dos brancos. Tu não podes entrar lá.” Tenho esta imagem negativa. De resto, o standard de vida era bom.

Mas voltando à questão, como é que se passa dessa dimensão para um dos mais influentes de África?

É dos ganhos da independência. Fui esta vítima do sucesso. Porque a liberdade criou também estas condições. Naquela altura, a maioria dos moçambicanos eram preparados para servir o sistema, para trabalhar. E a independência criou liberdade. Criou problemas, sim, porque as pessoas tinham de lutar por si, mas criou outras oportunidades para quem se dedicasse com toda a sua energia a querer ser um empresário. Tivemos um período de economia centralizada que não criou condições para as pessoas pudessem ser empresárias. Eu joguei basquete e era a minha perdição – queria ser um jogador da NBA. Infelizmente a vida não me proporcionou que chegasse a esse nível, porque também não cresci muito…(risos)

Foi para os negócios.

Quando terminei os estudos na Beira, ali naquele período do marxismo-leninismo, eles é que determinavam para onde eu ia. E colocaram-me na Direção Provincial do Comércio Externo. Mas eu tinha a minha ambição de querer continuar a estudar. Mas isso era decidido em Maputo. Um dia, vou ao aeroporto da Beira e vejo um avião militar a transportar pessoas. Meti-me na fila e consegui entrar. Quando cheguei a Maputo, não saía do Ministério da Educação. Eles recusaram e tive de voltar para a Beira; mas voltei e acabei por entra em Engenharia Informática. Era o primeiro curso que a Universidade Eduardo Mondlane ensinava. Há um belo dia que recebo uma chamada da Beira, da empresa onde estive a fazer o part-time, e a senhora da contabilidade diz-me que a empresa foi abandonada pelos donos. Eu tinha 18 anos e ela diz-me que há três procurações: ela tem uma, o procurador outra, mas eles não querem, e eu sou o terceiro. E naquela força da juventude…

Inconsciente…

Um bocadinho inconsciente, fui para a Beira. Aí começa um novo desafio na minha vida. E quando começam a fazer o rol do ativo e do passivo, as surpresas e as dores de estômago começam. A empresa tinha responsabilidades na banca acima de 4 mil milhões de meticais. Tinha trabalhadores e poucos ativos, que eram os monos – não tinha propriedade – e aí caio na realidade. Mas já tinha assumido. E aprendi com meu pai: um homem só vale aquilo que é a sua palavra. Então reuni com os trabalhadores e disse: “Eu não tenho meios financeiros mas tenho vontade. Vamos pegar nisto e trabalhar juntos?” A primeira coisa que eu fiz foi estudar os mercados, os monos que eu tinha na Beira serviam em Quelimane. Vendi tudo. Foi um cash flow que entrou, comecei a pegar nas obras que estavam paradas, a arranjar equipamento. Começámos a gerar receitas. E a Beira tinha uma coisa: tinha a indústria de cabos elétricos. Em Maputo não havia cabos elétricos. E eu tinha uma motorizada e comecei a usar os meios.

O setor privado, nessa altura, era muito incipiente.

Era o pequeno comércio, merceeiros…Em três ou quatro anos coloquei a empresa numa situação completamente saudável. Entretanto comecei também a fazer prestação de serviços para Quelimane, onde o meu irmão era o distribuidor da indústria hoteleira, e ele deu-me uma cota na empresa. E foi neste processo, como eu vivia em Maputo e tinha casado, que em 1990 ele diz assim: “Agora vamos a uma hasta pública, porque há aí umas empresas que foram intervencionadas pelo Estado e você pode fazer o bidding.” O lance era para uma empresa de construção, que era a Pinto Brás África. Eu, que estava no ramo eletrotécnico, fiquei com uma construtora e o meu vizinho, tinha a Eletrosul, que era uma oficina de bobinagem. Então propus-lhe parceria.

Complementaridade, claro.

