Foto: Orlando Almeida |
O
basquetebol era o seu sonho, mas o destino, acredita Salimo Abdula, 50 anos,
tinha outros planos. Nascido muçulmano, numa família humilde (a mãe trabalhava
em casa, o pai numa açucareira) e com sete irmãos, conquistou um lugar na
universidade. Até o conseguir, foi várias vezes de Quelimane a Maputo, à
boleia. Plantou-se à porta do ministério. E conquistou o lugar no primeiro
curso administrado pela Universidade Eduardo Mondlane. A sua primeira empresa
era um buraco: comprou-a por 400 meticais (cerca de 100 dólares na altura e descobriu
que tinha dívidas de quatro mil milhões de meticais. Aos poucos deu-lhe a volta.
Depois, foi sempre a crescer, no mundo dos negócios e em visibilidade. E acabou
por ser convidado para integrar o Parlamento, onde não quis ficar mais de um mandato.
Centrista, é amigo de Armando Guebuza, que foi seu sócio nas empresas. Hoje,
com 26 anos de experiência empresarial, acumula a liderança da Comunidade Empresarial
da CPLP com a presidência da sua holding Intelect (Energia, Publicidade, Turismo,
Finanças, Recursos Minerais, Telecomunicações, Imobiliária e Consultoria), é presidente
da mesa da assembleia geral da Confederação das Associações Económicas de Moçambique
e CEO da Vodacom. Casou com uma católica, no ano em que comprou a primeira empresa,1990,
e tem três filhos. “Nenhum quis ser basquetebolista: dois estão no futebol – um
está cá, a treinar pelo Benfica na EliteTraining – e um no desporto motorizado.”
Quanto a Salimo, benfiquista convicto, continua a preferir o basquetebol. “Ainda
jogo, desafios de veteranos, às quartas e aos domingos. Com grandes craques, um
deles foi jogador na seleção portuguesa, o João Domingos e o ‘Bebé’ Serrano, o David
Simango…” Também ele foi craque. “Campeão nacional em 1983!” Mas é nos negócios
que faz a sua vida.
Como
é que se passa de empregado de mesa num restaurante para ser um dos homens mais
influentes de África, de acordo com a revista Forbes? Qual é o segredo?
O segredo não sei. A vida
foi-me proporcionando algumas surpresas e eu quero acreditar que é o destino.
Lembro-me de quando se deu a independência nacional, tinha mais ou menos 12
anos…
Que
imagem é que tinha dos portugueses nessa altura?
Tinha uma imagem boa.
Porque, de facto, o país era tranquilo, na minha pequenez. Não vivia os
problemas de que se falava em termos do regime colonial. Cresci na zona rural, onde
os meus pais eram empregados – o meu pai; a minha mãe doméstica - e vim para a
cidade de Quelimane, que era capital dessa província da Zambézia. Vinha estudar,
assim como os meus irmãos, em casa de um senhor que era já muito conhecido em Moçambique
dono de uma cadeia de cinemas. E tenho esta recordação de uma vida muito
estável, muito boa, havia tudo.
Os
seus pais eram politizados?
Não, nunca foram. O meu pai
trabalhava para uma companhia, a Sena Sugar Estates. Lembro-me de um dia na
vila de Luabo, eu estava a brincar e vi um clube muito bonito, e entrei a correr
– era um menino de 6,7 anos – e veio o contínuo a correr atrás de mim: “Tem de
sair daqui, menino!” Eu não sabia que era o clube dos ingleses. Naquele tempo,
em vez de se distinguir, dizia-se: “É o clube dos brancos. Tu não podes entrar lá.”
Tenho esta imagem negativa. De resto, o standard
de vida era bom.
Mas
voltando à questão, como é que se passa dessa dimensão para um dos mais
influentes de África?