Sim, ele ficou com uma parte da minha empresa de construção e eu ficava com uma parte da empresa de eletricidade. E começámos, sempre eu a gerir, até que mais tarde o senhor, que também era funcionário público – era um engenheiro que trabalhava para os caminhos-de-ferro – disse “Ó pá, fica com a minha quota. Eu vendo isso.” E eu acabei por comprar a Eletrosul e ficou 100% minha e da minha esposa.

Daí em diante foi sempre a crescer.

Sim. Formei a Intelec. Depois em 1992, houve a cessão da paz. Em 1994 o Estado sai para um regime aberto, descentralizado, e começa a querer ter pessoas com outras opiniões, empresários a entrar para o sistema e empurram-me, assim, um pouco para também ser candidato à Assembleia da República.

E foi candidato nas primeiras eleições multipartidárias do país.

E sou eleito pela minha província natal, a Zambézia - fui o 7º mais votado.

Eleito, portanto, pela Frelimo.

Sim, sim. E exerço assim a minha curta passagem pela política, de 1994 a 1999. Fui ainda reeleito mas pedi para sair porque a minha vida empresarial estava um pouco em declínio. A minha esposa, que estava a estudar Medicina, deixou para ajudar a empresa.

Mas não gostou da experiência?

Não é uma questão de gostar ou deixar de gostar. A minha passagem pelo Parlamento deu-me uma outra visão do país, dos desafios e das necessidades do país.

Hoje como é que se definiria ideologicamente: um homem de esquerda, de centro, de direita?

Sou um homem do centro. Vou aprendendo o equilíbrio entre a esquerda e a direita e acredito que tudo na vida tem de ser comedido. Acredito que a economia de mercado criou condições para que o setor privado possa ser o motor de uma economia mas aprendi também que é preciso crescer com alguma distribuição sustentável. E acho que este é o processo que Moçambique está a aprender. Quando saí da política, achei que podia continuar a dar o meu préstimo, como cidadão. Então passei pela Associação Comercial de Moçambique. E depois sou o candidato a vice-presidente da Confederação das Associações Económicas de Moçambique. Quando entrei para a Associação Comercial disse: “Vou-me candidatar mas vou-me limitar a um novo estatuto em que todos nós, como dirigentes, temos de saber que temos o dia para iniciar e o dia para finalizar.” Porque quem não tem isto, deixa andar e vai empurrando as coisas.

Com a barriga.

Isso, Mas sim, quando passei pelo Parlamento, fiz grandes amizades.

É daí que vem a sua amizade com Armando Guebuza?

Sim, também. Conheci o Armando Guebuza como tenho amizades com pessoas de vários partidos. A minha amizade com o Armando Guebuza, que era o meu chefe de bancada, começa com uma divergência. Há uma conversa e eu, que era dos mais jovens do Parlamento e não tinha papas na língua, aquilo que achava que não estava correto dizia. E as pessoas diziam: “Eh pá, não se diz isso aos mais velhos.” Um dos temas em debate era a educação e eu meti-me na conversa. “Nós temos de apostar na educação maciça mas, se não criamos embriões de qualidade de educação estamos condenados ao insucesso, porque não vamos ter quadros que defendam o grande progresso do país.”

A educação é a base de tudo.

Exatamente. E aquilo gerou ali um desconforto e então fiquei numa situação de persona non grata. Mas o Armando Guebuza é uma pessoa muito inteligente e gosta de ouvir as pessoas quando têm algo a dizer.

No fundo, é alguém que não gosta de lambe-botas.

Sim. Há um dia no Parlamento, em que a bancada da Frelimo está numa discussão um bocado embaraçosa e com os meus argumentos ganhei a confiança da bancada. E então recebo um bilhetinho a dizer: “Olha, parabéns. Você criou qualquer coisa como uma diarreia mental na oposição.” E a partir desse dia gerou-se uma conversa natural com o líder. E ele disse-me: “Mais do que nós fazemos às vezes nesses meandros políticos é exatamente o que tu estás a fazer – é entrar para o setor produtivo, criar empregos, fazer.”

E essa amizade com Guebuza trouxe-lhe mais alegrias ou dissabores? Ele está na sua holding.

Esteve.

Esteve. Há aquela perceção da confusão entre política e negócio?

Exatamente. Eu penso que o Armando Guebuza é uma pessoa visionária, um político acima da média do continente africano, que eu respeito muito como homem. Mas, para mim, foi-me muito mais útil antes de ser presidente. Quando ele decide candidatar-se eu não medi muito as consequências. Eu tinha vários: os técnicos e os gestores que sempre trabalharam na empresa têm partes na empresa, embora eu seja o sócio maioritário. As pessoas especulam que Guebuza é o sócio maioritário, mas já na altura eu tinha 70%. Ele acreditou, investiu como os outros. Mas quando ele se candidata e é eleito, um dos acionistas, que é jurista, disse que ia haver conflito de interesses, portanto sugeriu a Armando Guebuza demitir-se do cargo. E a empresa acabou por comprar as ações.

Mas havia quem dissesse que o Salimo era um testa de ferro…

Isso é tudo especulação. Agora, a partir do momento que ele é eleito, foi mais prejudicial para mim do que benéfico. Pode ser benéfico no prestígio, nunca deixei de ser amigo dele. Mas também nunca fui beneficiado na empresa, porque eu tenho a ética correta do que são os negócios. Fui o primeiro moçambicano a ser formado no Instituto de Global Ethics, nos Estados Unidos. E quando voltei a Moçambique, fui fundador da Ética Moçambique.

Mas não ignora que a perceção que as pessoas têm de que o universo que existe entre a política e os negócios é muito pouco claro…

Em qualquer sociedade, principalmente para a política, o que conta são as perceções. Mas para os empresários, são os factos.

Conhece a realidade moçambicana, já conhece também a portuguesa. Moçambique é um país corrupto? É mais do que Portugal?

Eu até tinha um termo: “Quanto mais questões burocráticas e administrativas se colocarem, mais lojas de corrupção nós geramos.” A corrupção é fenómeno global, umas vezes de forma mais camuflada que outras. Em países marginais, como os nossos, nas economias marginais como as nossas, é mais notável a pequena corrupção, porque é o incómodo do dia-a-dia da população. As pessoas necessitadas vão-se corrompendo para sobreviver. Então é a pobreza que gera a corrupção ou a corrupção que gera a pobreza?

E qual é a sua resposta?

São ambas, mas a questão principal é o berço. Eu venho ainda de uma geração em que os meus pais me ensinaram valores. Nunca tive tendência a ser corrupto e acho que o que me segurou foi o berço.

Foto: Orlando Almeida
Considera-se um homem rico?

Para mim, o conceito de riqueza é muito simples: é alguém que tem aquilo que são as necessidades básicas mas que, quando chega à hora do descanso, deita a cabeça na almofada e sabe que não tem dívidas e não passou por cima de ninguém. Voltando à corrupção, a outra questão que define Moçambique, muitas vezes, tem a ver com a cultura lusófona – os vizinhos sul-africanos têm uma cultura mais anglófona. Se um empresário português for a Moçambique, rapidamente vai entender o que tem que fazer, porque não há muita diferença; se um angolano for para lá, idem; mas se um sul-africano for para Moçambique vai ter muitas dificuldades e vai interpretar isso como corrupção. Porque o processo cultural de negócio é diferente. Eles têm um regime mais simplificado e nós temos aqueles processos todos de comércio internacional complicadíssimos, papéis em cima de papéis e carimbos de carimbos.

Não pensa voltar á política?

Não faz parte dos meus projetos. Mas aprendi nunca dizer nunca.

Portanto, não exclui a hipótese de um dia ser candidato a presidente?

Não, nunca disse isso. Apesar de não ser a primeira pessoa que pergunta. Talvez pela minha visibilidade. Mas estou a fazer o que eu gosto de fazer.

Mas o partido nunca o chamou?

Não. Estou presente sempre que é necessário e para os grandes feitos mas a minha grande contribuição ao país tem sido via empresarial.