É dos ganhos da
independência. Fui esta vítima do sucesso. Porque a liberdade criou também
estas condições. Naquela altura, a maioria dos moçambicanos eram preparados
para servir o sistema, para trabalhar. E a independência criou liberdade. Criou
problemas, sim, porque as pessoas tinham de lutar por si, mas criou outras
oportunidades para quem se dedicasse com toda a sua energia a querer ser um
empresário. Tivemos um período de economia centralizada que não criou condições
para as pessoas pudessem ser empresárias. Eu joguei basquete e era a minha
perdição – queria ser um jogador da NBA. Infelizmente a vida não me
proporcionou que chegasse a esse nível, porque também não cresci muito…(risos)
Foi
para os negócios.
Quando terminei os estudos
na Beira, ali naquele período do marxismo-leninismo, eles é que determinavam
para onde eu ia. E colocaram-me na Direção Provincial do Comércio Externo. Mas
eu tinha a minha ambição de querer continuar a estudar. Mas isso era decidido
em Maputo. Um dia, vou ao aeroporto da Beira e vejo um avião militar a
transportar pessoas. Meti-me na fila e consegui entrar. Quando cheguei a
Maputo, não saía do Ministério da Educação. Eles recusaram e tive de voltar
para a Beira; mas voltei e acabei por entra em Engenharia Informática. Era o
primeiro curso que a Universidade Eduardo Mondlane ensinava. Há um belo dia que
recebo uma chamada da Beira, da empresa onde estive a fazer o part-time, e a senhora da contabilidade
diz-me que a empresa foi abandonada pelos donos. Eu tinha 18 anos e ela diz-me
que há três procurações: ela tem uma, o procurador outra, mas eles não querem,
e eu sou o terceiro. E naquela força da juventude…
Inconsciente…
Um bocadinho inconsciente,
fui para a Beira. Aí começa um novo desafio na minha vida. E quando começam a
fazer o rol do ativo e do passivo, as surpresas e as dores de estômago começam.
A empresa tinha responsabilidades na banca acima de 4 mil milhões de meticais.
Tinha trabalhadores e poucos ativos, que eram os monos – não tinha propriedade
– e aí caio na realidade. Mas já tinha assumido. E aprendi com meu pai: um
homem só vale aquilo que é a sua palavra. Então reuni com os trabalhadores e
disse: “Eu não tenho meios financeiros mas tenho vontade. Vamos pegar nisto e
trabalhar juntos?” A primeira coisa que eu fiz foi estudar os mercados, os
monos que eu tinha na Beira serviam em Quelimane. Vendi tudo. Foi um cash flow que entrou, comecei a pegar
nas obras que estavam paradas, a arranjar equipamento. Começámos a gerar
receitas. E a Beira tinha uma coisa: tinha a indústria de cabos elétricos. Em
Maputo não havia cabos elétricos. E eu tinha uma motorizada e comecei a usar os
meios.
O
setor privado, nessa altura, era muito incipiente.
Era o pequeno comércio,
merceeiros…Em três ou quatro anos coloquei a empresa numa situação
completamente saudável. Entretanto comecei também a fazer prestação de serviços
para Quelimane, onde o meu irmão era o distribuidor da indústria hoteleira, e
ele deu-me uma cota na empresa. E foi neste processo, como eu vivia em Maputo e
tinha casado, que em 1990 ele diz assim: “Agora vamos a uma hasta pública,
porque há aí umas empresas que foram intervencionadas pelo Estado e você pode
fazer o bidding.” O lance era para
uma empresa de construção, que era a Pinto Brás África. Eu, que estava no ramo
eletrotécnico, fiquei com uma construtora e o meu vizinho, tinha a Eletrosul,
que era uma oficina de bobinagem. Então propus-lhe parceria.
Complementaridade,
claro.
Sim, ele ficou com uma parte
da minha empresa de construção e eu ficava com uma parte da empresa de
eletricidade. E começámos, sempre eu a gerir, até que mais tarde o senhor, que
também era funcionário público – era um engenheiro que trabalhava para os caminhos-de-ferro
– disse “Ó pá, fica com a minha quota. Eu vendo isso.” E eu acabei por comprar
a Eletrosul e ficou 100% minha e da minha esposa.
Daí
em diante foi sempre a crescer.
Sim. Formei a Intelec.