Quantos postos de trabalho já criou ao longo da sua vida?

Neste momento tenho mais de 2500 empregos criados no meu grupo. E continuo a criar, e essa é uma das minhas grandes felicidades. Tenho projetos ambiciosos. Eu agora mandei fazer um levantamento e, cruzadamente, chegámos a 77 associações empresariais. Muitas não são estratégicas para mim. Então, o que fizemos foi orientar alguns setores específicos – o energético, que foi a génese da minha criação; o de telecomunicações; o agrícola, que eu acredito que os nossos países, na agricultura, têm muito para dar; e depois um pouco daquilo que são áreas do setor financeiro, onde estou com o Américo Amorim, com a Visabeira. Eu detinha uma empresa, a Eletrotec, que era 100% da Intelec, e achei que podíamos colocar a Visabeira. Eles compraram 49% e são os nossos sócios. No têxtil, juntei três empresas portuguesas do Norte e reerguemos uma indústria que esteve 20 anos fechada, a Riopele.

A antiga Riopele.

Agora chama-se MCM. E vai gerar muitos postos de trabalho. Está a dar a luz de novo a um distrito de Maputo que é o Marracuene. Com Américo Amorim, estamos a fazer uma plantação de soja interessante, com um parceiro brasileiro.

Um exemplo do triângulo CPLP: Moçambique, Portugal, Brasil.

São estas coisas que a gente deve mostrar como exemplo. A minha visão é empresarial. Se um dia for chamado a algo mais que eu possa contribuir com eficiência, eu irei fazê-lo. Mas a minha ambição é esta: ser um empresário de referência. Em mercados marginais como os nossos, muitas vezes o que conta são as perceções e a ambição de uma grande maioria dos jovens é quererem ser esses funcionários públicos, ser políticos porque acham que é dali que vão sobreviver. E eu quis dar um exemplo diferente.

Porque decidiu ser líder da confederação empresarial da CPLP?

A CPLP deixou de ser um projeto, passou a ser uma causa. Eu verifiquei que a instituição tem muitas carências e não era mais do que uma instituição de charme. Um clube de amigos. Então achei que tínhamos de ter um plano estratégico, de preparar algo consistente para podermos influenciar a parte política. E durante este processo, então começou a despertar dentro dos vários países a necessidade de se reconfigurar e dar uma outra vida à confederação. A CPLP tinha de ser mais económica, para dar alguma solidez às relações que se vinham criando, que eram mais linguísticas, culturais, por aí fora. E para isso era preciso que houvesse uma direção executiva eleita. Fizemos um plano para cinco anos e fomos a esta candidatura em novembro. Eram duas listas e a minha ganhou. Nove países, nove votos: é muita responsabilidade.

Esta dimensão empresarial e económica fazia falta, tendo em conta que a dimensão política existe?

Eu penso que a política e o empresariado devem andar casados. São dois pilares importantes a partir dos quais se geram outros pilares.

Mas a CPLP é um projeto ameaçado, neste momento?

Eu não gostaria de abordar pela parte negativa. Eu acho que esteve ameaçado porque não havia pragmatismo. Quero valorizar um pouco a visão do atual secretário executivo. Quando peguei na liderança da confederação, conversámos e vimos que, de facto, uma CPLP sem uma parte económica que dê consistência será uma CPLP adormecida. Se nós conseguirmos reunir estas energias e dar alguma consistência no pilar empresarial-económico vai certamente interessar, é um valor acrescentado. O Brasil com a presidência Lula, estava a olhar para a CPLP e os PALOP com uma outra dimensão, infelizmente, se calhar, a presidente Dilma não é que tenha largado o projeto, mas encontrou outros…

Outros interesses?

Outros problemas, não teve o mesmo momento que o Lula e deu menos importância à CPLP.

Mas isso resulta da existência dos problemas para resolver? Estando num momento de pujança, o Brasil olha para a CPLP como uma espécie de perda de tempo, porque tem outros parceiros potencialmente mais atrativos?

A liderança do Brasil pode ter prioridades.

E a CPLP deixou de ser uma delas?

Não sei se deixou ou se tem menos visibilidade. Mas às vezes tem que ver um pouco com o protagonismo que os líderes políticos pretendem chamar a si próprios e, através de si, aos países. Por exemplo: muitas vezes eu já ouvi dizer que a CPLP é Portugal. Não faz sentido, 40 anos depois das independências, continuarmos a alimentar aquilo que não existe. Há que eliminar o passado, olhar o presente e o futuro.

No fundo, é acabar com o complexo de colonizador e colonizado.

Exatamente. Esses tabus têm de ser despidos para nós olharmos para aqui como sobrevivência da comunidade da CPLP. Fortificá-la economicamente. E é através da fortificação económica que depois vamos fortificar a cultura, a nossa influência no mundo. Portugal tem a desvantagem de ter sido um país colonizador, que sempre marca esta desconfiança. Mas tem a vantagem de ser um país da CPLP que está na Europa – com acesso à tecnologia, à influência política global que pode transportar e ajudar os países seus irmãos, que estão num país emergente, contra a estratégia global do Ocidente que muitas vezes não lhes permite tão facilmente serem países de sucesso. Moçambique, por exemplo, tem tudo para dar certo.

Recentemente houve tentativas de desestabilização da Renamo…

Mas isso o que é? Para mim, como empresário, não é mais de que uma tentativa de influência externa, mais do que interna. Porque o reerguer de um partido que esteve tão adormecido, para depois aparecer com ameaças de guerra civil, numa altura destas, um partido que tem assento no Parlamento, que tem tudo para nos ajudar e fazer um granjeamento das massas populares com influência política, aparece hoje a ameaçar com a guerra. De onde é que vem? Não é de dentro.

Quem é que tem medo do sucesso de Moçambique?

Não sei. Mas daquilo que vou aprendendo na geopolítica, penso que os dominadores das economias globais são os que não querem que as outras economias apareçam. Às vezes as superpotências continuam a querer o protagonismo dominador das economias globais e criam estratégias que mancham e inibem o processo dos países que querem criar uma estabilidade, mesmo demonstrando as democracias internas. Apesar de eu achar que o mesmo sistema político não deve ser igual em todos os países. Eu fui recentemente à Guiné Equatorial…

Eu ia perguntar-lhe isso.

Fui com uma delegação forte. A maior parte dos empresários que me acompanhavam eram portugueses, éramos cerca de 30. Não houve um único depois do balanço, que não estivesse surpreendido com aquilo que vimos na Guiné Equatorial. Antes estávamos críticos, porque consumíamos aquilo que líamos na imprensa. Mas o que vimos!

Mas isso também se pode construir.

Tudo se pode construir. Mas aquilo que vimos, o desenvolvimento e as infraestruturas – as casas, a qualidade de standard de vida das pessoas - deixa para trás muitos dos nossos países, em que a gente olha para o lado e vê bastante pobreza, criminalidade em países muito mais democratizados, se calhar. A Guiné Equatorial tem eleições. Eh pá, se eles dominam o sistema ou não… Eu olhei para a Guiné Equatorial e lembrei-me do Dubai. Porque o Dubai é um país que tem o sistema que tem e eu percorri aquilo ao longo da autoestrada de ligação de uma estrada para a outra e vi o desenvolvimento. Eles constroem casas sociais para a população, água, acesso, energia. Do que vi na Guiné Equatorial, isto é a parte positiva. Também há o resto. Por exemplo: a pena de morte…

Tem como prioridade a livre circulação de pessoas, bens e capitais.

Acredito que mobilidade vai resgatar a afinidade na CPLP. Uma grande parte da comunidade da CPLP está no setor informal. E o setor informal é assegurado pelas mulheres, que viajam, fazem os seus negócios de trade, de compra e venda, de pequena dimensão, mas alimenta muito. As mulheres moçambicanas, por exemplo, são as que mais viajam para ir comprar ao Dubai, à África do Sul, à Malásia. Mas muitas têm dificuldade com a língua. Se nós abrirmos o espaço, elas, que falam português, vão preferir ir ao Brasil ou a Portugal fazer este intercâmbio.