Depois em 1992, houve a cessão da paz. Em 1994 o Estado sai para um regime
aberto, descentralizado, e começa a querer ter pessoas com outras opiniões,
empresários a entrar para o sistema e empurram-me, assim, um pouco para também
ser candidato à Assembleia da República.
E
foi candidato nas primeiras eleições multipartidárias do país.
E sou eleito pela minha
província natal, a Zambézia - fui o 7º mais votado.
Eleito,
portanto, pela Frelimo.
Sim, sim. E exerço assim a
minha curta passagem pela política, de 1994 a 1999. Fui ainda reeleito mas pedi
para sair porque a minha vida empresarial estava um pouco em declínio. A minha
esposa, que estava a estudar Medicina, deixou para ajudar a empresa.
Mas
não gostou da experiência?
Não é uma questão de gostar
ou deixar de gostar. A minha passagem pelo Parlamento deu-me uma outra visão do
país, dos desafios e das necessidades do país.
Hoje
como é que se definiria ideologicamente: um homem de esquerda, de centro, de
direita?
Sou um homem do centro. Vou
aprendendo o equilíbrio entre a esquerda e a direita e acredito que tudo na
vida tem de ser comedido. Acredito que a economia de mercado criou condições
para que o setor privado possa ser o motor de uma economia mas aprendi também
que é preciso crescer com alguma distribuição sustentável. E acho que este é o
processo que Moçambique está a aprender. Quando saí da política, achei que
podia continuar a dar o meu préstimo, como cidadão. Então passei pela
Associação Comercial de Moçambique. E depois sou o candidato a vice-presidente
da Confederação das Associações Económicas de Moçambique. Quando entrei para a
Associação Comercial disse: “Vou-me candidatar mas vou-me limitar a um novo
estatuto em que todos nós, como dirigentes, temos de saber que temos o dia para
iniciar e o dia para finalizar.” Porque quem não tem isto, deixa andar e vai
empurrando as coisas.
Com
a barriga.
Isso, Mas sim, quando passei
pelo Parlamento, fiz grandes amizades.
É
daí que vem a sua amizade com Armando Guebuza?
Sim, também. Conheci o
Armando Guebuza como tenho amizades com pessoas de vários partidos. A minha
amizade com o Armando Guebuza, que era o meu chefe de bancada, começa com uma
divergência. Há uma conversa e eu, que era dos mais jovens do Parlamento e não
tinha papas na língua, aquilo que achava que não estava correto dizia. E as
pessoas diziam: “Eh pá, não se diz isso aos mais velhos.” Um dos temas em
debate era a educação e eu meti-me na conversa. “Nós temos de apostar na
educação maciça mas, se não criamos embriões de qualidade de educação estamos
condenados ao insucesso, porque não vamos ter quadros que defendam o grande
progresso do país.”
A
educação é a base de tudo.
Exatamente. E aquilo gerou
ali um desconforto e então fiquei numa situação de persona non grata. Mas o Armando Guebuza é uma pessoa muito
inteligente e gosta de ouvir as pessoas quando têm algo a dizer.
No
fundo, é alguém que não gosta de lambe-botas.
Sim. Há um dia no
Parlamento, em que a bancada da Frelimo está numa discussão um bocado
embaraçosa e com os meus argumentos ganhei a confiança da bancada. E então
recebo um bilhetinho a dizer: “Olha, parabéns. Você criou qualquer coisa como
uma diarreia mental na oposição.” E a partir desse dia gerou-se uma conversa
natural com o líder. E ele disse-me: “Mais do que nós fazemos às vezes nesses
meandros políticos é exatamente o que tu estás a fazer – é entrar para o setor
produtivo, criar empregos, fazer.”
E
essa amizade com Guebuza trouxe-lhe mais alegrias ou dissabores? Ele está na
sua holding.
Esteve.
Esteve.
Há aquela perceção da confusão entre política e negócio?
Exatamente. Eu penso que o
Armando Guebuza é uma pessoa visionária, um político acima da média do
continente africano, que eu respeito muito como homem. Mas, para mim, foi-me
muito mais útil antes de ser presidente. Quando ele decide candidatar-se eu não
medi muito as consequências. Eu tinha vários: os técnicos e os gestores que
sempre trabalharam na empresa têm partes na empresa, embora eu seja o sócio
maioritário. As pessoas especulam que Guebuza é o sócio maioritário, mas já na
altura eu tinha 70%. Ele acreditou, investiu como os outros. Mas quando ele se
candidata e é eleito, um dos acionistas, que é jurista, disse que ia haver
conflito de interesses, portanto sugeriu a Armando Guebuza demitir-se do cargo.
E a empresa acabou por comprar as ações.
Mas
havia quem dissesse que o Salimo era um testa de ferro…
Isso é tudo especulação.
Agora, a partir do momento que ele é eleito, foi mais prejudicial para mim do
que benéfico. Pode ser benéfico no prestígio, nunca deixei de ser amigo dele.
Mas também nunca fui beneficiado na empresa, porque eu tenho a ética correta do
que são os negócios. Fui o primeiro moçambicano a ser formado no Instituto de
Global Ethics, nos Estados Unidos. E quando voltei a Moçambique, fui fundador
da Ética Moçambique.
Mas
não ignora que a perceção que as pessoas têm de que o universo que existe entre
a política e os negócios é muito pouco claro…
Em qualquer sociedade,
principalmente para a política, o que conta são as perceções. Mas para os
empresários, são os factos.
Conhece
a realidade moçambicana, já conhece também a portuguesa. Moçambique é um país
corrupto? É mais do que Portugal?
Eu até tinha um termo:
“Quanto mais questões burocráticas e administrativas se colocarem, mais lojas
de corrupção nós geramos.” A corrupção é fenómeno global, umas vezes de forma
mais camuflada que outras. Em países marginais, como os nossos, nas economias
marginais como as nossas, é mais notável a pequena corrupção, porque é o
incómodo do dia-a-dia da população. As pessoas necessitadas vão-se corrompendo
para sobreviver. Então é a pobreza que gera a corrupção ou a corrupção que gera
a pobreza?
E
qual é a sua resposta?
São ambas, mas a questão
principal é o berço. Eu venho ainda de uma geração em que os meus pais me
ensinaram valores. Nunca tive tendência a ser corrupto e acho que o que me segurou
foi o berço.
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Considera-se
um homem rico?
Para mim, o conceito de
riqueza é muito simples: é alguém que tem aquilo que são as necessidades
básicas mas que, quando chega à hora do descanso, deita a cabeça na almofada e
sabe que não tem dívidas e não passou por cima de ninguém. Voltando à
corrupção, a outra questão que define Moçambique, muitas vezes, tem a ver com a
cultura lusófona – os vizinhos sul-africanos têm uma cultura mais anglófona. Se
um empresário português for a Moçambique, rapidamente vai entender o que tem
que fazer, porque não há muita diferença; se um angolano for para lá, idem; mas
se um sul-africano for para Moçambique vai ter muitas dificuldades e vai
interpretar isso como corrupção. Porque o processo cultural de negócio é diferente.
Eles têm um regime mais simplificado e nós temos aqueles processos todos de
comércio internacional complicadíssimos, papéis em cima de papéis e carimbos de
carimbos.
Não
pensa voltar á política?
Não faz parte dos meus
projetos. Mas aprendi nunca dizer nunca.
Portanto,
não exclui a hipótese de um dia ser candidato a presidente?
Não, nunca disse isso.
Apesar de não ser a primeira pessoa que pergunta. Talvez pela minha
visibilidade. Mas estou a fazer o que eu gosto de fazer.
Mas
o partido nunca o chamou?
Não. Estou presente sempre
que é necessário e para os grandes feitos mas a minha grande contribuição ao
país tem sido via empresarial.
Quantos
postos de trabalho já criou ao longo da sua vida?