A venda da TAP pode prejudicar a existência de rotas prioritárias para os PALOP?

Para as ambições da CPLP, pode ser um grande handicap, porque, de facto, a TAP é um parceiro estratégico. É a única companhia nos CPLP que faz a ligação com quase todos, senão todos, os países. Mas penso que eles não devem abandonar este mercado porque tem potencial. Nos mercados que sustentam a TAP estão Angola, o Brasil e Moçambique.

Quais são as barreiras à construção da comunidade de livre circulação na CPLP?

A primeira é a inércia, porque todos falamos da necessidade mas pouco está a ser feito. Vejo nos comentários nas redes sociais que muitos da nossa comunidade, entre os 15 e os 35 anos, sentem-se mais inseridos na SADC do que na CPLP. Dizem: “Como é que somos comunidade se eu para ir para Angola ou para Portugal tenho de andar com vistos e às vezes nem consigo? Se quero ir à África do Sul pego no meu carro e vou amanhã, ou pego no avião e vou para o Zimbabwe.” Não nos esqueçamos de uma coisa: a língua no impacto da empresa tem um custo de 17%.

Em termos de custos?

Custos. Muitas vezes mede-se isto como uma coisa supérflua, porque a nível das grandes empresas os gestores falam várias línguas, mas quando desce para o 2º ou 3º nível de gestão, a língua é extremamente importante, é um asset.

Como é que um empresário moçambicano olha para o que se passa hoje na Europa?

Com muita preocupação. Nós, empresários, temos muita ligação à Europa e a Europa começa a demonstrar algumas fragilidades… Mas penso que a Europa está num estágio político mais maduro, que saberá contornar este percalço.

E como vê o papel da Alemanha no contexto europeu?

Diria que não devemos querer o mal da Alemanha, assim como nós em Moçambique não queremos o mal da África do Sul. No dia em que a África do Sul não tiver comida nas prateleiras, nós nem prateleiras vamos ter. Se a Alemanha afundar, a Europa vai ser muito mais afetada – é o motor da Europa. Quanto melhor for, mais a Europa vai crescer. Portugal é um país que eu olho com alguma preocupação, porque é um país da CPLP e está a fazer um grande esforço para atravessar a crise, e tem esse mérito, mas é muito autodestrutivo… os portugueses têm as infraestruturas ideais, um clima ideal, culinária e gastronomia supra, que pode ser a grande meca do turismo para a Europa. Mas tem de criar autoestima.

Esse é um dos problemas dos portugueses, a falta de autoestima?

Não é só dos portugueses, é um problema lusófono.

Somos autofágicos, não é?

É. Olho para Portugal aqui há dez anos e fico espantado: investiu bem, criou infraestruturas… é de mais? Nunca é de mais. Agora tem o turismo – eu vou investir no setor hoteleiro, em Portugal.

Salimo é muçulmano. Pratica?

Não me considero um bom muçulmano. Nasci muçulmano e acho que a religião é uma forma de educação. Nada mais. Tenho parte da família cristã, católica, e parte muçulmana.

Aliás, é casado com uma cristã.

Sim. Acredito que as três religiões monoteístas têm a mesma forma. Portanto, se me perguntar se há alguma diferença entre as religiões digo que não. Há sim na cabeça dos fanáticos.

Como olha para o Estado Islâmico?  

Com muita preocupação. Estão a usar a religião para fins obscuros. O poder, a destruição, tudo menos o que é a religião: a paz, o equilíbrio e amor ao próximo. Isto é crime, é assassínio.

Vai aos Estados Unidos com frequência. Nunca teve problemas por ser muçulmano?

Graças a Deus, nunca.

Foi importante para si haver um presidente negro nos EUA?

Para mim, a questão da raça não é importante. Mas foi um sinal. 


Nuno Saraiva – Portugal in “Diário de Notícias”

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