Neste momento tenho mais de
2500 empregos criados no meu grupo. E continuo a criar, e essa é uma das minhas
grandes felicidades. Tenho projetos ambiciosos. Eu agora mandei fazer um
levantamento e, cruzadamente, chegámos a 77 associações empresariais. Muitas
não são estratégicas para mim. Então, o que fizemos foi orientar alguns setores
específicos – o energético, que foi a génese da minha criação; o de
telecomunicações; o agrícola, que eu acredito que os nossos países, na
agricultura, têm muito para dar; e depois um pouco daquilo que são áreas do
setor financeiro, onde estou com o Américo Amorim, com a Visabeira. Eu detinha
uma empresa, a Eletrotec, que era 100% da Intelec, e achei que podíamos colocar
a Visabeira. Eles compraram 49% e são os nossos sócios. No têxtil, juntei três
empresas portuguesas do Norte e reerguemos uma indústria que esteve 20 anos
fechada, a Riopele.
A
antiga Riopele.
Agora chama-se MCM. E vai
gerar muitos postos de trabalho. Está a dar a luz de novo a um distrito de
Maputo que é o Marracuene. Com Américo Amorim, estamos a fazer uma plantação de
soja interessante, com um parceiro brasileiro.
Um
exemplo do triângulo CPLP: Moçambique, Portugal, Brasil.
São estas coisas que a gente
deve mostrar como exemplo. A minha visão é empresarial. Se um dia for chamado a
algo mais que eu possa contribuir com eficiência, eu irei fazê-lo. Mas a minha
ambição é esta: ser um empresário de referência. Em mercados marginais como os
nossos, muitas vezes o que conta são as perceções e a ambição de uma grande
maioria dos jovens é quererem ser esses funcionários públicos, ser políticos
porque acham que é dali que vão sobreviver. E eu quis dar um exemplo diferente.
Porque
decidiu ser líder da confederação empresarial da CPLP?
A CPLP deixou de ser um
projeto, passou a ser uma causa. Eu verifiquei que a instituição tem muitas
carências e não era mais do que uma instituição de charme. Um clube de amigos.
Então achei que tínhamos de ter um plano estratégico, de preparar algo
consistente para podermos influenciar a parte política. E durante este
processo, então começou a despertar dentro dos vários países a necessidade de
se reconfigurar e dar uma outra vida à confederação. A CPLP tinha de ser mais
económica, para dar alguma solidez às relações que se vinham criando, que eram
mais linguísticas, culturais, por aí fora. E para isso era preciso que houvesse
uma direção executiva eleita. Fizemos um plano para cinco anos e fomos a esta
candidatura em novembro. Eram duas listas e a minha ganhou. Nove países, nove
votos: é muita responsabilidade.
Esta
dimensão empresarial e económica fazia falta, tendo em conta que a dimensão
política existe?
Eu penso que a política e o
empresariado devem andar casados. São dois pilares importantes a partir dos
quais se geram outros pilares.
Mas
a CPLP é um projeto ameaçado, neste momento?
Eu não gostaria de abordar
pela parte negativa. Eu acho que esteve ameaçado porque não havia pragmatismo.
Quero valorizar um pouco a visão do atual secretário executivo. Quando peguei
na liderança da confederação, conversámos e vimos que, de facto, uma CPLP sem
uma parte económica que dê consistência será uma CPLP adormecida. Se nós
conseguirmos reunir estas energias e dar alguma consistência no pilar
empresarial-económico vai certamente interessar, é um valor acrescentado. O
Brasil com a presidência Lula, estava a olhar para a CPLP e os PALOP com uma
outra dimensão, infelizmente, se calhar, a presidente Dilma não é que tenha
largado o projeto, mas encontrou outros…
Outros
interesses?
Outros problemas, não teve o
mesmo momento que o Lula e deu menos importância à CPLP.
Mas
isso resulta da existência dos problemas para resolver? Estando num momento de
pujança, o Brasil olha para a CPLP como uma espécie de perda de tempo, porque
tem outros parceiros potencialmente mais atrativos?
A liderança do Brasil pode
ter prioridades.
E
a CPLP deixou de ser uma delas?
Não sei se deixou ou se tem
menos visibilidade. Mas às vezes tem que ver um pouco com o protagonismo que os
líderes políticos pretendem chamar a si próprios e, através de si, aos países.
Por exemplo: muitas vezes eu já ouvi dizer que a CPLP é Portugal. Não faz
sentido, 40 anos depois das independências, continuarmos a alimentar aquilo que
não existe. Há que eliminar o passado, olhar o presente e o futuro.
No
fundo, é acabar com o complexo de colonizador e colonizado.
Exatamente. Esses tabus têm
de ser despidos para nós olharmos para aqui como sobrevivência da comunidade da
CPLP. Fortificá-la economicamente. E é através da fortificação económica que
depois vamos fortificar a cultura, a nossa influência no mundo. Portugal tem a
desvantagem de ter sido um país colonizador, que sempre marca esta
desconfiança. Mas tem a vantagem de ser um país da CPLP que está na Europa –
com acesso à tecnologia, à influência política global que pode transportar e
ajudar os países seus irmãos, que estão num país emergente, contra a estratégia
global do Ocidente que muitas vezes não lhes permite tão facilmente serem
países de sucesso. Moçambique, por exemplo, tem tudo para dar certo.
Recentemente
houve tentativas de desestabilização da Renamo…
Mas isso o que é? Para mim,
como empresário, não é mais de que uma tentativa de influência externa, mais do
que interna. Porque o reerguer de um partido que esteve tão adormecido, para
depois aparecer com ameaças de guerra civil, numa altura destas, um partido que
tem assento no Parlamento, que tem tudo para nos ajudar e fazer um granjeamento
das massas populares com influência política, aparece hoje a ameaçar com a
guerra. De onde é que vem? Não é de dentro.
Quem
é que tem medo do sucesso de Moçambique?
Não sei. Mas daquilo que vou
aprendendo na geopolítica, penso que os dominadores das economias globais são
os que não querem que as outras economias apareçam. Às vezes as superpotências
continuam a querer o protagonismo dominador das economias globais e criam
estratégias que mancham e inibem o processo dos países que querem criar uma
estabilidade, mesmo demonstrando as democracias internas. Apesar de eu achar
que o mesmo sistema político não deve ser igual em todos os países. Eu fui recentemente
à Guiné Equatorial…
Eu
ia perguntar-lhe isso.
Fui com uma delegação forte.
A maior parte dos empresários que me acompanhavam eram portugueses, éramos
cerca de 30. Não houve um único depois do balanço, que não estivesse
surpreendido com aquilo que vimos na Guiné Equatorial. Antes estávamos
críticos, porque consumíamos aquilo que líamos na imprensa. Mas o que vimos!
Mas
isso também se pode construir.
Tudo se pode construir. Mas
aquilo que vimos, o desenvolvimento e as infraestruturas – as casas, a
qualidade de standard de vida das
pessoas - deixa para trás muitos dos nossos países, em que a gente olha para o
lado e vê bastante pobreza, criminalidade em países muito mais democratizados,
se calhar. A Guiné Equatorial tem eleições. Eh pá, se eles dominam o sistema ou
não… Eu olhei para a Guiné Equatorial e lembrei-me do Dubai. Porque o Dubai é
um país que tem o sistema que tem e eu percorri aquilo ao longo da autoestrada
de ligação de uma estrada para a outra e vi o desenvolvimento. Eles constroem
casas sociais para a população, água, acesso, energia. Do que vi na Guiné
Equatorial, isto é a parte positiva. Também há o resto. Por exemplo: a pena de
morte…
Tem
como prioridade a livre circulação de pessoas, bens e capitais.
Acredito que mobilidade vai
resgatar a afinidade na CPLP. Uma grande parte da comunidade da CPLP está no
setor informal. E o setor informal é assegurado pelas mulheres, que viajam,
fazem os seus negócios de trade, de
compra e venda, de pequena dimensão, mas alimenta muito. As mulheres
moçambicanas, por exemplo, são as que mais viajam para ir comprar ao Dubai, à
África do Sul, à Malásia. Mas muitas têm dificuldade com a língua. Se nós
abrirmos o espaço, elas, que falam português, vão preferir ir ao Brasil ou a
Portugal fazer este intercâmbio.
A
venda da TAP pode prejudicar a existência de rotas prioritárias para os PALOP?
Para as ambições da CPLP,
pode ser um grande handicap, porque,
de facto, a TAP é um parceiro estratégico. É a única companhia nos CPLP que faz
a ligação com quase todos, senão todos, os países. Mas penso que eles não devem
abandonar este mercado porque tem potencial. Nos mercados que sustentam a TAP
estão Angola, o Brasil e Moçambique.
Quais
são as barreiras à construção da comunidade de livre circulação na CPLP?
A primeira é a inércia,
porque todos falamos da necessidade mas pouco está a ser feito. Vejo nos
comentários nas redes sociais que muitos da nossa comunidade, entre os 15 e os
35 anos, sentem-se mais inseridos na SADC do que na CPLP. Dizem: “Como é que
somos comunidade se eu para ir para Angola ou para Portugal tenho de andar com
vistos e às vezes nem consigo? Se quero ir à África do Sul pego no meu carro e
vou amanhã, ou pego no avião e vou para o Zimbabwe.” Não nos esqueçamos de uma
coisa: a língua no impacto da empresa tem um custo de 17%.
Em
termos de custos?
Custos. Muitas vezes mede-se
isto como uma coisa supérflua, porque a nível das grandes empresas os gestores
falam várias línguas, mas quando desce para o 2º ou 3º nível de gestão, a
língua é extremamente importante, é um asset.
Como
é que um empresário moçambicano olha para o que se passa hoje na Europa?
Com muita preocupação. Nós,
empresários, temos muita ligação à Europa e a Europa começa a demonstrar
algumas fragilidades… Mas penso que a Europa está num estágio político mais
maduro, que saberá contornar este percalço.
E
como vê o papel da Alemanha no contexto europeu?
Diria que não devemos querer
o mal da Alemanha, assim como nós em Moçambique não queremos o mal da África do
Sul. No dia em que a África do Sul não tiver comida nas prateleiras, nós nem
prateleiras vamos ter. Se a Alemanha afundar, a Europa vai ser muito mais
afetada – é o motor da Europa. Quanto melhor for, mais a Europa vai crescer.
Portugal é um país que eu olho com alguma preocupação, porque é um país da CPLP
e está a fazer um grande esforço para atravessar a crise, e tem esse mérito,
mas é muito autodestrutivo… os portugueses têm as infraestruturas ideais, um
clima ideal, culinária e gastronomia supra, que pode ser a grande meca do
turismo para a Europa. Mas tem de criar autoestima.
Esse
é um dos problemas dos portugueses, a falta de autoestima?
Não é só dos portugueses, é
um problema lusófono.
Somos
autofágicos, não é?
É. Olho para Portugal aqui
há dez anos e fico espantado: investiu bem, criou infraestruturas… é de mais?
Nunca é de mais. Agora tem o turismo – eu vou investir no setor hoteleiro, em
Portugal.
Salimo
é muçulmano. Pratica?
Não me considero um bom
muçulmano. Nasci muçulmano e acho que a religião é uma forma de educação. Nada mais.
Tenho parte da família cristã, católica, e parte muçulmana.
Aliás,
é casado com uma cristã.
Sim. Acredito que as três
religiões monoteístas têm a mesma forma. Portanto, se me perguntar se há alguma
diferença entre as religiões digo que não. Há sim na cabeça dos fanáticos.
Como
olha para o Estado Islâmico?
Com muita preocupação. Estão
a usar a religião para fins obscuros. O poder, a destruição, tudo menos o que é
a religião: a paz, o equilíbrio e amor ao próximo. Isto é crime, é assassínio.
Vai
aos Estados Unidos com frequência. Nunca teve problemas por ser muçulmano?
Graças a Deus, nunca.
Foi
importante para si haver um presidente negro nos EUA?
Para mim, a questão da raça
não é importante. Mas foi um sinal.
Nuno
Saraiva – Portugal in “Diário de Notícias”
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